Luís M. Figueiredo Rodrigues
O cuidado da natureza faz parte de um estilo de vida que implica uma capacidade de viver em conjunto e de comunhão, onde se reconhece que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos.
Afigura-se como cada vez mais incontornável o papel que a religião ocupa na perceção que os indivíduos e as comunidades humanas têm da realidade, configurando o seu modo de ser e estar no mundo. Por esta razão, e até ao revés do que se poderia pensar, os ensinamentos dos líderes religiosos sobre o cuidado da casa comum têm, tendencialmente, uma efetiva influência junto das suas comunidades. Exemplo paradigmático é a intervenção do Papa Francisco que, com a publicação da Encíclica Laudato si’, sobre o cuidado da casa comum, colocou a questão ecológica no centro dos discursos e das preocupações eclesiais.
Naquela Encíclica, a questão ecológica é percebida de uma forma ampla, adotando uma abordagem que considera a complexidade do real. Afirma-se que «tudo está intimamente relacionado e que os problemas atuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspetos da crise mundial» (Laudato Si’, 137); a questão ecológica deixa de ser considerada apenas como a preservação dos ambientes e recursos naturais, para incluir com igual valor as dimensões humanas e sociais.
É neste contexto que a espiritualidade cristã pode oferecer um contributo significativo, propondo «uma forma alternativa de entender a qualidade de vida, encorajando um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria sem estar obcecado pelo consumo» (Laudato Si’, 222). Esta conceção recomenda uma atenção especial à arte de cuidar, que insere o indivíduo no território do personalismo solidário. Dentro da tradição social-cristã, preconiza os princípios sociais da solidariedade, subsidiariedade e bem-comum; bem como os seus grandes valores da verdade, justiça, igualdade, liberdade e participação. Esta orientação dada pela espiritualidade cristã acaba por qualificar toda a ação social.
Ao pensar a “casa comum” a partir desta perspetiva, torna-se natural perceber a “questão ecológica” não apenas associada ao cuidado da natureza — uma ecologia verde —, mas também numa ecologia integral. A partir daí, vê-se a necessidade de velar e respeitar qualquer forma de vida, mas também todos os modelos de vida humana, criando condições económicas e sociais adequadas para que todos os indivíduos, independentemente de qualquer outro atributo, possam ter as condições para viver dignamente. Por isso, a questão social não está alheia à questão ecológica, antes é parte integrante da mesma. Aliás, verifica-se que as mentalidades que originam práticas destruidoras da natureza, acabam também por originar dinâmicas que desrespeitam e agridem os humanos que coabitam nesse espaço. A exploração e o desprezo da natureza nunca estão separados da injustiça e da violência nas relações humanas. De um modo concreto, «o ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social» (Laudato Si’, 48).
Verificado que está a existência de uma certa interligação entra a ecologia natural e a ecologia humana, percebemos que um ambiente humano pouco saudável e desequilibrado – em que as relações se caracterizam pelo encerramento em si mesmo, pela assimetria, pela subjugação e pela manipulação – contribui para poluir a ecologia das relações humanas e até para distorcer as relações com o meio ambiente. Pelo contrário, um ambiente livre e aberto – que permita uma circulação alargada de sentido, que atraia a atenção para o outro e diferente, que promova a compreensão e não o conflito, o diálogo em vez do isolamento e o confronto – promove relações sociais e ambientais mais equilibradas e produtivas.
Esta ligação destaca-se ainda mais claramente quando Francisco chama a atenção para o «grande desafio cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração» (Laudato si’, 202), onde o tema da educação ambiental e ética ecológica está enquadrado no conceito mais geral de “cuidado” e responsabilidade para com a natureza e os humanos. O cuidado da natureza faz parte de um estilo de vida que implica uma capacidade de viver em conjunto e de comunhão, onde se reconhece que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos. O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em todas as ações que procuram construir um mundo melhor. Neste contexto, juntamente com a importância dos pequenos gestos diários, a caridade social impele-nos a pensar em grandes estratégias que detenham eficazmente a degradação ambiental e incentivem uma cultura do cuidado que perpasse toda a sociedade (Laudato si’, 231).