A dimensão terapêutica da misericórdia

No contexto da “escuta ativa”, o amor e a misericórdia cristã cumprem a missão de “reconectar” com a transcendência e com um sentido de vida, oferecendo uma perspetiva de esperança e redenção.

O exercício da misericórdia, para cada cristão, é sobretudo a expressão natural de alguém que se sente amado e redimido por Deus. No contexto do acompanhamento de pessoas em fragilidade psíquica, esse amor manifesta-se através da empatia, paciência e compreensão. Aliás, Jesus Cristo demonstrou esse amor quando curava e confortava todos aqueles que padeciam de alguma enfermidade.

A misericórdia é o modo de expressar a compaixão, torna-a visível. Manifesta-se, no contexto de acompanhamento no âmbito da saúde mental, através da disposição para ajudar todos aqueles que estão em estado de sofrimento, aliviando as suas dores e dificuldades, para além de promover a criatividade gestativa, capaz de promover estilos de vida saudáveis. De um modo muito concreto, este acompanhamento implica escutar sem julgar, oferecer apoio prático e espiritual, e estar presente, sobretudo nos momentos de crise. A parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37) é a expressão paradigmática da misericórdia em ação, onde o samaritano cuida de um homem ferido sem esperar nada em troca.

A Igreja, através das suas comunidades e instituições, pode desempenhar um papel importante no acompanhamento de pessoas com sofrimento psíquico. Pode ser um lugar de refúgio e apoio, onde cada pessoa sabe que pode encontrar solidariedade e compreensão. Por outro lado, as comunidades cristãs podem ajudar a combater o estigma associado às doenças mentais, promovendo uma cultura de aceitação e inclusão.

O modo mais adequado para acompanhar alguém em estado de sofrimento é a “escuta ativa”, onde se pode expressar de modo muito eloquente o amor cristão, a caridade. Quando se está em sofrimento, há uma dificuldade em articular os sentimentos e pensamentos, de um modo coerente. A este dado acresce a sensação de incompreensão, até pelas pessoas mais próximas e queridas. Pela escuta empática, proporciona-se um espaço seguro onde cada pessoa pode expressar as suas angústias, medos e confusões, sem medo de ser julgada ou rejeitada. É nesse espaço de acolhimento que o amor age de maneira curativa, ajudando a pessoa que sofre a tomar consciência que é compreendida e valorizada.

Na nossa conceção antropológica, entendemos o ser humano na sua unidade de corpo, mente e espírito. Assim, o acompanhamento de pessoas com fragilidade psíquica não se deve limitar apenas ao tratamento dos sintomas mentais, em sentido estrito, mas também considerar a dimensão espiritual. Não poucas vezes, a enfermidade psíquica traz consigo uma crise existencial e espiritual, onde a pessoa se sente como que esquecida por Deus e desligada de um sentido maior para a vida. No contexto da “escuta ativa”, o amor e a misericórdia cristã cumprem a missão de “reconectar” com a transcendência e com um sentido de vida, oferecendo uma perspetiva de esperança e redenção. Para os doentes que são crentes, a vida de oração, a prática dos sacramentos e o colóquio espiritual com um interlocutor competente manifesta-se como recursos importantes para encarar a enfermidade. Contudo, é importante que essas práticas sejam sempre oferecidas com sensibilidade, respeitando o ritmo e a situação em que cada pessoa está. A experiência demonstra que uma educação e prática saudáveis da fé cristã oferecem um grande conforto, proporcionando um sentido de paz interior e esperança mesmo no contexto das grandes lutas em que a mente humana, mercê da doença mental, muitas vezes se vê envolvida. A este dado acresce que a Graça divina, o perdão incondicional de Deus e a relação pessoal com Jesus Cristo são, na vida dos crentes, um apoio eficaz e insubstituível.

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