As religiões, qualquer uma delas, quando vividas na sua forma mais genuína, são uma força de união e de construção de paz.
Luís M. Figueiredo Rodrigues
O modo como pensamos hoje o mundo como “casa” foi motivado e, ao mesmo tempo, consciencializa para o facto de que tudo está interligado: a distância física ou temporal não nos desresponsabiliza. Por outro lado, o fenómeno da globalização tem incrementado sentimentos populistas de antiglobalização, pelo menos em algumas regiões do globo. Arne Bigsten ensaia um modelo de resposta a esta situação, articulando os três valores da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Esta tríade é percebida como a síntese do que as políticas devem garantir, para estar ao serviço efetivo dos cidadãos, proporcionando-lhe o bem-estar almejado. Aqui, se a liberdade e a igualdade têm sido objeto de esforços de proteção, a fraternidade já não o é tanto. Esta tem-se vindo a sentir ameaçada, mercê da globalização e do desenvolvimento tecnológico.
A fraternidade tem implicações económicas, políticas e sociais de identidade, que determinam a coesão social. O determinante económico da ameaça à fraternidade ou da identidade partilhada é a desigualdade económica, que se reflete nos tipos de empregos e rendimentos a que se pode aceder. A componente política, essa, diz respeito à identidade nacional ou regional. A componente social da identidade é um sentimento de valores culturais partilhados. Com o enfraquecimento de uma identidade partilhada, diminui também a solidariedade, fazendo crescer, em seu lugar, a desconfiança entre estratos sociais, sobretudo dos menos favorecidos em relação aos mais favorecidos. É este o terreno favorável para que os populismos possam difundir as suas narrativas, legitimadoras de discursos de ódio e violência.
Torna-se, então, imprescindível perceber quais os fatores que podem combater os fenómenos de desumanização e violência, com o objetivo de reaproximação e diálogo entre as culturas, promoção de uma cultura de paz, rejeição da violência e do ódio, e acreditando na preciosa contribuição do diálogo entre culturas diferentes. Tudo isto, a partir da constatação de que as religiões aumentam a consciência dos valores comuns de todos os seres humanos e criam um ambiente propício para alcançar a paz e a compreensão entre todos e em todos os níveis, local, nacional, regional e global, como os recorda o “documento Delores”, sobre a educação como um tesouro a descobrir.
De facto, a religião, ao longo da história, tem desempenhado um papel central na formação de valores, identidades e modos de ser e estar nas sociedades. Quando falamos de um mundo global mais fraterno, é importante refletir sobre como as crenças religiosas podem ser um forte promotor da construção de um mundo mais fraterno, apesar das suas complexidades e, por vezes, contradições.
As religiões, qualquer uma delas, quando vividas na sua forma mais genuína, são uma força de união e de construção de paz. Criam espaços de diálogo, onde a diversidade é respeitada e as diferenças são vistas como riquezas. Isso é crucial num mundo globalizado, onde o contacto entre culturas é inevitável e crescente, mas também muito enriquecedor.
Daí que nunca é de mais refletir na importância que teve a assinatura do Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz e da convivência comum, pelo Grão Imame de Al-Azhar Ahmad Al-Tayyeb e o Papa Francisco. Este gesto, e com tudo que ele potenciou e gerou, é uma evidência eloquente de como as religiões podem contribuir para um mundo mais humano e humanizador, uma autêntica “casa comum”.
Texto publicado inicialmente em Mesa Redonda – Missão Online