A crise familiar e sua consequente perda de identidade
Actualmente, um dos temas que mais preocupações tem suscitado no seio da nossa sociedade é justamente a crise familiar, cuja perda de identidade tem vindo a intensificar-se nas últimas décadas.
Na verdade, são inegáveis as transformações sociais, culturais e políticas que convergem para provocar uma crise cada vez mais evidente da família, comprometendo «em boa medida, a verdade e a dignidade da pessoa humana e põem em discussão, desfigurando-o, o próprio conceito de família» (EE 90).
Em boa verdade, a família, célula viva da nossa sociedade, está profundamente transformada nos seus modos de constituição, nas suas formas, na sua composição, assim como na sua própria estrutura. Se observarmos atentamente a realidade que nos envolve, é cada vez mais recorrente o aumento do número de famílias ausentes, desestruturadas, com pouco tempo para o convívio familiar e pouco conscientes do seu papel de primeiros educadores, muito devido às intensas solicitações exteriores à própria família.
Novo contexto sócio-cultural e religioso na transmissão da fé
As profundas transformações socioculturais que marcam esta nova situação familiar repercutem-se, invariavelmente, ao nível da transmissão da fé. Com efeito, se antes a comunicação da mesma passava quase espontaneamente de pais para filhos, hoje a transmissão da fé depara-se com dificuldades cada vez maiores. Constata-se, na verdade, que, na globalidade das crianças e adolescentes que frequentam a catequese, muitos destes não adquirem o sentido da presença e da amizade de Deus, e muitos deles nem sempre podem contar com o apoio da família para o crescimento da fé. Falta-lhes, em geral, uma relação vivida com Deus e uma leitura da vida humana à luz desta relação. Conscientes desta ausência de união entre a fé e a vida, uma das apreensões mais recorrentes dos párocos e catequistas assenta, frequentemente, na fraca motivação dos pais em acompanhar o crescimento de fé dos seus educandos. Com efeito, ainda que, no processo de evangelização, encontremos pais corajosos, dispostos a aprofundar a sua fé, a fim de a poderem transmitir aos seus filhos, verificámos, no entanto, que muitos outros pais se encontram desencorajados e pouco conscientes da sua missão evangelizadora, porque sem a pertença mínima à memória da fé cristã.
Verifica-se que a transmissão da fé, que antes tinha os seus canais próprios na família, encontra-se, hoje, debilitada, sendo, pois, urgente, «redescobrir a verdade da família, enquanto íntima comunhão de vida e de amor, aberta à geração de novas pessoas; a sua dignidade de “igreja doméstica” e a sua participação na missão da Igreja e na vida da sociedade» (EE 90). A este respeito, também João Paulo II, na sua Exortação Apostólica sobre a Catequese para Hoje, enfatiza o papel missionário da família, considerando a sua «ação catequética (…) em certo sentido, insubstituível» (CT 68). De facto, é na família que cada um de nós experiencia momentos estruturantes que nos levam a tomar consciência de sermos pessoas humanas e é nela que vivenciamos o sentimento mais precioso e belo que qualquer ser humano pode e deve experienciar: o Amor. É importante perceber que a família é, antes de mais, uma comunhão de amor, e só através de um verdadeiro testemunho de amor na família, podemos sentir uma verdadeira experiência de Deus: «Como sem o amor, a família não é uma comunidade de pessoas, assim também, sem o amor, a família não pode viver, crescer, aperfeiçoar-se como comunidade de pessoas» (FC 18).
A família: escola de fé
A família é, neste sentido, a primeira escola de fé, o espaço onde os seus membros sentem a presença do amor de Deus, sentem-se como uma Igreja doméstica, onde o amor é uma realidade presente e constante. Mais do que qualquer palavra, o processo de crescimento da fé, na família, brota da convivência, do clima familiar e do testemunho de vida de fé dos pais.
Destarte, e sendo que «a catequese familiar (…) precede, acompanha e enriquece todas as outras formas de catequese» (CT 68), impõe-se, hoje, mais do que nunca, um claro desafio à evangelização e ao trabalho desenvolvido com os pais das crianças e adolescentes que participam nas nossas catequeses paroquiais, em direcção a uma verdadeira consciência catequética familiar. De facto, para que toda a Igreja cresça em comunidade, é prioritário ajudar as famílias a serem experiências de comunhão de vida e de amor, consciencializando-as da sua missão enquanto primeiras educadoras da fé. Ora, sendo a catequese uma caminhada conjunta, onde todos os membros da comunidade cristã (pais, catequistas, catequizando e demais povo de Deus) procuram testemunhar e anunciar a Palavra de Deus, os pais devem ser orientados e ajudados, não só para dar uma formação consciente e explicitamente cristã aos filhos, mas também para eles mesmos crescerem no seu compromisso cristão e na capacidade de iluminar pela fé a realidade familiar e social, que são chamados a construir.
Revela-se, deste modo, prioritário encorajar todos membros da comunidade cristã, em particular catequistas e párocos, a ajudar os pais a cumprirem a sua missão evangelizadora, promovendo, para tal, serviços acolhedores, dedicados e perseverantes, que fomentem a participação activa dos mesmos nesta caminhada. Assim sendo, é de todo vantajoso que cada paróquia se dedique à promoção de um verdadeiro percurso catequético de adultos, uma vez que comunidade cristã não poderá pôr em prática uma catequese permanente, sem a participação direta e consciente dos pais e demais adultos. Em boa verdade, não nos podemos esquecer que a família não é um simples destinatário ou objecto de catequese, mas, pelo contrário, é o local por excelência de catequese, sobretudo na primeira infância. Nesse sentido, é fundamental ter em atenção o testemunho de fé e de amor, as necessidades, os interesses e problemas de cada uma das famílias envolvidas no processo catequético. Dever-se-á, pois, estimular, entre pais e catequistas, uma relação positiva, franca e aberta, assente no diálogo e na confiança, onde todos os membros se sintam incentivados a colaborar activamente, e em conjunto, na planificação dos diferentes momentos do acto catequético. Trata-se, pois, de criar, entre estes, uma «educação partilhada», onde todos intervêm plenamente na caminhada catequética. Consequentemente, a catequese deixa de ser concebida como algo que é oferecido aos pais, passando, pelo contrário, a ser desenvolvida e vivida por todos. Sentindo-se acolhidos, os pais sentem-se envolvidos na catequese dos seus filhos. Isto dependerá, não obstante, do trabalho de equipa desenvolvido pelos diferentes responsáveis, assim como da qualidade da relação comunicativa desenvolvida entre os mesmos. Contudo, e apesar das dificuldades que este trabalho de equipa comporta, não nos podemos esquecer que este trabalho permitirá a condução dos catequizandos a uma vida verdadeiramente cristã, humana e feliz.