Neste dia 31 de janeiro, dia litúrgico de S. João Bosco, 124 anos após a sua morte, quero fazer um convite aos meus amigos que se interessam por pastoral juvenil: ler as “Memórias do Oratório”, de S. João Bosco.
Dom Bosco escreveu muito, sobre muitas coisas. Mas escreveu pouco sobre si mesmo. Ao contrário de alguns santos com uma extraordinária capacidade de pôr em palavras o seu mundo interior, D. Bosco era muito reservado e não era nada dado a disclosures. Por isso, este texto, em que D. Bosco narra a sua própria história torna-se um documento raro e precioso.
Nestas “Memórias”, D. Bosco narra a sua história e a história da sua obra, de 1815 (ano em que nasceu) até 1855. Escritas com arte, com ritmo, é um texto que se devora rapidamente. Mas mais do que fazer uma biografia, Dom Bosco quer apresentar um projecto de pastoral juvenil. Narrando as suas vivências como jovem e como sacerdote que exerce o seu ministério no âmbito da pastoral juvenil, Dom Bosco encontra uma maneira ágil e atraente de sintetizar a sua proposta pastoral.
D. Bosco acaba por escrever este relato por pressão do Papa Pio IX. Mas também porque sente que estas “Memórias” poderão ser úteis para aqueles que se juntaram a ele na paixão educativa e evangelizadora (ou seja, para nós também).
Para os conhecedores de Dom Bosco é texto é interessantíssimo. Mas julgo que para todos aqueles que querem anunciar o Evangelho da vida aos jovens do século XXI, este texto, escrito no século XIX, pode ser bastante estimulante.
A edição que agora saiu foi preparada por Aldo Giraudo, um dos maiores especialistas sobre vivos sobre Dom Bosco. A ampla introdução ajuda-nos a compreender melhor o género literário da obra; as notas generosas ajudam-nos a conhecer o mundo político, social, eclesial, ideológico onde decorre a acção.
Contextos
Apesar da distância que nos separa da Turim da primeira metade do século XIX, há muitas semelhanças no contexto.
Temos uma juventude em mutação acelerada e em situação de emergência educativa. No século XIX era o impacto da industrialização e da urbanização. Hoje é o choque com a cultura pós-moderna.
E temos também uma Igreja sem grandes respostas. Hoje como ontem, sentimos em Igreja que temos no Evangelho a resposta que pode devolver vida, beleza e sentido à vida dos jovens. Mas sentimos também que não encontrámos ainda as mediações necessárias e suficientes que façam a ponte entre o Evangelho e os jovens.
As respostas
Ao ler as “Memórias do Oratório” é possível encontrar várias respostas aos desafios pastorais que foram válidos na vida de Dom Bosco e que são válidos hoje também.
O sentido vocacional do educador-evangelizador. Ser educador-evangelizador (para Dom Bosco a evangelização faz-se com a educação) não é um emprego, não é um acidente de carreira. Nem sequer é uma escolha pessoal. Cada um de nós está neste lugar eclesial por chamamento de Deus. Isso gera um sentido de grande responsabilidade. Mas também uma serenidade interior muito grande. Nesta aventura de evangelizar os jovens, não somos nós os protagonistas. O papel principal é de Deus. Foi Ele que nos chamou. É Ele que nos guia, que nos inspira, que nos dá coragem.
A compaixão. Hoje como ontem a maneira como olhamos para o mundo dos jovens não é neutro. Olhamos com o mesmo olhar de Deus. Não somos burocratas que de dedicam a fazer análises da realidade, com os mais modernos instrumentos estatísticos. Somos pais e mães apaixonados que sentem como suas as dores do mundo juvenil. Somos homens e mulheres de fé que se deixaram contagiar pela vontade de vida abundante que Deus tem.
Não se deixar prender pela inércia eclesial. No tempo de D. Bosco, a rápida urbanização, os fluxos migratórios, a explosão de ideias, não pediu licença às estruturas eclesiais existentes. E D. Bosco soube encontrar soluções criativas e inovadoras para levar o Evangelho aos jovens. Hoje também nós temos a dificuldade de estar numa Igreja que pena em encontrar novos lugares e novos ritmos para evangelizar os jovens. As “memórias” ajudam-nos a ver como D. Bosco articula continuidade e inovação, sentido eclesial coragem criativa.
Humildade. A humildade corre o risco de ser uma daquelas virtudes típicas do “antigamente” mas que hoje, em tempos obcecados com a auto-realização individualista pouco crédito tem. D. Bosco realça, no seu percurso o papel da humildade. Longe de nós imaginá-lo como um quietista espiritual ou como alguém submisso ao peso das instituições ou das situações. D. Bosco insiste na humildade como a atitude que permite a descentração. “Ser humilde” é liberdade interior, não se prender consigo mesmo. É esta humildade que permite a criatividade, que permite desenvolver movas respostas. Sem perder tempo a ponderar o impacto que essas “aventuras” terão no bem-estar pessoal.
A santidade é possível. Contra os restos de jansenismo que ainda havia no seu tempo, contra o desânimo que dizia nada ser possível fazer desta juventude, D. Bosco acredita que a santidade, uma vivência da fé de alta qualidade, é possível. É urgente, na pastoral juvenil de hoje, recuperar esta convicção. Não apenas como declaração de princípio. Há que observar como se pode ajudar os jovens a operacionalizar essa santidade. Nas “Memórias”, D. Bosco recorda todos aqueles que o ajudaram a crescer em santidade e explicita os processos espirituais e pedagógicos que ajudarão os jovens rumo à santidade.
Itinerários que fazem crescer. Nas “Memórias” recordamos algo que a experiência confirma de mil maneiras: precisamos de itinerários de fé que façam efectivamente crescer. D. Bosco não usa a expressão “itinerários de fé”. Mas a intuição está lá.
Empowerement. Quando Joãozinho Bosco relata à família o sonho que teve aos nove anos (que de algum modo antecipa-sintetiza todo o seu percurso de vida) a avó, com sensatez e realismo, diz que não se deve dar crédito aos sonhos. Mas a vida de D. Bosco foi toda ela uma luta contra o realismo imobilista. Ele sentia que as constrições da realidade não deveriam ter a última palavra. D. Bosco desconhecia a expressão “empowerement” (duvido que soubesse inglês) mas era um grande adepto da realidade. Na sua vida pessoal e na sua estratégia de “gestão” dos jovens e dos colaboradores. D. Bosco ensina-nos que a fragilidade dos recursos pode ser contrariada cultivando a formação pessoal, melhorando as competências.
Finalmente…
Já escrevi muito e ainda fica muito por dizer a respeito dos méritos deste livro. Insisto no convite: ganha tempo a recuperar esta memória de um grande santo.
P.e Rui Alberto, SDB