Ecología de los médios. Entornos, evoluciones e interpretaciones

O objetivo desta obra é contribuir para pensar cientificamente o âmbito do saber denominado como “Ecologia dos Media”. Este campo parte do princípio de que «os humanos modelam os instrumentos de comunicação, mas estes também modelam o ser humano, sem que disso se tenha consciência» (Marshal McLuhan), pelo que o Editor se propõe contribuir para a consolidação deste saber específico. 

Scolari, Carlos A. (Coordenador). (2015). Ecología de los médios. Entornos, evoluciones e interpretaciones. Gedisa. 297 pp. ISBN: 978-84-9784-826-8

Esta compreensão evidencia-se tanto mais urgente quanto se constata que a sociedade em rede, através dos media e da internet, produz transformações económicas, tecnológicas, sociais e culturais que abrangem todo o planeta, fenómenos esses denominados, genericamente, como globalização. A emergência deste fenómeno evidencia que o ecossistema mediático está a mudar, o que pede uma compreensão aturada do mesmo. A metáfora “ecologia mediática” oferece um conjunto de categorias e ideias que permitem compreender essas mudanças que o telégrafo, o comboio, em conjugação com a imprensa, e depois com a rádio, a televisão e a internet, contribuíram poderosamente para a expansão comercial e o processo da globalização.

O editor da obra, Carlos A. Scolari, inicia a obra com uma extensa Introdução onde apresenta o “estado da arte” da ecologia dos média, intitulado “Ecologia dos media: da metáfora à teoria (e mais longe)”. Começa por referir que uma teoria é um espaço de diálogo onde diferentes sujeitos mais ou menos competentes falam sobre um determinado tema (Scolari, 2015, p. 12). No que às teorias da comunicação diz respeito, Scolari propõe uma nova classificação, agrupando-as em torno de dois grupos: o das teorias especializadas, aquelas que se focam num determinado meio ou processo comunicativo; e as teorias generalistas. Estas propõem-se construir quadros globais de todos os processos que afetam o mundo da comunicação. É aqui que o autor insere o estudo da “Ecologia dos Meios”.

Scolari elabora uma reflexão diacrónica, que amplia a visão conceptual da matéria muito para além dos contributos de McLuhan, começando pelos contributos que prepararam o advento do conceito de “ecologia dos meios” e que denomina como “os precussores”, a saber: Lewis Munford, Jacques Ellul, Harold Innis e Eric Havelock. De seguida, reflete sobre o contributo de cada um dos “pais fundadores”: Marshal McLuhan, Neil Postman e Walgter Ong. Depois de acenar com o trabalho dos fundadores, o texto enuncia aqueles que se podem considerar os discípulos dos pais fundadores, e que continuam a reflexão sobre a ecologia dos media. São eles: Lance Strate, Joshua Meyrowitz,  Robert K. Logan, Paul Levinson e Derrick de Kerckhove.

O aspeto que aborda a seguir é o da metáfora da “ecologia dos média”, começando por referir que uma metáfora é um dispositivo cognitivo básico da comunicação e da cultura humana. Desempenha um papel fundamental no discurso científico, já que muitos dos novos paradigmas ou modelos teóricos nasceram ou representam-se através de metáforas. Mas a utilização da metáfora ecológica aplicada aos meios de comunicação postula, pelo menos, duas interpretações: entender os média como ambientes e os média como espécies. Aquela entende a metáfora da ecologia dos media como a dimensão ambiental da ecologia mediática, na qual os media criam um ambiente que envolve o sujeito e modela a sua perceção e cognição; esta, por sua vez, assume uma dimensão medianeira da ecologia dos média, entendendo os meios de comunicação como espécies que partilham o mesmo ecossistema e estabelecem relações entre si.

Com a profunda alteração que a digitalização cultural está a introduzir na sociedade, criou-se uma nova oportunidade para uma releitura das grandes obras que consolidaram os conceitos de “ecologia dos media”, mas agora numa releitura da sub-espécie digital. Verifica-se que a profunda alteração dos novos modos de produzir, distribuir e consumir conhecimento, que a digitalização originou, produz uma alteração tão profunda na sociedade, que só tem paralelo com a invenção da imprensa, no século XVI. Com uma agravante, a revolução atual é mais rápida e mais generalizada. A releitura dos “clássicos” evidenciacia ter potencial propor temas, conceitos e perguntas que enriquecem a compreensão daquilo que são as comunicações digitais interativas.

Carlos Scolari reconhece, também, que a reflexão científica sobre os meios de comunicação social, recorrendo à metáfora da ecologia tem algumas lacunas. A priemira é que os seus fundadores — McLuhan e Postman — não legaram um conjunto de textos que seja um referencial teórico a partir do qual se possa elaborar uma epistemologia da disciplina. Esse trabalho está ainda a fazer-se. Faz falta a elaboração e um dicionário da disciplina, onde se reflitam os conceitos fundamentais e o diálogo possível com os vários atores do cenário cultural.

Por fim, sabemo-lo, não há uma disciplina bem delimitada se não tem um método próprio, específico. Neste momento existe uma dispersão de ferramentas metodológicas, que estão distribuídas por uma plêiade de estudos e investigações, mas que importava recolher catalogar e sistematizar. Com este processo vai permitir delimitar o campo deste saber específico, confirmando o que se adequa e excluindo o que não se insere na sua especificidade.

A seguir à extensa introdução, segue-se uma coletânea de textos, divididos em três secções: os pais fundadores, os discípulos e, por fim, as novas fronteiras. O critério que presidiu à escolha dos textos foi as suas contribuições para a reconstrução de um percurso teórico – o da ecologia da media – e deixando de lado outras questões, como seja o caso  dos seus aspetos formais. Por esse motivo, alguns capítulos são muito mais longos do que outros. Os estilos também não são homogêneos: alguns nasceram como intervenções orais e outros resultaram de um trabalho de redação específico para esta obra.

Na primeira parte, dedicada aos pais fundadores, pode ler-se a extensa entrevista que McLuhan concedeu à Playboy, em 1969, e no qual explicada demoradamente os conceitos principais do seu pensamento. Pode também ler-se a conferência de Neil Postman proferiu em 2000, na primeira assembleia da Media Ecology Association, e que marcou indelevelmente a afirmação desta área específica dos aber. A terceira contribuição é de Jésus Octávio Elizondo Martínez que apresenta uma descrição detalhada daquilo que se denominou como Escola de Toronto e descreve as interações entre os diversos atores que permitem a McLuhan construir o seu pensamento. O último capítulo está a cargo de Thom Gencarelli que descreve as repercussões que o pensamento de Neil Postman  teve no ambiente cultural dos Estados Unidos da América, sobretudo no campo da educação para os media.

Os discípulos daqueles pais fundadores são o foco sobre o qual se centra a segunda parte da obra, visando a institucionalização da ecologia dos media. Conta com trabalhos, de autores que, cada um deles, trabalhou muito de perto com Marrshal McLuhan ou Neil Postman.  Lance Strate que, entre outras coisas, dirigiu por mais de uma década a Media Ecology Association, tem aqui um texto com o título Estudar os media como meios: McLuhan e a abordagem da ecologia dos meios. Paul Levinson, que fez tese de doutoramento com Neil Postman, vê se representado com um texto com o títuloOs princípios da evolução dos meios: a sobrevivência do mais apto. Kobert K. Logan, por fim, assina o terceiro texto desta secção, intitulado A base biológica da ecologia dos media. De registar que nesta segunda parte, os textos apresentados são traduções para castelhano de publicações anteriores, mas que se pretendeu recuperar para ilustrar a construção teórica da ecologia dos meios. 

A terceira parte intitula-se As novas fronteiras e oferece uma amostra das novas fronteiras que se abrem à reflexão. Indrek Ibrius realiza uma análise teórica da evolução dos meios de comunicação, a partir da semiótica da cultura, propondo uma abordagem multidisciplinar na qual interpreta a evolução dos média a partir de outros autores e paisagens culturais, afastando-se daquela que McLuhan vincou. Denis Renó, num texto intitulado Mobilidade y produção audiovisual: mudanças na nova ecologia dos media, recupera as reflexões fundamentais de McLuhan e reflete com elas os novos formatos informativos que os dispositivos móveis tornaram possível. Por fim, Sergio Roncallo Dow e Diego Mozarra assinam um texto intitulado Ecologia, arte y política: a estética como control (contra) ambiental. A partir da imagem de “sonda” de McLuhan, relacionam arte, estética e política, esperando que com a capacidade de um artista para tornar visível o ambiente criado pelos media, ainda que, esse ato de visibilidade ou consciência, seja escandaloso, porque transgride as normas da época.

Por fim, resta referir que estamos perante uma obra que na tradição inglesa, sobretudo dos Estudos Unidos, seria uma “reader”, onde se agrupam e traduzem textos fundamentais de uma determinada disciplina científica. Esta obra oferece ao leitor uma introdução completa ao campo da “ecologia dos média”. 

Do Digital ao Litúrgico, para tocar o Mistério

Quando Mons. Rino Fisichela apresentava o Diretório para a Catequese dizia que «Igreja está diante de um grande desafio que se concentra na nova cultura com a qual se vai encontrando, a cultura digital (…). Diversamente do passado, quando a cultura estava limitada ao contexto geográfico, a cultura digital tem um valor que sente os efeitos da globalização em curso e determina o seu desenvolvimento»[1]. Este é o tempo em que vivemos, e tem diversas formas de ser descrita, mas uma das que está a fazer um caminho significativo é a da «modernidade líquida», da autoria do sociólogo polaco Zygmunt Bauman[2]. Na descrição daquele sociólogo, num mundo híperultrapósultra, — e o que mais se quiser acrescentar — moderno não há um ponto de referência firme, não há autores de referência, não há ponto de apoio. O mundo é uma grande aldeia conectada, onde cada um surfa sobre as ondas do efémero. Neste contexto antropológico, melhor, de pobreza antropológica que Lipovetsky descreve como «era do vazio»[3], a evangelização terá como função, sobretudo, dotar cada pessoa de uma carta topográfica e de uma bússola, uma vez que cada pessoa é convidada a traçar o caminho da sua própria vida.

A este dado acresce-se o facto de que o contexto sócio-cultural em que vivemos tem dificultado e até agravado a situação, o que é certo é que, apesar de mudar o vocabulário da catequese, as mentalidades e as práticas concretas não se alteram significativamente. Continua a predominar uma catequese de tipo escolar, com estas caraterística: «redução a um encontro semanal, por vezes em apertados horários pós-escolares e a par ou mesmo em concorrência com atividades formativas ou recreativas talvez mais aliciantes; uma calendarização idêntica à da escola, com os catequizandos ausentes das maiores celebrações, como as da Páscoa e do Natal, por se realizarem em tempo de férias; a instrumentalização das celebrações ao longo do percurso catequético, incluindo a do Crisma, para segurar os catequizandos até, uma vez crismados, deixarem a Igreja como deixam a escola; a linguagem usada, predominantemente escolar – “matrículas”, “exames” “aulas”, “alunos” e a identificação destes por anos, como na escola»[4]

Diante deste fenómeno, tomamos consciência de que o superar destas dificuldades só será possível se conjugarmos harmoniosamente catequese, liturgia e caridade. A catequese tem assim um estilo querigmático, catecumenal, iniciático e mistagógico. A tese que pretendemos defender é a de que, na cultura digital, a liturgia desempenha o papel de fio condutor da ação catequizadora, para que esta tenha um estilo catecumenal.

O contributo do “digital”

A fé, ao ser percebida como relação, postula um processo de transmissão, e este é-o na medida em que supera o tempo e o espaço, o que evidencia a importância e o significado da tradição que, de si, inclui algo próximo à educação. Razão pela qual a catequese e a formação dos educadores da fé deve ter como solo privilegiado a reflexão sobre a transmissão da fé, nas suas diversas coordenadas: pessoal, eclesial e de conteúdo. Estas coordenadas assumem enfoques diferentes ao serem integradas na cultura digital. Surge algo de novo, que o Diretório para a Catequese sublinha e apresenta linhas de ação muito frutíferas (cf. DpC 359-ss). Se à catequese importassem apenas os conhecimentos (fides quae), a cultura digital — e consequente inteligência coletiva (Pierre Lévy[5]) — vista como mera substituição de suporte, não só não ofereceria dificuldade como traria grandes vantagens; mas importa também a adesão vital (fides qua), sem a qual não é possível a experiência de fé no Deus de Jesus Cristo. Para a educação e transmissão da fé não basta, então, dizer; é preciso suscitar a fé, promovendo o diálogo através de uma proposta significativa para cada indivíduo. Pela narração da experiência pessoal de fé — pelo testemunho — convida-se outros à experiência de Deus. 

O Papa Francisco desafia os agentes pastorais a exercitar-se

«na arte de escutar, que é mais do que ouvir. Escutar, na comunicação com o outro, é a capacidade do coração que torna possível a proximidade, sem a qual não existe um verdadeiro encontro espiritual. Escutar ajuda-nos a individuar o gesto e a palavra oportunos que nos desinstalam da cómoda condição de espectadores. Só a partir desta escuta respeitosa e compassiva é que se pode encontrar os caminhos para um crescimento genuíno, despertar o desejo do ideal cristão, o anseio de corresponder plenamente ao amor de Deus e o desejo de desenvolver o melhor de quanto Deus semeou na nossa própria vida» (EG 171).

Este é o objetivo c catequese, a ser integrado com às novas tecnologias, que não são meros instrumentos. Antes promovem um determinado estilo de sociedade, a qual, e através da qual, é preciso evangelizar. Mas este é um processo comunitário, logo responsabilidade de todo o corpo eclesial, onde cada sujeito é convidado a contribuir com a narração da sua experiência de Deus, com o seu testemunho. 

A fé cristã, ao ser sobretudo uma experiência de relação, não pode ser vertida, sem mais, para um suporte digital, sob qualquer formato, porque não obterá o resultado esperado: a transmissão. A Web, como meio, tem antes a capacidade de ser o catalisador positivo, porque, numa cultura de paradigma informacional, pode potenciar os processos de transmissão, ao ser o meio dominante.

O modo de estar na Web, implica, então, um novo modo de dizer e escutar, de onde sobressaem os seguintes desafios: 

– passar de uma catequeses de respostas à de perguntas, 

– do centrar-se nos conteúdos para se centrar nas pessoas;

– do centrar-se nas ideias para se centrar na narração.

Primeiro, a catequese, ao deslocar a sua preocupação das respostas para as perguntas, assume o facto de que hoje não é difícil encontrar uma mensagem que faça sentido; a dificuldade reside, antes, em descodificá-la, reconhecê-la como importante e significativa, no meio das inúmeras ofertas disponíveis e no contexto de uma identidade crente. Ao esforço de dar respostas, em ter uma resposta, que surgirá sempre como mais uma no meio de tantas, corresponde a apresentação do Evangelho não como o livro que contem todas as respostas, mas como o livro que contém todas as perguntas juntas, as que valem a pena ser respondidas. Este dado postula um esforço catequético que não se centre apenas na oferta de conteúdos, mas na liberdade de procurar, de forma crítica, os conteúdos que oferecem sentido.

segundo desafio depreende-se do anterior: uma catequese que se centre nas pessoas e não nos conteúdos. A internet favorece uma busca à medida, onde cada um procura o que quer, quando quer e onde quer. Já não há uma oferta programada para todos em simultâneo, antes buscas que implicam seleções e interações. O poder transitou do emissor para os recetores, admitindo como possível, ainda, o uso desta terminologia. E a busca espiritual, também ela, participa desta lógica, pelo que o programa é elaborado à medida de cada um, a partir dos conteúdos disponíveis na internet. E estes serão tanto mais úteis quanto mais forem respostas às inquietações do cibernautas, o que implica uma atitude permanente de os escutar. A cultura digital oferece esta oportunidade para dialogar, para compreender quais são as «alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje» (GS 1). E é aqui que ganham redobrada importância os “amigos” e os “seguidores” na Web, uma vez que estes serão tanto mais eficazes quanto forem capazes de ser significativos para a rede de cada pessoa. A centralidade das pessoas e não dos conteúdos leva a assumir uma presença eclesial cada vez mais comunicativa e participativa, que favorece a narração testemunhal da experiência crente, com a qual é possível identificar-se. E este testemunho permite fazer emergir a relação entre indivíduos, o que implica a partilha de redes de relações. Nesta teia, o conteúdo partilhado está intrinsecamente ligado a quem o partilha, e é o quem que acaba por qualificar o quê.

terceiro desafio, o centrar-se na narração e não nas ideias, é a consequência natural das relações interpessoais, porque aqui o que se realiza é o dizer dizendo-se, na proximidade do encontro de uma vida partilhada.

«Neste tempo em que as redes e demais instrumentos da comunicação humana alcançaram progressos inauditos, sentimos o desafio de descobrir e transmitir a “mística” de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada. Assim, as maiores possibilidades de comunicação traduzir-se-ão em novas oportunidades de encontro e solidariedade entre todos» (EG 87).

A cultura digital oferece uma oportunidade fantástica para dar visibilidade e tornar significativas as experiências vividas, graças à facilidade com que se podem narrar e partilhar. E narrar é restituir os sujeitos do conhecimento à densidade simbólica e experiencial do mundo. A narração na rede poder ser, sim, individualista e autorreferencial, mas também pode ser polifónica e aberta. As novas formas de narrar e escutar implicam uma ecologia educativa digital acolhedora, capaz de amparar as perguntas que na Web se podem fazer e que não encontram lugar noutros âmbitos, sem esquecer que as novas paisagens mediáticas permitem integrar a continuidade bidirecional entre o virtual e o presencial.

A questão, está, então em reconhecer um tempo e um espaço numa cultura que, de si é desterritorializada e atemporal. E aqui, uma vez mais, a Liturgia ocupa um ligar de destaque para uma cultura que tem toda a informação diante de si, num presente absoluto. A este desafio, a liturgia pode oferecer três contributos[6].

O primeiro é a recuperação da diacronia, através da profissão de uma fé que tem consequências na vida pessoal e comunitária, onde se atualiza, e onde a comunidade funciona como lugar da memória. 

O segundo ganho vem com a proposta de ações que permitam a aquisição sapiencial do conhecimento, numa sadia relação com a diacronia, onde o escutar e o deixar-se interrogar pelas grandes questões mostram que o ser humano permanece o mesmo de sempre. Aqui, a recuperação da experiência celebrativa da identidade cristã tem um redobrado impacto, porque dá ritmo ao tempo e espaço à sabedoria.

O terceiro ganho prende-se com a recuperação do conceito de tradição, que leva a tomar consciência de que o hoje é resultado de um caminho andado, a nível horizontal, mas o aqui e agora do crente é-o porque Deus irrompeu e irrompe na história, pelo que a História da Salvação e a Liturgia readquirem uma nova importância, são capazes de dar sentido e de abrir à universalidade, a partir de uma perspetiva escatológica. A experiência é vista, então, como um caminho e um itinerário de sentido.

Para concluir, o que está na base de tudo isto é a unidade da vida cristã que por vezes separamos metodologicamente, mas deve estar unido em cada pessoa. Implica superar a fragmentaridade. Encontro com os olhos fixos em Jesus Cristo e a partir deste ponto a lex credendi abandona-se à lex orandi . Isto é importante para a vida litúrgica e para a piedade popular.


[1] Rino Fisichella, «Conferencia de presentación del Directorio para la Catequesis elaborado por el Consejo Pontificio para la Promoción de la Nueva Evangelización», Vatican.va, 25 de Junho de 2020, https://press.vatican.va/content/salastampa/es/bollettino/pubblico/2020/06/25/pontif.html.

[2] Zygmunt Bauman, Liquid Modernity (Cambridge: Polity Press, 2000); Zygmunt Bauman, Liquid Life (Cambridge: Polity Press, 2005).

[3] Cf. Gilles Lipovetsky, L´Ère du vide: essais sur l’individualisme contemporain (Paris: Gallimard, 1983).

[4] Comissão Episcopal da Educação Cristã e Doutrina da Fé, «Catequese: A alegria do encontro com Jesus Cristo», 2016, par. 2, https://drive.google.com/file/d/0Bza0W92D8A0SYndVcDF4WEIzLXM/view.

[5] Cf. Pierre Lévy, As Tecnologias da Inteligência (Lisboa: Instituto Piaget, 1994).

[6] Cf. Giuseppe Lorizio, «L’antropologia cristiana e la nuova cultura mediale», 2004, http://www.webcattolici.it/webcattolici/allegati/294/Relazione-Lorizio.pdf.

Construir a Humanidade

A Educação como recurso

Ler os textos do Padre Manuel Antunes (MA) que nos foram propostos revestiu-se de uma experiência de viagem no mar da “verdade”. A intemporalidade que neles se reconhece, advém do facto de falar como exercício de aproximação à Verdade, sobre as verdades fundamentais a que cada geração e cada pessoa é chamada a redescobrir. Os textos de MA evidenciam também uma característica que sempre se aprecia, mas mais ainda sendo ele um clérigo a escrever num tempo em que as liberdades individuais não eram apanágio frequente: a independência interior que demonstra e, por isso, a capacidade de estabelecer diálogos, estabelecer pontes, deixar-se enriquecer pelos diversos pontos de vista, que as inúmeras e variadas leituras potenciam. A este facto acresce que se lhe reconhecia ser «firme nos seus princípios mas flexível nas suas aplicações»(Franco, 2008, p. 5).

Traçado o pressuposto humano que, estamos em crer, permitiu uma obra desta envergadura, é tempo de olharmos para a perspetiva que aqui nos ocupa: a educação; melhor, a paideia. Entendendo esta na sua aceção clássica, como um sistema de educação, que englobava áreas abrangestes, mas que todas confluíam no objetivo central: a educação de um cidadão perfeito e completo, com capacidade para desempenhar um papel positivo na sociedade. Ler MA é redescobrir o que é essencial para se formar um cidadão de pleno direito e capaz de o exercer plenamente, pelo que não é de estranhar que o primeiro texto desta coletânea verse, precisamente, sobre «aspetos da ansiedade contemporânea»(Cf. Antunes, 2008, pp. 17–25). Considerando-se aí aquela como a potenciadora da dos três clássicos flagelos: fome, peste e guerra. É que a ansiedade, ao ser vista como um «misto de inquietação e de angústia, de insegurança e de incerteza, de apreensão e de medo, de insatisfação e de cuidado que nos constringe ou nos dilata, nos fecha ou nos abre num movimento sempre tenso, jamais saciante, jamais tranquilo»(Antunes, 2008, p. 18), manifesta-se sobretudo num estado geral de mal-estar e cansaço. Claro que ler MA, hoje, é pôr a sua obra – neste caso um texto de 1966 – a dialogar com autores contemporâneos que configuram a nossa paisagem cultural. Vem a propósito, então, o coreano/alemão Byung-Chul Han, com um dos seus títulos mais recentes: A Sociedade do Cansaço (Cf. Han, 2015). Aí se fala de uma sociedade de desempenho e fadiga, que reivindica a autonomia da própria vida através da técnica e que absolutiza o saudável, mas que destrói precisamente a beleza e a intensidade da vida.

O pensamento de MA pode ser sintetizado na expressão “acertar a mentalidade”, que é também o título de um texto seu de 1970, onde ele reconhece que é uma das maiores exigências dos tempos de crise e de aceleração da história. Mas ao entender-se o “acertar a mentalidade” como 

«o rectificar, corrigir, harmonizar a própria maneira de pensar e de sentir de acordo com as leis do mundo e as exigências da vida, de acordo com o real multidimensional. Ou, mais radical e simplesmente: pretende, num movimento simultâneo e englobante, aceitar a norma e criar a norma. Aceitar sem mais seria puramente infantil. Criar sem aceitar constituiria usurpação de um atributo que só ao Criador pertence» (Antunes, 2008, p. 95).

As implicações educativas deste desiderato podem dizer-se através da articulação de três verbos: destruir, assumir e superar (Cf. Antunes, 2008, pp. 100–102), o que implica uma hermenêutica da cultura que almeja ser capaz de abarcar conceptualmente a realidade ou pelo menos tentar, para, num regresso à sua identidade mais profunda, ser capaz de se libertar de tudo aquilo que o aprisiona, sejam as coisas, ou outros ou até o seu próprio eu identitário (Antunes, 2008, p. 65).

Fontes:

Antunes, M. (2008). Obra Completa do Padre Manuel Antunes (J. E. Franco (ed.); 2.a ed.). Fundação Calouste Gulbenkian.

Franco, J. E. (2008). Introdução. Para um projecto de educação total. Em J. E. Franco (Ed.), Obra Completa do Padre Manuel Antunes: Vols. II-Paide (pp. 1–11). Fundação Calouste Gulbenkian.

Han, B.-C. (2015). Sociedade do Cansaço (E. P. Gianchini (trad.)). Vozes.