Ecología de los médios. Entornos, evoluciones e interpretaciones

O objetivo desta obra é contribuir para pensar cientificamente o âmbito do saber denominado como “Ecologia dos Media”. Este campo parte do princípio de que «os humanos modelam os instrumentos de comunicação, mas estes também modelam o ser humano, sem que disso se tenha consciência» (Marshal McLuhan), pelo que o Editor se propõe contribuir para a consolidação deste saber específico. 

Scolari, Carlos A. (Coordenador). (2015). Ecología de los médios. Entornos, evoluciones e interpretaciones. Gedisa. 297 pp. ISBN: 978-84-9784-826-8

Esta compreensão evidencia-se tanto mais urgente quanto se constata que a sociedade em rede, através dos media e da internet, produz transformações económicas, tecnológicas, sociais e culturais que abrangem todo o planeta, fenómenos esses denominados, genericamente, como globalização. A emergência deste fenómeno evidencia que o ecossistema mediático está a mudar, o que pede uma compreensão aturada do mesmo. A metáfora “ecologia mediática” oferece um conjunto de categorias e ideias que permitem compreender essas mudanças que o telégrafo, o comboio, em conjugação com a imprensa, e depois com a rádio, a televisão e a internet, contribuíram poderosamente para a expansão comercial e o processo da globalização.

O editor da obra, Carlos A. Scolari, inicia a obra com uma extensa Introdução onde apresenta o “estado da arte” da ecologia dos média, intitulado “Ecologia dos media: da metáfora à teoria (e mais longe)”. Começa por referir que uma teoria é um espaço de diálogo onde diferentes sujeitos mais ou menos competentes falam sobre um determinado tema (Scolari, 2015, p. 12). No que às teorias da comunicação diz respeito, Scolari propõe uma nova classificação, agrupando-as em torno de dois grupos: o das teorias especializadas, aquelas que se focam num determinado meio ou processo comunicativo; e as teorias generalistas. Estas propõem-se construir quadros globais de todos os processos que afetam o mundo da comunicação. É aqui que o autor insere o estudo da “Ecologia dos Meios”.

Scolari elabora uma reflexão diacrónica, que amplia a visão conceptual da matéria muito para além dos contributos de McLuhan, começando pelos contributos que prepararam o advento do conceito de “ecologia dos meios” e que denomina como “os precussores”, a saber: Lewis Munford, Jacques Ellul, Harold Innis e Eric Havelock. De seguida, reflete sobre o contributo de cada um dos “pais fundadores”: Marshal McLuhan, Neil Postman e Walgter Ong. Depois de acenar com o trabalho dos fundadores, o texto enuncia aqueles que se podem considerar os discípulos dos pais fundadores, e que continuam a reflexão sobre a ecologia dos media. São eles: Lance Strate, Joshua Meyrowitz,  Robert K. Logan, Paul Levinson e Derrick de Kerckhove.

O aspeto que aborda a seguir é o da metáfora da “ecologia dos média”, começando por referir que uma metáfora é um dispositivo cognitivo básico da comunicação e da cultura humana. Desempenha um papel fundamental no discurso científico, já que muitos dos novos paradigmas ou modelos teóricos nasceram ou representam-se através de metáforas. Mas a utilização da metáfora ecológica aplicada aos meios de comunicação postula, pelo menos, duas interpretações: entender os média como ambientes e os média como espécies. Aquela entende a metáfora da ecologia dos media como a dimensão ambiental da ecologia mediática, na qual os media criam um ambiente que envolve o sujeito e modela a sua perceção e cognição; esta, por sua vez, assume uma dimensão medianeira da ecologia dos média, entendendo os meios de comunicação como espécies que partilham o mesmo ecossistema e estabelecem relações entre si.

Com a profunda alteração que a digitalização cultural está a introduzir na sociedade, criou-se uma nova oportunidade para uma releitura das grandes obras que consolidaram os conceitos de “ecologia dos media”, mas agora numa releitura da sub-espécie digital. Verifica-se que a profunda alteração dos novos modos de produzir, distribuir e consumir conhecimento, que a digitalização originou, produz uma alteração tão profunda na sociedade, que só tem paralelo com a invenção da imprensa, no século XVI. Com uma agravante, a revolução atual é mais rápida e mais generalizada. A releitura dos “clássicos” evidenciacia ter potencial propor temas, conceitos e perguntas que enriquecem a compreensão daquilo que são as comunicações digitais interativas.

Carlos Scolari reconhece, também, que a reflexão científica sobre os meios de comunicação social, recorrendo à metáfora da ecologia tem algumas lacunas. A priemira é que os seus fundadores — McLuhan e Postman — não legaram um conjunto de textos que seja um referencial teórico a partir do qual se possa elaborar uma epistemologia da disciplina. Esse trabalho está ainda a fazer-se. Faz falta a elaboração e um dicionário da disciplina, onde se reflitam os conceitos fundamentais e o diálogo possível com os vários atores do cenário cultural.

Por fim, sabemo-lo, não há uma disciplina bem delimitada se não tem um método próprio, específico. Neste momento existe uma dispersão de ferramentas metodológicas, que estão distribuídas por uma plêiade de estudos e investigações, mas que importava recolher catalogar e sistematizar. Com este processo vai permitir delimitar o campo deste saber específico, confirmando o que se adequa e excluindo o que não se insere na sua especificidade.

A seguir à extensa introdução, segue-se uma coletânea de textos, divididos em três secções: os pais fundadores, os discípulos e, por fim, as novas fronteiras. O critério que presidiu à escolha dos textos foi as suas contribuições para a reconstrução de um percurso teórico – o da ecologia da media – e deixando de lado outras questões, como seja o caso  dos seus aspetos formais. Por esse motivo, alguns capítulos são muito mais longos do que outros. Os estilos também não são homogêneos: alguns nasceram como intervenções orais e outros resultaram de um trabalho de redação específico para esta obra.

Na primeira parte, dedicada aos pais fundadores, pode ler-se a extensa entrevista que McLuhan concedeu à Playboy, em 1969, e no qual explicada demoradamente os conceitos principais do seu pensamento. Pode também ler-se a conferência de Neil Postman proferiu em 2000, na primeira assembleia da Media Ecology Association, e que marcou indelevelmente a afirmação desta área específica dos aber. A terceira contribuição é de Jésus Octávio Elizondo Martínez que apresenta uma descrição detalhada daquilo que se denominou como Escola de Toronto e descreve as interações entre os diversos atores que permitem a McLuhan construir o seu pensamento. O último capítulo está a cargo de Thom Gencarelli que descreve as repercussões que o pensamento de Neil Postman  teve no ambiente cultural dos Estados Unidos da América, sobretudo no campo da educação para os media.

Os discípulos daqueles pais fundadores são o foco sobre o qual se centra a segunda parte da obra, visando a institucionalização da ecologia dos media. Conta com trabalhos, de autores que, cada um deles, trabalhou muito de perto com Marrshal McLuhan ou Neil Postman.  Lance Strate que, entre outras coisas, dirigiu por mais de uma década a Media Ecology Association, tem aqui um texto com o título Estudar os media como meios: McLuhan e a abordagem da ecologia dos meios. Paul Levinson, que fez tese de doutoramento com Neil Postman, vê se representado com um texto com o títuloOs princípios da evolução dos meios: a sobrevivência do mais apto. Kobert K. Logan, por fim, assina o terceiro texto desta secção, intitulado A base biológica da ecologia dos media. De registar que nesta segunda parte, os textos apresentados são traduções para castelhano de publicações anteriores, mas que se pretendeu recuperar para ilustrar a construção teórica da ecologia dos meios. 

A terceira parte intitula-se As novas fronteiras e oferece uma amostra das novas fronteiras que se abrem à reflexão. Indrek Ibrius realiza uma análise teórica da evolução dos meios de comunicação, a partir da semiótica da cultura, propondo uma abordagem multidisciplinar na qual interpreta a evolução dos média a partir de outros autores e paisagens culturais, afastando-se daquela que McLuhan vincou. Denis Renó, num texto intitulado Mobilidade y produção audiovisual: mudanças na nova ecologia dos media, recupera as reflexões fundamentais de McLuhan e reflete com elas os novos formatos informativos que os dispositivos móveis tornaram possível. Por fim, Sergio Roncallo Dow e Diego Mozarra assinam um texto intitulado Ecologia, arte y política: a estética como control (contra) ambiental. A partir da imagem de “sonda” de McLuhan, relacionam arte, estética e política, esperando que com a capacidade de um artista para tornar visível o ambiente criado pelos media, ainda que, esse ato de visibilidade ou consciência, seja escandaloso, porque transgride as normas da época.

Por fim, resta referir que estamos perante uma obra que na tradição inglesa, sobretudo dos Estudos Unidos, seria uma “reader”, onde se agrupam e traduzem textos fundamentais de uma determinada disciplina científica. Esta obra oferece ao leitor uma introdução completa ao campo da “ecologia dos média”. 

Do Digital ao Litúrgico, para tocar o Mistério

Quando Mons. Rino Fisichela apresentava o Diretório para a Catequese dizia que «Igreja está diante de um grande desafio que se concentra na nova cultura com a qual se vai encontrando, a cultura digital (…). Diversamente do passado, quando a cultura estava limitada ao contexto geográfico, a cultura digital tem um valor que sente os efeitos da globalização em curso e determina o seu desenvolvimento»[1]. Este é o tempo em que vivemos, e tem diversas formas de ser descrita, mas uma das que está a fazer um caminho significativo é a da «modernidade líquida», da autoria do sociólogo polaco Zygmunt Bauman[2]. Na descrição daquele sociólogo, num mundo híperultrapósultra, — e o que mais se quiser acrescentar — moderno não há um ponto de referência firme, não há autores de referência, não há ponto de apoio. O mundo é uma grande aldeia conectada, onde cada um surfa sobre as ondas do efémero. Neste contexto antropológico, melhor, de pobreza antropológica que Lipovetsky descreve como «era do vazio»[3], a evangelização terá como função, sobretudo, dotar cada pessoa de uma carta topográfica e de uma bússola, uma vez que cada pessoa é convidada a traçar o caminho da sua própria vida.

A este dado acresce-se o facto de que o contexto sócio-cultural em que vivemos tem dificultado e até agravado a situação, o que é certo é que, apesar de mudar o vocabulário da catequese, as mentalidades e as práticas concretas não se alteram significativamente. Continua a predominar uma catequese de tipo escolar, com estas caraterística: «redução a um encontro semanal, por vezes em apertados horários pós-escolares e a par ou mesmo em concorrência com atividades formativas ou recreativas talvez mais aliciantes; uma calendarização idêntica à da escola, com os catequizandos ausentes das maiores celebrações, como as da Páscoa e do Natal, por se realizarem em tempo de férias; a instrumentalização das celebrações ao longo do percurso catequético, incluindo a do Crisma, para segurar os catequizandos até, uma vez crismados, deixarem a Igreja como deixam a escola; a linguagem usada, predominantemente escolar – “matrículas”, “exames” “aulas”, “alunos” e a identificação destes por anos, como na escola»[4]

Diante deste fenómeno, tomamos consciência de que o superar destas dificuldades só será possível se conjugarmos harmoniosamente catequese, liturgia e caridade. A catequese tem assim um estilo querigmático, catecumenal, iniciático e mistagógico. A tese que pretendemos defender é a de que, na cultura digital, a liturgia desempenha o papel de fio condutor da ação catequizadora, para que esta tenha um estilo catecumenal.

O contributo do “digital”

A fé, ao ser percebida como relação, postula um processo de transmissão, e este é-o na medida em que supera o tempo e o espaço, o que evidencia a importância e o significado da tradição que, de si, inclui algo próximo à educação. Razão pela qual a catequese e a formação dos educadores da fé deve ter como solo privilegiado a reflexão sobre a transmissão da fé, nas suas diversas coordenadas: pessoal, eclesial e de conteúdo. Estas coordenadas assumem enfoques diferentes ao serem integradas na cultura digital. Surge algo de novo, que o Diretório para a Catequese sublinha e apresenta linhas de ação muito frutíferas (cf. DpC 359-ss). Se à catequese importassem apenas os conhecimentos (fides quae), a cultura digital — e consequente inteligência coletiva (Pierre Lévy[5]) — vista como mera substituição de suporte, não só não ofereceria dificuldade como traria grandes vantagens; mas importa também a adesão vital (fides qua), sem a qual não é possível a experiência de fé no Deus de Jesus Cristo. Para a educação e transmissão da fé não basta, então, dizer; é preciso suscitar a fé, promovendo o diálogo através de uma proposta significativa para cada indivíduo. Pela narração da experiência pessoal de fé — pelo testemunho — convida-se outros à experiência de Deus. 

O Papa Francisco desafia os agentes pastorais a exercitar-se

«na arte de escutar, que é mais do que ouvir. Escutar, na comunicação com o outro, é a capacidade do coração que torna possível a proximidade, sem a qual não existe um verdadeiro encontro espiritual. Escutar ajuda-nos a individuar o gesto e a palavra oportunos que nos desinstalam da cómoda condição de espectadores. Só a partir desta escuta respeitosa e compassiva é que se pode encontrar os caminhos para um crescimento genuíno, despertar o desejo do ideal cristão, o anseio de corresponder plenamente ao amor de Deus e o desejo de desenvolver o melhor de quanto Deus semeou na nossa própria vida» (EG 171).

Este é o objetivo c catequese, a ser integrado com às novas tecnologias, que não são meros instrumentos. Antes promovem um determinado estilo de sociedade, a qual, e através da qual, é preciso evangelizar. Mas este é um processo comunitário, logo responsabilidade de todo o corpo eclesial, onde cada sujeito é convidado a contribuir com a narração da sua experiência de Deus, com o seu testemunho. 

A fé cristã, ao ser sobretudo uma experiência de relação, não pode ser vertida, sem mais, para um suporte digital, sob qualquer formato, porque não obterá o resultado esperado: a transmissão. A Web, como meio, tem antes a capacidade de ser o catalisador positivo, porque, numa cultura de paradigma informacional, pode potenciar os processos de transmissão, ao ser o meio dominante.

O modo de estar na Web, implica, então, um novo modo de dizer e escutar, de onde sobressaem os seguintes desafios: 

– passar de uma catequeses de respostas à de perguntas, 

– do centrar-se nos conteúdos para se centrar nas pessoas;

– do centrar-se nas ideias para se centrar na narração.

Primeiro, a catequese, ao deslocar a sua preocupação das respostas para as perguntas, assume o facto de que hoje não é difícil encontrar uma mensagem que faça sentido; a dificuldade reside, antes, em descodificá-la, reconhecê-la como importante e significativa, no meio das inúmeras ofertas disponíveis e no contexto de uma identidade crente. Ao esforço de dar respostas, em ter uma resposta, que surgirá sempre como mais uma no meio de tantas, corresponde a apresentação do Evangelho não como o livro que contem todas as respostas, mas como o livro que contém todas as perguntas juntas, as que valem a pena ser respondidas. Este dado postula um esforço catequético que não se centre apenas na oferta de conteúdos, mas na liberdade de procurar, de forma crítica, os conteúdos que oferecem sentido.

segundo desafio depreende-se do anterior: uma catequese que se centre nas pessoas e não nos conteúdos. A internet favorece uma busca à medida, onde cada um procura o que quer, quando quer e onde quer. Já não há uma oferta programada para todos em simultâneo, antes buscas que implicam seleções e interações. O poder transitou do emissor para os recetores, admitindo como possível, ainda, o uso desta terminologia. E a busca espiritual, também ela, participa desta lógica, pelo que o programa é elaborado à medida de cada um, a partir dos conteúdos disponíveis na internet. E estes serão tanto mais úteis quanto mais forem respostas às inquietações do cibernautas, o que implica uma atitude permanente de os escutar. A cultura digital oferece esta oportunidade para dialogar, para compreender quais são as «alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje» (GS 1). E é aqui que ganham redobrada importância os “amigos” e os “seguidores” na Web, uma vez que estes serão tanto mais eficazes quanto forem capazes de ser significativos para a rede de cada pessoa. A centralidade das pessoas e não dos conteúdos leva a assumir uma presença eclesial cada vez mais comunicativa e participativa, que favorece a narração testemunhal da experiência crente, com a qual é possível identificar-se. E este testemunho permite fazer emergir a relação entre indivíduos, o que implica a partilha de redes de relações. Nesta teia, o conteúdo partilhado está intrinsecamente ligado a quem o partilha, e é o quem que acaba por qualificar o quê.

terceiro desafio, o centrar-se na narração e não nas ideias, é a consequência natural das relações interpessoais, porque aqui o que se realiza é o dizer dizendo-se, na proximidade do encontro de uma vida partilhada.

«Neste tempo em que as redes e demais instrumentos da comunicação humana alcançaram progressos inauditos, sentimos o desafio de descobrir e transmitir a “mística” de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada. Assim, as maiores possibilidades de comunicação traduzir-se-ão em novas oportunidades de encontro e solidariedade entre todos» (EG 87).

A cultura digital oferece uma oportunidade fantástica para dar visibilidade e tornar significativas as experiências vividas, graças à facilidade com que se podem narrar e partilhar. E narrar é restituir os sujeitos do conhecimento à densidade simbólica e experiencial do mundo. A narração na rede poder ser, sim, individualista e autorreferencial, mas também pode ser polifónica e aberta. As novas formas de narrar e escutar implicam uma ecologia educativa digital acolhedora, capaz de amparar as perguntas que na Web se podem fazer e que não encontram lugar noutros âmbitos, sem esquecer que as novas paisagens mediáticas permitem integrar a continuidade bidirecional entre o virtual e o presencial.

A questão, está, então em reconhecer um tempo e um espaço numa cultura que, de si é desterritorializada e atemporal. E aqui, uma vez mais, a Liturgia ocupa um ligar de destaque para uma cultura que tem toda a informação diante de si, num presente absoluto. A este desafio, a liturgia pode oferecer três contributos[6].

O primeiro é a recuperação da diacronia, através da profissão de uma fé que tem consequências na vida pessoal e comunitária, onde se atualiza, e onde a comunidade funciona como lugar da memória. 

O segundo ganho vem com a proposta de ações que permitam a aquisição sapiencial do conhecimento, numa sadia relação com a diacronia, onde o escutar e o deixar-se interrogar pelas grandes questões mostram que o ser humano permanece o mesmo de sempre. Aqui, a recuperação da experiência celebrativa da identidade cristã tem um redobrado impacto, porque dá ritmo ao tempo e espaço à sabedoria.

O terceiro ganho prende-se com a recuperação do conceito de tradição, que leva a tomar consciência de que o hoje é resultado de um caminho andado, a nível horizontal, mas o aqui e agora do crente é-o porque Deus irrompeu e irrompe na história, pelo que a História da Salvação e a Liturgia readquirem uma nova importância, são capazes de dar sentido e de abrir à universalidade, a partir de uma perspetiva escatológica. A experiência é vista, então, como um caminho e um itinerário de sentido.

Para concluir, o que está na base de tudo isto é a unidade da vida cristã que por vezes separamos metodologicamente, mas deve estar unido em cada pessoa. Implica superar a fragmentaridade. Encontro com os olhos fixos em Jesus Cristo e a partir deste ponto a lex credendi abandona-se à lex orandi . Isto é importante para a vida litúrgica e para a piedade popular.


[1] Rino Fisichella, «Conferencia de presentación del Directorio para la Catequesis elaborado por el Consejo Pontificio para la Promoción de la Nueva Evangelización», Vatican.va, 25 de Junho de 2020, https://press.vatican.va/content/salastampa/es/bollettino/pubblico/2020/06/25/pontif.html.

[2] Zygmunt Bauman, Liquid Modernity (Cambridge: Polity Press, 2000); Zygmunt Bauman, Liquid Life (Cambridge: Polity Press, 2005).

[3] Cf. Gilles Lipovetsky, L´Ère du vide: essais sur l’individualisme contemporain (Paris: Gallimard, 1983).

[4] Comissão Episcopal da Educação Cristã e Doutrina da Fé, «Catequese: A alegria do encontro com Jesus Cristo», 2016, par. 2, https://drive.google.com/file/d/0Bza0W92D8A0SYndVcDF4WEIzLXM/view.

[5] Cf. Pierre Lévy, As Tecnologias da Inteligência (Lisboa: Instituto Piaget, 1994).

[6] Cf. Giuseppe Lorizio, «L’antropologia cristiana e la nuova cultura mediale», 2004, http://www.webcattolici.it/webcattolici/allegati/294/Relazione-Lorizio.pdf.

Construir a Humanidade

A Educação como recurso

Ler os textos do Padre Manuel Antunes (MA) que nos foram propostos revestiu-se de uma experiência de viagem no mar da “verdade”. A intemporalidade que neles se reconhece, advém do facto de falar como exercício de aproximação à Verdade, sobre as verdades fundamentais a que cada geração e cada pessoa é chamada a redescobrir. Os textos de MA evidenciam também uma característica que sempre se aprecia, mas mais ainda sendo ele um clérigo a escrever num tempo em que as liberdades individuais não eram apanágio frequente: a independência interior que demonstra e, por isso, a capacidade de estabelecer diálogos, estabelecer pontes, deixar-se enriquecer pelos diversos pontos de vista, que as inúmeras e variadas leituras potenciam. A este facto acresce que se lhe reconhecia ser «firme nos seus princípios mas flexível nas suas aplicações»(Franco, 2008, p. 5).

Traçado o pressuposto humano que, estamos em crer, permitiu uma obra desta envergadura, é tempo de olharmos para a perspetiva que aqui nos ocupa: a educação; melhor, a paideia. Entendendo esta na sua aceção clássica, como um sistema de educação, que englobava áreas abrangestes, mas que todas confluíam no objetivo central: a educação de um cidadão perfeito e completo, com capacidade para desempenhar um papel positivo na sociedade. Ler MA é redescobrir o que é essencial para se formar um cidadão de pleno direito e capaz de o exercer plenamente, pelo que não é de estranhar que o primeiro texto desta coletânea verse, precisamente, sobre «aspetos da ansiedade contemporânea»(Cf. Antunes, 2008, pp. 17–25). Considerando-se aí aquela como a potenciadora da dos três clássicos flagelos: fome, peste e guerra. É que a ansiedade, ao ser vista como um «misto de inquietação e de angústia, de insegurança e de incerteza, de apreensão e de medo, de insatisfação e de cuidado que nos constringe ou nos dilata, nos fecha ou nos abre num movimento sempre tenso, jamais saciante, jamais tranquilo»(Antunes, 2008, p. 18), manifesta-se sobretudo num estado geral de mal-estar e cansaço. Claro que ler MA, hoje, é pôr a sua obra – neste caso um texto de 1966 – a dialogar com autores contemporâneos que configuram a nossa paisagem cultural. Vem a propósito, então, o coreano/alemão Byung-Chul Han, com um dos seus títulos mais recentes: A Sociedade do Cansaço (Cf. Han, 2015). Aí se fala de uma sociedade de desempenho e fadiga, que reivindica a autonomia da própria vida através da técnica e que absolutiza o saudável, mas que destrói precisamente a beleza e a intensidade da vida.

O pensamento de MA pode ser sintetizado na expressão “acertar a mentalidade”, que é também o título de um texto seu de 1970, onde ele reconhece que é uma das maiores exigências dos tempos de crise e de aceleração da história. Mas ao entender-se o “acertar a mentalidade” como 

«o rectificar, corrigir, harmonizar a própria maneira de pensar e de sentir de acordo com as leis do mundo e as exigências da vida, de acordo com o real multidimensional. Ou, mais radical e simplesmente: pretende, num movimento simultâneo e englobante, aceitar a norma e criar a norma. Aceitar sem mais seria puramente infantil. Criar sem aceitar constituiria usurpação de um atributo que só ao Criador pertence» (Antunes, 2008, p. 95).

As implicações educativas deste desiderato podem dizer-se através da articulação de três verbos: destruir, assumir e superar (Cf. Antunes, 2008, pp. 100–102), o que implica uma hermenêutica da cultura que almeja ser capaz de abarcar conceptualmente a realidade ou pelo menos tentar, para, num regresso à sua identidade mais profunda, ser capaz de se libertar de tudo aquilo que o aprisiona, sejam as coisas, ou outros ou até o seu próprio eu identitário (Antunes, 2008, p. 65).

Fontes:

Antunes, M. (2008). Obra Completa do Padre Manuel Antunes (J. E. Franco (ed.); 2.a ed.). Fundação Calouste Gulbenkian.

Franco, J. E. (2008). Introdução. Para um projecto de educação total. Em J. E. Franco (Ed.), Obra Completa do Padre Manuel Antunes: Vols. II-Paide (pp. 1–11). Fundação Calouste Gulbenkian.

Han, B.-C. (2015). Sociedade do Cansaço (E. P. Gianchini (trad.)). Vozes.

Fake News – Da gula e da obesidade

Luís M. Figueiredo Rodrigues

Vive-se na sociedade da informação, que Manuel Castells(Cf. Castells, 2007) descreve como uma sociedade globalizada, centrada no uso e aplicação de informação e conhecimento, cuja base material está a ser aceleradamente alterada por uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação, com uma consequente mudança nas relações sociais, nos sistemas políticos e nos sistemas de valores. Neste contexto, torna-se particularmente relevante ver o que Manuel Antunes escreve quando diz que «a Informação condiciona, hoje, uma boa parte do progresso científico, técnico, cultural e moral da humanidade»(Antunes, sem data, p. 135) . 

A informação passou de um bem escasso e caro, a algo abundante e quase de oferta sem custos para o utilizador. Com a possibilidade de, teoricamente, todos os seres-humanos terem à sua disposição os recursos tecnológicos que gera a sociedade da informação. Dá-se lugar ao que Pierre Lévy denomina de “inteligência coletiva”: o somatório de todo o conhecimento depositado na Web sobre os mais variadíssimos aspetos(Cf. Comissão Europeia, 2018, p. 3). Trata-se de uma inteligência globalmente distribuída, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que conduz a uma mobilização efetiva de competências. O enriquecimento de cada pessoa é o fundamento e a finalidade da inteligência coletiva(Cf. Lévy, 1997, pp. 35–40).

Voltamos ao pensamento de Manuel Antunes, quando formula uma espécie de imperativo categórico: «nada transmitir de falso e nada omitir de verdadeiro»(Antunes, sem data, p. 136). Torna-se pertinente esta afirmação, quando as fake news se tornam uma realidade muito preocupante, já que a informação mais do que ter uma ligação com os factos verdadeiros, apoia a sua validade nas emoções que os factos comunicados suscitam ou confirmam nos destinatários(Cf. Wang, 2020). Procura-se que performatividade da comunicação não tenha como base, apenas, a verdade dos factos veiculados, mas sim as emoções que suscita, seja a que preço for. A uma afirmação deixa de ser verdadeira porque está de acordo com os factos, mas sim quando vai de encontro àquilo que se espera, se quer e, por isso, se está predisposto para ouvir. O critério da verdade é, apenas, meramente subjetivo. Acresce que a “desinformação” gerada se afigura como um dos grandes desafios europeus, dado que põe em risco a vitalidade e eficácia das instituições, garantes do bom funcionamento das sociedades(Cf. Comissão Europeia, 2018).

A sociedade de informação, ao entender-se a partir da metáfora da rede, percebe-se como uma estrutura aberta, «capaz de se expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar dentro da rede, nomeadamente, desde que partilhem o mesmo código de comunicação, por exemplo valores ou objetivos de desempenho. Uma estrutura social, com base em redes, é um sistema altamente dinâmico, aberto, suscetível de inovação e isento de ameaças ao seu equilíbrio»(Castells, 2007, p. 607). Esta definição dá-nos a possibilidade de penetrar compreensivamente a sociedade globalizada, percebendo que os processos de transformação social sintetizados na sociedade em rede ultrapassam a esfera das relações sociais e técnicas. 

rede, percebe-se, está definida a partir do programa que determina os seus objetivos e regras de funcionamento. O programa, por sua vez, é composto por códigos que dizem o modo de funcionar e os critérios para determinar o funcionamento, quer o sucesso quer o fracasso. As redes estão organizadas de forma binária, numa lógica de inclusão e de exclusão, pelo que numa sociedade assim compreendida, para se estar incluído, ter sucesso, importa observar os códigos do programa que configuram a rede. A esta realidade acresce ainda o facto de a sociedade em rede ser composta por redes que cooperam e competem entre si. A cooperação acontece quando os códigos utilizados são compatíveis entre si, possibilitando a comunicação, que pede também a conexão com os seus nós. A cooperação acontece quando há comunicação. Dá-se a competição quando uma rede supera outra, por ser mais eficaz na prossecução dos seus fins ou por cooperar melhor com outras redes. A competição assume uma configuração destrutiva quando consegue alterar a outra rede, ou redes, através da inserção de protocolos de comunicação. 

As redes são formas organizacionais mais eficazes, na medida em que assumem três desafios: flexibilidade, adaptabilidade e capacidade de auto-reconfiguração. As sociedades sempre se organizaram em rede, mas as capacidades técnicas não permitiam que essa circularidade fosse suficientemente rápida para que o “funcionamento em rede” fosse eficaz, tornando necessária uma organização hierárquica, vertical. Perante estes dados, o combate ao fenómeno das fake news pode compreende-se como a necessidade de «fomentar o espírito crítico e de sensibilizar os utilizadores para a importância de se assegurarem de que a informação que consomem provém de fontes fidedignas é essencial para o recuo do consumo e difusão de desinformação»(Cf. Entidade Reguladora para a Comunicação Social, 2019, p. 42).

Bibliografia

Antunes, M. (sem data). Informação. Em J. E. Franco (Ed.), Obra Completa do Padre Manuel Antunes (Vol. 4, pp. 135–136). Fundação Calouste Gulbenkian.

Castells, M. (2007). A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. A Sociedade em Rede, Vol. I (3a). Fundação Calouste Gulbenkian.

Comissão Europeia. (2018, Abril 26). Combater a desinformação em linha: uma estratégia europeia. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A52018DC0236

Entidade Reguladora para a Comunicação Social. (2019). A desinformação – Contexto Europeu e ANcional. https://www.parlamento.pt/Documents/2019/abril/desinformacao_contextoeuroeunacional-ERC-abril2019.pdf

Lévy, P. (1997). A Inteligência Colectiva. Para uma antropologia do ciberespaço. Instituto Piaget.

Wang, C.-C. (2020). Fake News and Related Concepts: Definitions and Recent Research Development. Contemporary Management Research16(3), 145–174. https://doi.org/10.7903/cmr.20677

Educação moral e religiosa nas escolas?

Começamos por observar[1] — na escuta do que nos diz o Diretório Geral da Catequese, que é uma espécie de lei de bases do sistema educativo da Igreja católica — que a «educação cristã na família, a catequese e o ensino da religião na escola, cada qual segundo as próprias características peculiares, estão intimamente correlacionados com o serviço da educação cristã das crianças, adolescentes e jovens. Na prática, porém, é preciso ter em consideração as diferentes variáveis que geralmente se apresentam, com o intuito de agir com realismo e prudência pastoral, na aplicação das orientações gerais» (DGC 76). Começamos por referir a família, porque ela é o primeiro local de socialização da criança, independentemente do tipo de família em que cada pessoa nasce.

Não se pode ignorar, como nos recorda o Papa Francisco, que a «família atravessa uma crise cultural profunda, como todas as comunidades e vínculos sociais. No caso da família, a fragilidade dos vínculos reveste-se de especial gravidade, porque se trata da célula básica da sociedade, o espaço onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros e onde os pais transmitem a fé aos seus filhos» (EG 66), pelo que caberá a cada diocese ou região pastoral discernir as diversas circunstâncias que se conjugam, tanto no que diz respeito à existência ou não da iniciação cristã no âmbito das famílias, para os próprios filhos, bem como no que diz respeito às responsabilidades formativas que, segundo as tradição e situações locais, são levadas a cabo pelas paróquias e as escolas. Mas o que gostava de sublinhar, sob pena de tudo o que se disser a seguir ficar sem apoio, é que a educação é uma responsabilidade dos pais, mas a comunidade cristã, como lugar primeiro da vivência da fé, tem um papel insubstituível. Falar de educação cristã é assumir, potenciar e ter bem presente uma relação muito estreita entre as famílias — os diferentes tipos de família — e a comunidade cristã local.

Olhando agora mais para o ensino da religião na escola (ou educação moral e religiosa nas escolas) vemos que este se desenvolveu em contextos escolares muito diversos, ao longo dos tempos e das diferentes geografias, o que faz com que, embora mantendo o seu caráter próprio, tenha adquirido diversas concretizações ao longo dos tempos. Os diversos entendimentos e configurações que a disciplina assume dependem dos seguintes fatores: 1) das condições legislativas e de organização dos diversos Estados; 2) da conceção que se tem da didática; 3) dos pressupostos pessoais dos professores e dos alunos em relação à disciplina; 4) da relação que o ensino religioso escolar for capaz de estabelecer com as famílias, a catequese e a comunidades paroquiais.

O papa São João Paulo II, já em 1991, defendia que os alunos «têm o direito de aprender, de modo verdadeiro e com certeza, a religião à qual pertencem. Não pode ser desatendido este seu direito a conhecer mais profundamente a pessoa de Cristo e a totalidade do anúncio salvífico que Ele trouxe. O caráter confessional do ensino religioso escolar, realizado pela Igreja segundo modos e formas estabelecidas em cada País, é, portanto, uma garantia indispensável, oferecida às famílias e aos alunos que escolhem tal ensino»[2].

Por seu turno, o terceiro parágrafo do Artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos Humanos refere que os encarregados de educação têm o direito de escolherem o género de educação a dar aos filhos, pelo que a disciplina de Educação Moral e Religiosa nas escolas tem o seu fundamento na liberdade e direito que os encarregados de educação têm de assegurar a educação religiosa e moral dos seus educandos, em conformidade com as suas próprias convicções, o qual se concretiza prioritariamente através da criação de condições necessárias para que os pais ou encarregados de educação possam optar livremente pelo modelo educativo que mais convenha à educação integral dos seus educandos.

Por fim — e este é o argumento que mais me atrai e convence — a educação integral de cada pessoa visa proporcionar o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido da sua dignidade, reforçando o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, bem como a formação do carácter e da cidadania, preparando o educando para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos. A que acresce o facto de que as religiões são parte fundamental da construção da identidade de cada nação, pelo que a Educação Moral e Religiosa Católica contribui para o reforço da identidade nacional dos países de forte tradição cristã, como é o caso dos nossos. Mas sem nunca perder de vista que a tarefa da escola pública consiste em proporcionar a cada cidadão-aluno conhecimentos objetivos e competências críticas sobre o facto religioso; e todas aquelas coisas que irão permitir-lhe integrar-se e reagir de maneira construtiva numa sociedade desenvolvida. Esta tarefa educativa não pode ser abandonada pura e simplesmente às organizações religiosas; é uma tarefa específica da escola, sobretudo numa conjuntura histórica e num espaço cultural como os das sociedades ocidentais, onde as razões de coabitação civil correm o risco de dissolver-se na “amnésia” geral das raízes religiosas e éticas.

Agora, aquilo que se entende por ensino religioso escolar também tem alguns matizes (cf. DGC 74-75). Nuns casos, em que as leis civis determinam que o ensino deve ser ministrado, de forma comum, a católicos e a não católicos, o ensino deverá privilegiar uma abordagem mais ecuménica e de apresentação das diferentes religiões, numa clara proposta inter-religiosa. Por outro lado, o ensino religioso escolar poderá ter um caráter mais cultural, orientado para o conhecimento das religiões, apresentando, com o necessário destaque, a religião católica. Aqui, o ensino será também uma verdadeira propedêutica à fé, sobretudo se o professor for prudente e respeitador das diversidades presentes na sala de aula. 

Já os alunos, e tendo presente os diversos níveis de identificação religiosa que eles possam ter, possuem objetivos distintos. Para os que têm fé, as aulas de religião ajudarão a compreender melhor a mensagem cristã, em relação com os grandes problemas existenciais comuns às religiões e característicos de todo ser humano, com as visões da vida mais presentes na cultura, e com os principais problemas morais nos quais, hoje, a humanidade se encontra envolvida. Por seu turno, os alunos que se encontram numa situação de busca ou diante de dúvidas religiosas, poderão descobrir no ensino religioso escolar o que é, exatamente, a fé em Jesus Cristo, quais são as respostas que a Igreja oferece aos seus questionamentos, dando-lhes a oportunidade de perscrutar melhor a própria decisão. Por fim, os alunos não têm fé têm nas aulas de religião uma proposta de síntese cultural a partir da matriz cristã, percebendo o que o Cristianismo tem oferecido à Humanidade e como a proposta de Jesus Cristo tem sido um fator de desenvolvimento cultural e humano. Não poucas vezes, uma proposta séria e coerente da síntese cultural cristã tem sido um primeiro anúncio missionário que se desenvolve, depois, num processo de identificação com Jesus Cristo, no seio de uma comunidade cristã concreta.

Caminho da compreensão do Ensino Religioso Escolar

A presença do ensino do facto religioso nas escolas tem ocupado muita da pesquisa e reflexão na Europa. E já se percebeu que defender a legitimidade, ou a necessidade, de uma cultura religiosa crítica no ensino, não é só um dever que corresponderia atualmente às organizações religiosas ou somente aos grupos crentes; é uma petição frequente da maior parte das organizações civis nacionais e internacionais responsáveis pela gestão de bens culturais e das políticas educativas comuns. Para ilustrar esta ideia não faltam exemplos. De entre os mais eloquents, mostrarei apenas três exemplos.

A Comissão Internacional da Educação para o século XXI, no Relatório de 1996 à UNESCO — conhecido como o Relatório Delors —, quis integrar com toda justiça entre os quatro pilares de base de toda educação, o imperativo de aprender a viver juntos e pelas diferenças:  «Ensinando os jovens a adotar a perspetiva de outros grupos étnicos ou religiosos, podem ser evitadas incompreensões geradoras de ódio e de violência entre os adultos. Deste modo, o ensino da história das religiões ou dos costumes pode servir de referência útil para os futuros comportamentos»[3].

O segundo exemplo, amplamente conhecido e favoravelmente recebido na França, é o Relatório de Régis Debray (Abril de 2002) que justifica e fundamenta o ensino do facto religioso na escola laica, por um lado, por causa da «angústia de um desmembramento comunitário de solidariedades cívicas, para o qual contribui, e não pouco, a ignorância do passado e das crenças de outros, repleto de preconceitos», e, por outro lado, pela «busca, através da universalidade do sagrado, com suas proibições e autorizações, de um núcleo de valores constitutivos, para relevar desde o primeiro momento da educação cívica e moderar a destruição de pontos de referências comuns»[4].

Compreende-se que, numa sociedade europeia que se fez pós-cristã e pluralista, é indesculpável que a Escola e a Universidade, quando esta prepara os futuros professores, não valorize a leitura e a interpretação do fenómeno religioso — e também o fenómeno correspondente da secularização — com o objetivo de formar as novas gerações no sentido de saberem ler e interpretar o peso do religioso nas diversas culturas humanas, de se abrirem aos problemas fundamentais do sentido da transcendência e de aprenderem a assumir uma identidade pessoal e cívica aberta à alteridade, isto é, capaz de dialogar com identidades diferentes, mas de igual dignidade e legitimidade.

Por isso, o terceiro exemplo que gostava de mostrar é a publicação dos Princípios Orientadores de Toledo sobre o ensino das religiões e crenças nas escolas públicas[5]onde se dá resposta àquilo que muitos ministérios da educação europeus e a Comissão Europeia já tinham repetidamente pedido: a necessidade de uma disciplina curricular onde se ensine o facto religioso, não apenas para transmitir um património doutrinal, ou para assegurar uma cultura religiosa ao nível das outras áreas do saber, mas também para propor uma visão universalista dos direitos humanos, através de uma pedagogia e didática interculturais. Reconhece-se, assim, uma tabela de valores comuns e compartilhados, a fim de possibilitar às novas gerações a denominada “nova cidadania europeia”.

Estes exemplos se, à primeira vista, parecem muito animadores não deixam de levantar também sérias questões que, no final da nossa comunicação, iremos aflorar.

Mas para nos ajudar a organizar ideias e pensamentos, considero que é oportuno conhecer a pesquisa que a Universidade de Viena, na Áustria, está a liderar, denominado: Educação Religiosa Escolar na Europa[6]. Este trabalho visa conhecer como é que a educação religiosa escolar está a ser desenvolvida em cada país europeu. Até ao momento já publicaram três volumes, correspondentes à Europa Central, à Europa Ocidental e ao Norte da Europa. Falta publicar, ainda, mais três volumes, relativos à Europa de Leste, de Sudoeste e do Sul. O que nos interessa aqui é que os investigadores identificaram 13 itens que são depois trabalhados com os dados de cada país ou região e que ajudam a percebe de modo cabal como o ensino religioso acontece nas escolas. Irei abordar apenas dez, porque os outros são mais de síntese e de projeção do que deverão ser as opções políticas de cada país[7]:

1. Antecedentes sócio-religiosos do país, pretende-se uma breve descrição sobre a situação sócio-religiosa percebida, em particular, a partir de mudanças importantes que se tenham realizado mercê de fenómenos sociais mais densos, como seja o caso da imigração, alterações políticas, e outras. 

2. Quadro legal para a educação religiosa e a relação entre comunidades religiosas e o estado. Procura-se perceber como é que o relacionamento entre igrejas, grupos religiosos e o estado é regulado em cada país, com consequências para os diferentes enquadramentos legais que existem para a educação religiosa.

3. Desenvolvimentos nas políticas educacionais do país. Dado que se estão a proceder por toda a Europa a reformas no sistema educativo, importa perceber que efeitos têm na educação religiosa, quer de forma direta, quer indireta. 

A partir do quadro que estas reformas geram, há implicações nos pontos fulcrais da educação religiosa a seguir enunciados:

4. Papel das escolas de inspiração religiosa, incluindo as mudanças que se operaram no quadro jurídico.O lugar das escolas confessionais, no cenário educacional de cada país, revela muito sobre o reconhecimento estatal e social da importância das Igrejas e grupos religiosos no sistema educacional, bem como sobre o compromisso com a educação religiosa.

5. Conceções e tarefas da educação religiosa. As conceções e tarefas da educação religiosa dizem como ela se posiciona na relação entre as comunidades religiosas, a escola e os alunos, bem como a sociedade no seu todo. É na inter-relação entre esses diferentes atores que reside o desafio da educação religiosa.

6. Prática / realidade da educação religiosa em diferentes escolas. Dependendo do tipo de escola em questão, a educação religiosa pode apresentar diferentes enquadramentos, desafios e dificuldades. Nos quatro itens que vamos ver a seguir, abordam-se fenómenos importantes no contexto da educação religiosa, que acabam por ter implicações no conceito de educação religiosa que se tem e, consequentemente, na formação que se há de ministrar aos professores de religião

7. Observações sobre assuntos/áreas de aprendizagem alternativas, como ética, filosofia, cidadania e outras. A consideração sobre as disciplinas ou áreas de aprendizagem que são oferecidas,  em paralelo com a educação religiosa também é muito importante, por duas ordens de razões: 1) por uma lado, porque o facto de a disciplina de religião ser de frequência obrigatória ou de frequência alternativa (ter educação moral ou cidadania, por exemplo) ou de frequência opcional (ter aula ou ter um tempo sem aula) condiciona muito o modo como a disciplina é ministrada; 2) por outro lado, afeta também o tipo de educação ética e religiosa dos alunos que não frequentam as aulas de religião.

8. Lidar com a diversidade religiosa. A diversidade religiosa é cada vez mais um dado adquirido, pelo que saber lidar com ela e identificar modos de cooperação entre os diferentes atores religiosos da sociedade pode tornar-se um desafio crítico nos países da velha Europa.

9. Religião na escola, para além da educação religiosa. A religião tem um papel a desempenhar na escola além de ser um conteúdo específico oferecido aos alunos? A resposta a esta pergunta revela até que ponto todo o ambiente escolar é favorável à religião. O que na prática acaba por ser o papel e as funções que o professor de Educação moral e Religiosa Católica é chamado a desempenhar na escola.

10. Formação de professores de educação religiosa: escolas, estruturas e opções prioritárias. Este ponto trata de um aspeto determinante, porque a formação que é proporcionada e exigida ao professor para desempenhar a sua missão evidencia a importância que o ensino da religião tem no sistema de ensino de um determinado país. É um professor como os outros?

Independentemente das diferenças entre países, há uma constante que importa referir, a existência, ou coexistência, de três paradigmas (Thomas Khun) que, na esteira de Flávio Pajer[8], podemos denominá-los como político-concordatário, académico-curricular e, o terceiro, ético-valorativo.

Vejamos cada um deles.

primeiro paradigma caracteriza-se por uma polarização na transmissão da herança doutrinal e moral de uma confissão cristã específica, predominante num determinado país ou região. Esta situação permanece enquanto a sociedade permanece culturalmente homogénea (ou bastante homogênea) com a sua tradição religiosa; aqui, as autoridades civis e as religiosas das igrejas locais definem o perfil jurídico, pedagógico e administrativo das aulas de religião e o perfil profissional do professor.

segundo paradigma, académico-curricular, concentra a sua atenção nos requisitos disciplinares da cultura religiosa como uma questão de currículo obrigatório. O conhecimento religioso, para ter um grau de dignidade disciplinar na esfera pública e democrática, deve poder delinear o seu perfil, original sim, mas academicamente plausível e comparável a outros conhecimentos, sem ter que desconsiderar a sua identidade do conhecimento. Assume a visão teológica como uma das interpretações racionais do mundo, capaz de dar o seu contributo para a leitura e compreensão do mundo.

Esta abordagem é muito apreciada porque tem a vantagem de oferecer ao estudante novas chaves de leitura para viver num contexto cada vez mais plural. Tem também alguns desafios, a saber: dá primazia ao conhecimento do facto religioso e não à adesão religiosa; faz uma clara distinção entre o que é a fé e o que é a opção religiosa, tratando-as de modo abstrato; articula de modo novo a relação entre a pastoral das comunidades e as competências culturais da escola pública, tendencialmente mais afastadas; e, por fim, a relação entre o professor e os encarregado de educação, que já não vê nele uma testemunha crente, mas sim um professor, entre os outros.

Por fim, o terceiro paradigma surge pela emergência da necessidade de uma educação ética, nunca antes vista, já que o mundo ocidental está a tornar pós-cristão. Com isso os cidadãos estão a tornar-se multiétnicos e multi-religiosos, com a evidente fragilização do tecido social, sujeitos ao risco de um intenso desmembramento das diversas e talvez conflituantes pertenças identitárias. Este facto faz com que diversos organismos políticos promovam a busca de um conjunto de valores pré-denominacionais, comuns a todas as religiões e crenças, que se devem ensinar de modo prioritário em todas as sociedades democráticas.

Como síntese, poderemos dizer que se fez um percurso em que se começou por focar na verdade religiosa, para depois se centrar na verdade científica da religião, para terminar na afirmação da centralidade dos valores que as religiões propõem.

O futuro do Ensino Religioso Escolar numa sociedade moderna e secular

Depois deste percurso, é tempo de refletir criticamente sobre as diversas concretizações, procurando, também, perceber qual o sentido que o ensino da religião terá nas escolas públicas dos estados modernos e laicos. Esta reflexão deverá, por isso, sair fora de qualquer argumentação confessional e centrar-se naquilo que é o próprio processo educativo[9].

João M. Duque argumenta em torno de três vetores: no primeiro, veremos que o ensino religioso pretende desenvolver o espírito crítico, e auto-crítico, dos alunos, em relação à sua opção religiosa, ou não religiosa; o segundo explora as conceções antropológicas que resultam de tradições religiosas, e que acabam por determinar certas opções éticas e politicas das sociedades; por fim, no terceiro, o ensino religioso seria chamado a desenvolver nos alunos o sentido do mistério, similar ao sentido poético, que é fundamental para uma conceção mais completa do ser-humano. 

Ensino religioso e espírito crítico

O sociólogo francês Alain Torain explica, na sua obra Iguais e Diferentes: Poderemos Viver Juntos? que «o ensino das religiões, das suas crenças como da sua história, não é certamente um atentado à laicidade; pelo contrário, é o silêncio imposto sobre as realidades religiosas que é um atentado inaceitável ao espírito de objetividade e de verdade de que a escola laica se reclama»[10]. E a defesa desse espírito de objetividade e de verdade, que caracteriza a independência de uma instituição focada no lugar educativo da ciência, mede-se essencialmente por dois elementos: o exercício da atividade autocrítica (princípio científico mais geral e incontestado) e o respeito pela realidade, tal como se nos manifesta, nomeadamente a realidade das pessoas e das suas identidades. Estamos perante dois princípios que poderão parecer opor-se mas que, na realidade, deverão constituir duas faces da mesma moeda, caso contrário as identidades tornam-se ideologias encerradas sobre si mesmas e a crítica torna-se um exercício estéril, sem qualquer finalidade prática.

Numa sociedade pluralista e multicultural, como são as sociedades ocidentais, é relativamente fácil compreender a necessidade do respeito pelas identidades particulares. E se esse respeito se pautou, em muitas circunstâncias, apenas por uma tolerância negativa, ignorando-os, o certo é que vamos ganhando consciência de que é necessário mais. A diversidade das identidades deverá ser assumida, precisamente em nome da própria realidade. E a escola é seguramente a instituição da maior diversidade de identidades e proveniências: condições sociais, origens étnicas, identificações culturais e religiosas, entre outras. Em nome da verdade das pessoas que a constitui, incluindo os professores, a escola não pode fechar os olhos a essa diversidade que a habita, nem à diversidade dos elementos que constituem a sua pluralidade.

No conjunto dos elementos constituintes das identidades, a dimensão religiosa não é dos menos importantes. Pretender que esse elemento identitário fique fora da comunidade escolar é puro irrealismo e, em certo sentido, uma falta à verdade dos factos e das pessoas. Era o que pretendia, seguramente, a escola nacional laica, precisamente por querer retirar o aluno do seu solo identitário e pretender transformar a sua identidade na identidade uniforme do cidadão, segundo princípios pretensamente racionais e universais. Reparemos que a fidelidade da escola ao princípio da verdade implica o acolhimento de todas as dimensões de todos os sujeitos que a constituem. Também da sua dimensão religiosa, que deve ser naturalmente acolhida e acompanhada.

Consideramos, por isso, que é missão da escola pública ajudar os seus alunos, marcados por uma determinada identidade religiosa, a adquirir um espírito crítico em relação à sua convicção. Antes de tudo, é importante a aquisição do espírito crítico, como modo de ver o mundo que não absolutiza erradamente a própria posição. Mas, para ser séria e não se esvair na pura crítica como sistema, a crítica precisa de critérios e os critérios não podem prescindir do estudo aprofundado da sua própria identidade. É no aprofundamento interno da identidade religiosa que se pode exercer permanente autocrítica sobre ela. Assim sendo, o polo da crítica não chega a ser completamente extrínseco à própria identidade, mas um movimento que lhe é inerente.

Tradições religiosas e conceções antropológicas

Falar de liberdade pessoal e autonomia do sujeito emancipado não implica, por si, uma determinada tradição religiosa e espiritual? Dito de outro modo: será possível pensar a democracia, a liberdade pessoal, a autonomia e emancipação dos sujeitos sem termos presente os trajetos históricos que percorremos para chegar até aqui, os quais se tocam indiscutivelmente com determinadas tradições religiosas? Como mero exemplo pergunto: é possível pensar hoje o que é ser pessoa sem a disputas cristológicas da Idade Antiga? Aliás, se retirarmos o substrato religioso de muitos conceitos que hoje nos orientam e permitem a sã convivência, que precisam de uma mediação socializadora que é, por sua vez refletida, mas que provém das grandes religiões, este potencial cognitivo e semântico poderá um dia tronar-se inacessível.

Assim sendo, os princípios ou valores que subjazem à própria ideia de laicidade, como afirmação da dignidade do ser-humano, contra todas as suas violações, também hipoteticamente em nome de ideais religiosos – são princípios originados numa tradição que consideramos religiosa e cuja transmissão e afirmação dependem, também, de identificações religiosas. Transmitir esses valores extraindo-os ao seu contexto originário poderá́ conduzir a um problema de fundamentação teórica, mas conduzirá sobretudo a um problema de fundamentação prática, na medida em que eles dependem de convicções pessoais e coletivas para subsistirem.

O sentido do mistério

Chegamos agora a um outro nível da importância humanizadora da experiência religiosa, em si mesma, independentemente dos efeitos secundários que possa ter sobre os sujeitos e as sociedades. Vejamos apenas que a experiência religiosa poderia ser identificada com a experiência do mistério de tudo o que existe: Deus seria assumido, antes de tudo, como “mistério do mundo”[11], para usar uma expressão de Eberhard Jüngel. Entende-se por mistério não o enigmático, mas na sua dimensão originária, referente ao próprio milagre de tudo ser. Experimentar a realidade, quanto a essa sua dimensão, significa não a reduzir à mera objetividade empírica ou à pura relação dos factos – eventualmente manipuláveis. Também implica, por isso, não a situar apenas sob a perspetiva do benefício utilitário. Exige-se, pelo contrário, uma atitude de atenção ao permanente dar-se gratuito daquilo que acontece, como algo que nos envolve e que nunca dominaremos completamente. Poderíamos identificar esta dimensão da experiência com a experiência poética ou estética, nada negligenciáveis numa educação séria, que não pode, por isso, prescindir da Religião na escola.

Conclusão

Par concluir esta comunicação, permiti que deixe algumas questões no ar, para dialogarmos ou, simplesmente, para acompanharem aqueles que agora estais a iniciar a vossa formação.

1º O Professor deve ter uma orientação confessional?

Esta questão deriva da necessidade de, na escola pública, não haver opções confessionais, partidárias ou outra. A escola pública é para todos! Sim, mas convém ter presente que a identidade confessional de um professor não implica, por si só, que ela exerça proselitismo.  O proselitismo não deve ter lugar na escola, mas o professor, estamos em crer, deverá ter a sua opção religiosa. Como se pode ensinar uma coisa que não se conhece e se saber? E como se pode saber o que é a Religião sem uma experiência religiosa, que depois de refletida e sistematizada. Claro que, porque se trata de religião, há sempre o “medo” de que o professor esteja a influenciar os seus alunos… Embora isso possa acontecer, naturalmente, não é o que acontece com qualquer professor, seja de que área for, quando ele é efetivamente bom? De influenciar a ser proselitista vai uma diferença grande. A primeira situação é razoável que aconteça, já a segunda é de evitar, de todo.

Se quisermos uma isenção tal, corremos o risco de ensinar outra coisa que não seja Religião. Sociologia da religião, por exemplo, ou outra forma de abordar o facto religioso, que não seja na perspetiva religiosa. Se quisermos ironizar, seria como pedir que as aulas de música fossem lecionadas por alguém que não gosta de música e não sabe tocar nenhum instrumento. Não vá dar-se o caso de o professor de música gostar de música e tocar bem violino e influenciar os alunos para estre instrumento em detrimento dos outros elementos da orquestra!

Quem legitima o professor?

Antes de mais, gostava que ficasse claro que eu preconizo que um professor de religião deve ter a mesma exigência e grau de habilitação igual a qualquer outro professor, de qualquer outra matéria. Neste sentido, as leis de cada Estado é que determinam qual a habilitação mínima e outros requisitos para exercer o cargo de professor numa escola. O que deve ser um professor de religião deverá estar regulamentado pela Lei de cada Estado. Isto é uma coisa, outra é ser o Estado a ratificar diretamente quem deve exercer a profissão ou, por outro lado, confiá-lo a algum organismo que, no enquadramento jurídico existente, se perceba que tem melhores condições para o exercício. Dou como exemplo a Ordem do Médicos, para os clínicos; a Ordem dos Advogados, para os juristas; a Câmara dos Contabilistas Certificados, para os contabilistas, e tantos outros. Em qualquer uma destas instituições, o Estado delega o controle do acesso à profissão, a formação permanente que deve ser exigida a cada profissional e as implicações jurídicas que as faltas à ética da profissão implicam. Se assim é para tantas profissões, que melhor instituição há que a Igreja para funcionar como instituição que garante à sociedade a qualidade do ensino da religião, através do reconhecimento daqueles docentes que são idóneos para tal?


[1] Este texto foi elaborado para servir de apoio à comunicação oral a realizar no dia 24 de novembro de 2019, na Sessão de Abertura do Curso de Formação para professores de Educação Moral e Religiosa Católica, na Diocese de Santiago – Cabo Verde. Em algumas partes transcrevemos textos de outros autores, sempre devidamente identificados, mas sem a referenciação metodológica que seria de esperar num texto científico que fosse para publicar. 

[2] Giovanni Paolo II, «Al Simposio del Consiglio delle Conferenze episcopali d’Europa sull’insegnamento della religione cattolica nella scuola pubblica (15 aprile 1991)», acedido 21 de Novembro de 2019, http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/it/speeches/1991/april/documents/hf_jp-ii_spe_19910415_insegnamento-religione.html.

[3] Jacques Delors et al., Educação um tesouro a descobrir, trad. José Carlos Eufrázio (São Paulo: Cortez, 1996), 98.

[4] Régis Debray, «L’enseignement du fait religieux dans l’école laïque – Ministère de l’Éducation nationale», acedido 27 de Abril de 2011, http://www.education.gouv.fr/cid2025/l-enseignement-du-fait-religieux-dans-l-ecole-laique.html.

[5] OSCE Office for Democratic Institutions and Human Rights, The Toledo Guiding Principles on Teaching about Religion and Beliefs in Public Schools (Warsaw: Organization for Security and Co-operation in Europe, 2007).

[6] Cf. https://www.rel-edu.eu

[7] Cf. Martin Rothgangel et al., «Preface: Religious Education at Schools in Europe», em Religious education at schools in Europe. part 3: Northern Europe, ed. Martin Rothgangel, Martin Jäggle, e Thomas Schlag (Viena: Vienna University Press, 2016), 7–14.

[8] Cf. Flavio Pajer, «Cómo y por qué Europa enseña las religiones en la escuela: los tres paradigmas», REER 5, n. 1 (2015): 1–24.

[9] Seguiremos muitíssimo de perto, literalmente, o texto de João Manuel Duque, «O Ensino da Religião como resposta à laicização», Theologica 51, n. 2 (2016): 11–20.

[10] Alain Touraine, Iguais e Diferentes: Poderemos Viver Juntos? (Lisboa: Instituto Piaget, 1998), 363.

[11] Cf. Luís M. Figueiredo Rodrigues e Paula Cristina Santos Oliveira, «(Re)Pensar a “Morte de Deus”. Uma leitura de Eberhard Jüngel», Cenáculo 37, n. 146 (1997): 77–112.

A Web no serviço da educação da fé

A evidência de que os recursos digitais estão a ocupar um espaço cada vez maior nas sociedades contemporâneas, aliado ao facto de que a fé cristã se vive no hoje da nossa história, leva a que procuremos compreender o uso que se faz daqueles recursos na missão evangelizadora da Igreja, de modo especial na missão dos catequistas. 

Percebemos que um grande número dos nossos catequistas tem acesso à internet e frequentam-na diariamente. Mas há que constatar que a presença digital tende a ser invisível, já que a sua interação com outros indivíduos e a partilha de recursos produzis por si é normalmente escassa. A utilização que os catequistas fazem da Web pode ser dividida em três grupos: no primeiro, os que usam a internet para descarregar materiais para as catequeses e, por vezes, de forma acrítica; o segundo grupo, bem menor, utiliza a Internet para estar atento às notícias e demais informações da Igreja, sobretudo do Papa e da Igreja local; por fim, um pequeno grupo, utiliza os recursos da Web para proceder a reflexões mais elaboradas sobre a catequese e sobre questões de fé, através dos documentos disponibilizados pelas diversas instâncias eclesiais.

Quando se olha para o exercício da catequese, verifica-se que a Web acaba por ter um papel, quase só, de repositório ao qual se vai buscar recursos para aplicar na sala com os catequizandos ou então como “substituto” do encontro presencial através da videoconferência. Não admira, pois, que os sítios mais visitados sejam aqueles que se caracterizam pelo facto de serem repositórios onde se disponibilizam materiais para usar na prática catequética. O que acaba por ser empobrecedor, até para o exercício da catequese como educação da fé, uma vez que a Igreja, que se diz como casa e escola de comunhão, tem na partilha uma das suas expressões mais profundas (Cf. 1 Cor 16, 1-4). 

A Web na catequese

A formação que a Web possibilita tem, então, de ser vista a partir do problemas das linguagens e do modo como cada pessoa participa e está presente nas redes mediáticas, sobretudo a partir da categoria de amizade, muito falada neste contexto, que deverá ser vista como expressão do testemunho cristão, quer dos indivíduos, quer das comunidades, num permanente exercício de abertura de portas, sobretudo às periferias existenciais.

Mas a relevância da internet será tanto maior quanto esta se puder utilizar de acordo com a pedagogia divina , que se concretiza em torno de três princípios: o da condescendência, o da participação comunitária e o da participação gradual.

Condescendência

O recurso à Web responde ao princípio da condescendência divina, que se adaptou à «condição humana». A utilização da internet mais não é, também, do que a adaptação às condições em que hoje uma boa parte da humanidade vive, procurando reconhecer e potenciar as possibilidades existente no ambiente digital. Mas o auge da condescendência de Deus realiza-se em Jesus Cristo, a palavra de Deus feita carne, que é o ponto mais alto da condescendência divina. A pedagogia da incarnação não coloca como ponto central a presença de um corpo, mas sim o Evangelho que deve ser proposto sempre para a vida e na vida das pessoas; logo, mais do que proximidade física, importa uma proximidade vivencial. Destaca-se a visibilidade que é dada à experiência de fé, à sua narração . Verifica-se a necessidade de «iluminar e interpretar a experiência com o dado da fé (…), sob pena de se cair em justaposições artificiais ou em compreensões integristas da verdade» (DGC 153), logo contrárias ao princípio da condescendência. 

Participação comunitária

A dimensão comunitária da pedagogia divina também tem na Web um fator potenciador. Recordemos que esta dimensão requere que se valorize a experiência de fé de uma comunidade crente e apoia-se na relação pessoal e no diálogo. A internet oferece recursos para que esta partilha de experiências aconteça e o diálogo, de onde pode brotar uma profunda relação, surja. Se, por vezes, o diálogo e a partilha se tornam difíceis num encontro presencial, nos espaços virtuais é diferente. O reconhecimento e potenciação de ecologias de aprendizagem  não só dará espaço para que cada membro da comunidade se expresse, como poderá mesmo modificar a fisionomia das comunidades, tornando-as mais ativas .

Gradualidade

Por último, o recurso à internet permite que a gradualidade, que é própria da pedagogia divina, seja personalizada, o que é bem difícil noutros âmbitos mais clássicos. Aqui, o centro é de facto o indivíduo que tem uma participação ativa em todo o processo, é ele que decide o ritmo. Sem essa participação, o progresso não se verifica e isso é evidenciável . 

Médias Digitais: uma visão do Magistério

Médias Digitais: uma visão do Magistério

No dia em que se publicou a Mensagem para o ano 2020, partilho aqui uma reflexão sobre o lugar que os médias digitais ocupam na reflexão do Magistério.

Desde que a Internet começou a existir, a Igreja sempre procurou que ela estivesse ao serviço do encontro interpessoal e da solidariedade. Se é certo que constitui uma possibilidade fantástica para aceder a muita informação, também é verdade que se ali se encontram muitas informações distorcidas, com resultados nefastos para a vida dos sujeitos. 
Neste texto, procuraremos fazer uma reflexão, a partir dos pronunciamentos do Magistério eclesial, acerca do fenómeno dos meios de comunicação social, naquilo que aos médias digitais diz respeito. Iremos utilizar como fio de reflexão o itinerário diacrónico das mensagens para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, nomeadamente a partir do momento em que nestas mensagens se faz referência explícita à realidade do computador, primeiro, e depois à internet, entendendo esta como o suporte material da cultura digital.
A nossa reflexão tem um momento de síntese e de paragem intermédio, no ano de 2002. Aqui, como adiante se verá, a Igreja marcou as grandes linhas do que considera ser o seu lugar e papel no mundo cibernético.