A Rede está a tornar-se no contexto existencial dominante[1]. Importa, então, assumir que ela possui um ambiente cultural próprio com novas formas de pensar e novos territórios, com consequentes implicações educativas, relacionais e modos de estimular a inteligência. O conhecimento e as relações já não se procuram como quem procura um norte ou um objeto, com a bússola ou o radar, antes deixam-se encontrar. Estão ali, disponíveis, para quem as quiser procurar[2]. Os motores de busca, a uma simples pergunta, devolvem uma lista muito grande de informações, que mais não são do que sugestões indexadas como adequadas aos termos introduzidos. A esta “memorização” da máquina é ainda acrescido o histórico das pesquisas de cada indivíduo, o que faz com que a máquina devolva as respostas que, de acordo com os algoritmos introduzidos, considera mais adequadas. Este fenómeno é desafiante por dois motivos: primeiro porque é preciso considerar que há realidades que escapam à lógica dos programas de busca; por outro lado, é preciso ajudar os cibernautas a identificar as respostas que verdadeiramente dão sentido à existência humana na sua totalidade. Estes desafios mostram a necessidade de uma espiritualidade capaz de dar unidade à fragmentação das mensagens[3].
O modo de estar na Web, para a Igreja, implica, então, um novo modo de dizer e escutar[4], de onde sobressaem os seguintes desafios: passar de uma pastoral de respostas à de perguntas, do centrar-se nos conteúdos para se centrar nas pessoas, e do centrar-se nas ideias para se centrar na narração[5].
A pastoral, ao deslocar a sua preocupação das respostas para as perguntas, assume o facto de que hoje não é difícil encontrar uma mensagem que faça sentido; a dificuldade reside, antes, em descodifica-la, reconhecê-la como importante e significativa, no meio das inúmeras ofertas disponíveis e no contexto de uma identidade crente. Ao esforço de dar respostas, em ter uma resposta, que surgirá sempre como mais uma no meio de tantas, corresponde a apresentação do Evangelho não «como o livro que contem todas as respostas, (…) mas como o livro que contém todas as perguntas juntas»[6], as que valem a pena ser respondidas. Este dado postula um esforço educativo que não se centre apenas na oferta de conteúdos, mas na liberdade de procurar, de forma crítica, os conteúdos que oferecem sentido.
O segundo desafio depreende-se do anterior: uma pastoral que se centre nas pessoas e não nos conteúdos. A Internet favorece uma busca à medida, onde cada um procura o que quer, quando quer e onde quer. Já não há uma oferta programada para todos em simultâneo, antes buscas que implicam seleções e interações. O poder transitou do emissor para os receptores, admitindo ainda como possível o uso desta terminologia. E a busca espiritual, também ela, participa desta lógica, pelo que o programa é elaborado à medida de cada um, a partir dos conteúdos disponíveis na Internet. E estes serão tanto mais úteis quanto mais forem respostas às inquietações do cibernautas, o que implica uma atitude permanente de os escutar[7]. A cultura digital oferece esta oportunidade para dialogar, para compreender quais são as «alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje» (GS 1). E é aqui que ganham redobrada importância os “amigos” e os “seguidores” na Web, uma vez que estes serão tanto mais eficazes quanto forem capazes de ser significativos para a rede de cada pessoa. A centralidade das pessoas e não dos conteúdos leva a assumir uma presença eclesial cada vez mais comunicativa e participativa, que favorece a narração testemunhal da experiência crente, com a qual é possível identificar-se. E este testemunho permite fazer emergir a relação entre indivíduos, o que implica a partilha de redes de relações. Nesta teia, o conteúdo partilhado está intrinsecamente ligado a quem o partilha, e é o quemque acaba por qualificar o quê. Quem partilha nunca o faz de modo neutro, ainda que seja apenas o replicar um objeto numa rede social: «Quando as pessoas trocam informações, estão já a partilhar-se a si mesmas, a sua visão do mundo, as suas esperanças, os seus ideais»[8]. O Documento da Aparecida afirma claramente que «a missão não se limita a um programa ou projeto, mas é compartilhar a experiência do acontecimento do encontro com Cristo, testemunhá-lo e anunciá-lo de pessoa a pessoa, de comunidade a comunidade e da Igreja a todos os confins do mundo (cf. At 1,8)»[9].
O terceiro desafio, o centrar-se na narração e não nas ideias, é a consequência natural das relações interpessoais, porque aquio que se realiza é o dizer dizendo-se, na proximidade do encontro de uma vida partilhada[10].
«Neste tempo em que as redes e demais instrumentos da comunicação humana alcançaram progressos inauditos, sentimos o desafio de descobrir e transmitir a “mística”de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada. Assim, as maiores possibilidades de comunicação traduzir-se-ão em novas oportunidades de encontro e solidariedade entre todos» (EG 87).
A Web 2.0 oferece uma oportunidade fantástica para dar visibilidade e tornar significativas as experiências vividas, graças à facilidade com que se podem narrar e partilhar. E narrar é «restituir os sujeitos do conhecimento à densidade simbólica e experiencial do mundo. A narração na rede poder ser, sim, individualista e autorreferencial, mas também pode ser polifónica e aberta»[11]. As novas formas de narrar e escutar implicam uma ecologia educativa digital acolhedora, capaz de amparar as perguntas que na Web se podem fazer e que não encontram lugar noutros âmbitos, sem esquecer que as novas paisagens mediáticas permitem integrar a continuidade bidirecional entre o virtual e o presencial.
[1]Cf. M. Castells, A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. A Sociedade em Rede, Vol. I, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 20073; D. Zanon, O impacto da sociedade em rede sobre a Igreja católica. Elementos para uma cibereclesiologia, ed. Paulus, Lisboa 2012.
[2]Cf. A. Spadaro, Cyberteologia. Pensare il cristianismo al tempo della rete[eBook], ed. Vita e Pensiero, Milano 2012, 17-19.
[3]Cf. Ibidem, 54-55.
[4]«Quem acompanha sabe reconhecer que a situação de cada pessoa diante de Deus e a sua vida em graça são um mistério que ninguém pode conhecer plenamente a partir do exterior. O Evangelho propõe-nos que se corrija e ajude a crescer uma pessoa a partir do reconhecimento da maldade objectiva das suas ações (cf. Mt 18, 15), mas sem proferir juízos sobre a sua responsabilidade e culpabilidade (cf. Mt 7, 1; Lc 6, 37). Seja como for, um válido acompanhante não transige com os fatalismos nem com a pusilanimidade. Sempre convida a querer curar-se, a pegar no catre (cf. Mt 9, 6), a abraçar a cruz, a deixar tudo e partir sem cessar para anunciar o Evangelho. A experiência pessoal de nos deixarmos acompanhar e curar, conseguindo exprimir com plena sinceridade a nossa vida a quem nos acompanha, ensina-nos a ser pacientes e compreensivos com os outros e habilita-nos a encontrar as formas para despertar neles a confiança, a abertura e a vontade de crescer» (EG 172).
[5]Cf. A. Spadaro, «Le 6 grandi sfide della comunicazione digitale alla pastorale», in CyberTeologia, 3 de Novembro de 2014 [https://www.cyberteologia.it/2014/11/le-6-grandi-sfide-della-comunicazione-digitale-alla-pastorale/ (acedido a 28/07/2016)].
[7]Cf. Comissione Teologica Internazionale,Il sensus fideinella vitta della Chiesa, Novembre 2014, 120-126 [https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_20140610_sensus-fidei_it.html (acedido a 28/07/2016)].
[8]Bento XVI,«XLV Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2011 – “Verdade, anúncio e autenticidade de vida, na era digital”», in L’Osservatore Romano, ed. em português, 29 de janeiro de 2011, 5.
[9]Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento de Aparecida. Texto Conclusivo da V Conferência Geral, ed. CNBB/Paulus/Paulinas, São Paulo 2007, 145.
[10]Cf. R. Laurita,«La comunicazione della fede: evangelizzare efficacemente nel tempo dei new media», in Credere Ogggi32, 2 (2012), 34.
[11]A. Spadaro, «Le 6 grandi sfide della comunicazione digitale alla pastorale»», in CyberTeologia, 3 de Novembro de 2014 [https://www.cyberteologia.it/2014/11/le-6-grandi-sfide-della-comunicazione-digitale-alla-pastorale/ (acedido a 28/07/2016)].