Doze pistas!

Aquando das Ordenações sacerdotais, o Senhor Arcebispo primaz, D. Jorge Ortiga, deixou na homilia doze pistas, convidando os sacerdotes e leigos a um exame de consciência pessoal e colectivo. Atrevo-me – diz o Prelado –, ainda, a solicitar uma circulação de ideias entre sacerdotes e leigos e estes comigo sobre estas perspectivas. Seria um modo de viver a comunhão.

Na vida dos padres e dos leigos rezo para que se encontre:

1 – Mais Evangelho, acolhido e vivido, e menos tradicionalismo e devocionismo. O encontro com o Evangelho supõe uma constante novidade de vida que sabe estar dum modo novo e coabitando com a Tradição sabiamente entendida. Muitos pretendem que a Igreja seja um repositório de tradições. O Evangelho é ruptura e provoca uma adesão nova a coisas que animam a fé. Só o Evangelho conta.

2 – Mais discípulos procuradores da verdade e menos dogmatismos rígidos. A grande aspiração do ser humano consiste na coerência com um projecto capaz de dar sentido à vida. O cristão caracteriza-se pela humildade de se deixar conduzir pela verdade que Cristo encerra e reconhecer que os outros são, igualmente, procuradores e possuidores de verdade. Os autoritarismos ou imposições nunca se poderão conciliar com a alegria de seguir, em comum, um itinerário que se descobre com a colaboração séria de todos, humildes e inteligentes.

3 – Mais testemunhos autênticos e menos mestres conhecedores de toda a verdade. Quando se procura a verdade, descortina-se a coerência como a linguagem que convence e arrasta. Num mundo de muitos barulhos eivados de auto-afirmação, urge “o vedetismo” duma fidelidade evangélica, a única capaz de permear os mais recônditos meandros das realidades terrestres que nos circundam. As palavras podem convencer momentaneamente, o testemunho arrasta e molda consciências para um ritmo de permanente conversão.

4 – Mais acolhimento e menos condenação. O mundo será sempre um cenário de mentalidades contrastantes. A uniformidade está ultrapassada. E fácil condenar o diferente quanto se impõe uma capacidade de acolher quem pensa diferente, quem erra, quem disse coisas injuriosas, quem necessita dum espaço para retemperar energias e ganhar coragem. Os erros devem ser condenados, as pessoas acolhidas com ternura e carinho de quem nos enriquece com o diferente modo de pensar e ver as coisas e os acontecimentos. A castidade, verdadeiramente assumida significa “ver a multidão”, compadecer-se e verificar que são como ovelhas sem pastor e depois ensinar as coisas do Reino.

5 – Mais sinais de esperança, menos temores e medos. Na aventura duma civilização nova com paradigmas enigmáticos e geradores de confusão e perplexidades, só a multiplicação de sinais concretos e objectivos de esperança será capaz de destruir os medos e de ultrapassar os temores. Há razões para ver a beleza da vida e o profetismo da Igreja reside nesta capacidade de descortinar algo de novo a nascer. As violetas aparecem onde menos se espera. Urge ver um mundo novo que está a nascer.

6 – Mais humanismo integral e menos moralismos redutores. O mundo novo acontece na luta por uma dignidade de vida para todos. As misérias impõem o seu realismo e muitos acreditam na felicidade do “ter”, adquirido por todos os processos e meios. Outros vivem marginalizados do mínimo indispensável e procurando contentar-se com conselhos que não conduzem à alegria. Só o protagonismo no compromisso de fazer com que os critérios transcendentais se tornem motivo de ultrapassar a crise, fará com que ricos e pobres se aproximem, não no sentido de meras ajudas assistencialistas e tranquilizadoras de quem dá algo. O mundo deve ultrapassar esta grande dicotomia e fazer com que a vida dos ricos e dos pobres se aproxime tornando a sociedade um jogo de oportunidades válidas para todos.

7 – Maior opção pelos pobres, menos compromissos com interesses. A universalidade do amor do discípulo de Cristo olha com paciência e persistência activa para a pobreza que ultraja e procura individualizar as causas para as eliminar e criar condições de vida digna para todos. Há muitos interesses a motivar a vida dentro da Igreja, na Sociedade, nos partidos. Urge inverter o sentido e acreditar que a pobreza dos outros nunca permitirá a felicidade de alguns. Pode parecer. O tempo demonstrará que só uma verdadeira civilização do amor se justifica.

8 – Mais cristãos adultos, menos leigos executores. Neste mundo a Igreja deve aparecer como mediador da dignidade da vida que Cristo quer oferecer a todos. Daí que o futuro da Igreja passa pela capacidade duma verdadeira comunhão que os documentos especificam de afectiva, como arte de querer bem, e efectiva, como responsabilidade concorde no discernir do específico de sacerdote e dos cristãos. O Povo de Deus nunca deverá ser um mero executor de ordens. Toca-lhe uma responsabilidade específica que já cresceu muito e já se manifesta verdadeiramente em muitos lugares. Só que não é suficiente. E, não esqueçamos, a formação é a única forma de permitir uma fé adulta que explica como agir e como intervir em correponsabilidade.

9 – Mais sinodalidade como testemunho e menos sintomas de imposição clerical por parte dos sacerdotes e leigos. O Povo de Deus foi sempre Povo a caminho, procurando terras novas e abrindo-se a experiências estruturantes, inéditos e contrastantes com os povos vizinhos. Não nos podemos comparar à assembleia que impõe o critério da maioria quase sempre delineada ou imposta pelos mais influentes. Caminhar é sinónimo de escutar o que o Espírito diz à Igreja Arquidiocesana ou paroquial para permitir que tudo esteja, de verdade, no “pareceu-nos a nós e ao Espírito”. Necessitamos de procurar juntos e os diversos conselhos, são imprescindíveis. Saber escutar, saber dizer, saber aceitar, pode e deve tornar-se o paradigma duma sinodalidade que ainda se encontra longe duma efectiva concretização.

10 – Mais Arquidiocese, menos espírito individualista. O caminho da Igreja foi reconhecido pelo Concílio Vat. II como uma experiência que só se encontra na Diocese e que só aí tem a sua plenitude e verdadeiro significado. O Centro dinamizador e orientador terá de chegar aos espaços mais recônditos e aí encontrar a particularidade dum povo que, no contexto uniformizante da globalização, tem exigências peculiares e insubstituíveis. A credibilidade da Igreja no mundo moderno passa pelo testemunho da unidade. O individualismo pastoral separa da verdadeira vida que existe no todo. Nunca a obediência, interpretada como entrega da vida, exprimiu tão visivelmente a comunhão eclesial como antídoto a tantos interesses parciais e de grupo.

11 – Mais transparência em todos os aspectos e menos preocupação económica. Acolher a Palavra significa disponibilizar-se para possuir um dom que nos é oferecido e encerra as fórmulas para encontrar o necessário. A fantasia do amor consegue descortinar modos novos e permite que não vivamos preocupados com o dia de amanhã. Mas o dom deve tornar-se transparente e mostrar-se em todas as dimensões e significados. Centralizar numa pessoa é contraditório do sentido da comunidade e ocultar pode significar medo da verdade. A transparência mobiliza e responsabiliza, não ofende quem age por critérios do Reino e, no mundo actual, mostra o valor dos processos evangélicos. Ao pobre nada falta e sobra-lhe capacidade para oferecer e permite que de “uns e outros” permaneçamos “reunidos num só corpo”.

12 – Mais realismo sereno, menos pessimismo desmotivador. Deixar-se encontrar pela Palavra, para a acolher na sua profundidade, não significa alhear-se e refugiar-se num mundo sonhado e irrealista. Teremos de mergulhar em todos os contextos e ter consciência da verdadeira realidade. Não é fácil. Só que o realismo sombrio não pode colocar-nos em atitude de defesa ou de paralisia. As dificuldades suscitam os profetas capazes de convencer para uma acção concorde, destruidora do que parece um pessimismo que impede a alegria de viver. O caminho que a Igreja deve percorrer neste momento tem de ser o da fé, da coragem e, particularmente, duma alegria serena que manifesta entusiasmo e paixão. Para o cristão a morte nunca é sinónimo de fim; conduz a manhãs novas inesperadas e em que muitos demoram a acreditar. Não queremos ser esta Igreja da esperança activa motivadora da concretização efectiva dum autêntico bem comum?

Os padres na política!


O Verão está aí e com ele o habitual calor. Este ano acresce ainda o aquecimento normal do tempo de eleições.
É neste contexto de caloricidade que eu faço, agora em público, uma reflexão sobre algo que se tem falado e que me preocupa: os padres na política!
Quando algum sacerdote se candidata a um cargo político, normalmente nas autarquias, há sempre quem se pronuncie contra e quem se pronuncie a favor. É normal, cada um pensa como quer.
Costumo até ouvir com frequência que acham normal um padre candidatar-se, pois é um cidadão normal, como os outros.
Aqui poderia fazer-se uma reflexão teológico-pastoral sobre o facto, a sua pertinência e até a sua conveniência. Mas como referi acima, estamos num tempo difícil para a reflexão, os ânimos começam a estar aquecidos e a frieza necessária à reflexão pode faltar.

Mas também neste caso se acha muito e se conhece pouco
Segundo a Lei canónica, aos clérigos compete promover e fomentar sempre e o mais possível a paz e a concórdia entre os homens, baseada na justiça. E acrescenta ainda, o cânone 287, que os clérigos não tomem parte activa em partidos políticos [e não refere se como militantes ou independentes] ou na direcção de associações sindicais.
Mas se virmos noutro local, no cânone 317, diz expressamente que nas associações públicas de fiéis directamente orientadas para o exercício do apostolado, não sejam moderadores os que desempenham cargos directivos em partidos políticos. Se este princípio se aplica para os leigos em geral, como será para o Sacerdote, que compete ser o pastor que a todos congrega, em nome de Jesus Cristo?
Concedo que o Direito canónico não é um texto legislativo que esteja muito acessível, quem nem todos tenham a sensibilidade necessária para o procura conhecer.

E a Lei civil?
Nessa, o caso ainda é mais claro!
Diz a Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, no seu artigo 7º, sobre as inelegibilidades especiais, que não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais dos círculos eleitorais onde exercem funções ou jurisdição, entre outros, os ministros de qualquer religião ou culto (Art. 7º 1 c).

Perante o acima exposto: qual é a dúvida?

A Catequese é um acto humano

O momento eclesial que estamos a viver, por muitos denominado de Primavera da Palavra, como a constatação de que os cristãos e as comunidades estão cada vez mais conscientes do lugar da Palavra de Deus e da necessidade que como cristãos temos dela.
Vem a este propósito referir a Constituição Dei Verbum, sobre a Revelação Divina, que é o documento do Concílio Ecuménico Vaticano II onde se aborda o tema da Revelação e da Palavra de Deus de uma forma fabulosa. É interessante ver como passados tantos anos, 44, estes continuam a ser actuais e a dar pistas excepcionais para a nossa reflexão pastoral.
Aliás, seria no mínimo um contra-senso que nós, catequistas, vocacionados para sermos servidores da Palavra de Deus não tivéssemos a Dei Verbum com um documento de visita frequente.
E quando nos propomos abordar as relações humanas na catequese, isso vai acontecer.

Deus fala como um amigo

Nesse documento, no número 2, diz-se que, e o sublinhado é nosso:
“Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade (cfr. Ef. 1,9), segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina (cfr. Ef. 2,18; 2 Ped. 1,4). Em virtude desta revelação, Deus invisível (cfr. Col. 1,15; 1 Tim. 1,17), na riqueza do seu amor fala aos homens como amigos (cfr. Ex. 33, 11; Jo. 15,1415) e convive com eles (cfr. Bar. 3,38), para os convidar e admitir à comunhão com Ele. Esta «economia» da revelação realiza-se por meio de acções e palavras intimamente relacionadas entre si, de tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas palavras; e as palavras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido” (DV 2).
Assim sendo, em catequese a relação interpessoal deve ser tida em conta e reflectida. O diálogo é o elemento mais significativo mediante o qual se desenvolvem as relações humanas e, no nosso caso, a proposta de suscitar a fé. A linguagem desse diálogo revela o tipo de relação que existe e, portanto, o tipo de catequese que procuramos.

Podem-se distinguir três níveis de diálogo

1) O palavreado. É a forma mais superficial do diálogo. Consiste em falar de qualquer coisa, sabendo ou não, sem que ninguém se envolva no que diz. Sucede na catequese quando faltam objectivos precisos ou o grupo não os aceita nem se envolve neles; os catequizandos contentam-se em conversar e trocar opiniões que, ainda que de cunho religioso, não conduzem a parte alguma.
2) A informação de base que proporciona os elementos necessários para investigar, analisar, contrapor e chegar a conclusões claras e objectivas; porém se o grupo se detêm aí, sem se envolver nem se comprometer, não passará ao âmbito da cultura religiosa, ainda que ele seja importante e suponha uma contribuição valiosa para a formação dos catequizandos.
3) A comunicação. Aqui, o diálogo alcança toda intensidade quando não se trata somente de dizer algo, mas de dizer-se a si mesmo. Neste caso, os membros do grupo expressam a ressonância que tem neles a questão proposta; isso requer confiança recíproca para expor o que cada um traz dentro de si e para esperar que os outros façam o mesmo. O intercâmbio grupal não é simples eco do que se pensa, sabe ou diz, mas do que cada um sente, busca e vive. Há comunicação quando cada um expressa sua implicação pessoal naquilo que diz, quando sua expressão é verdadeira e sincera confissão de si mesmo. Nesta fase a catequese alcança seu sentido pleno como lugar no qual o grupo confessa a fé.
A comunicação plena requer, pois, o envolvimento pessoal dos que participam no grupo de catequese e permite ao catequizando fazer uma experiência de participação comunitária.

O catequista é um amigo de Deus

Para que este diálogo aconteça, o catequista tem um papel insubstituível. Aliás, a vocação de catequista, a sua existência na Igreja, é um dom do qual há que dar graças a Deus. O catequista é alguém chamado por Deus, vocacionado; que acredita no Senhor, com uma fé profunda; e consciente do seu ser Igreja, com uma clara identidade eclesial. Ou seja, o seu modo humano de viver está moldado pela sua comunhão com a Trindade.
O catequista participa e prolonga a missão de Jesus como mestre e amigo, pois realiza o mandato do Senhor: “Ide e fazei discípulos”(Mt 28,19). Assim, Jesus Cristo, no seu seguimento e imitação, constitui para o catequista o modelo determinante de toda a sua missão e acção.
Para que a catequese seja significativa, o catequista deve estar enraizado na forma de ensinar de Jesus Cristo que é cativante e atractiva, pelo que deve viver alimentado continuamente do Mistério Pascal de Jesus Cristo, que é o conteúdo fundamental do Evangelho e o núcleo do testemunho da fé.
Porque é chamado a ser educador da fé, o catequista deve possuir, antes de mais, uma profunda vida de fé. Deve estar imbuído de um profundo sentido religioso, com uma experiência madura de fé e um forte sentido de Deus, do divino. Isto porque o catequista deve ser o anunciador de Deus e dizê-Lo no mundo de hoje. Ao dizer a sua fé, está a responder às inquietações mais profundas do coração humano, que é a sede de absoluto que habita em cada homem (Cf DGC 23).
O catequista é, então, alguém consciente da sua fé. Tem uma posição tranquila e serena da sua opção por Cristo, confia n’Ele e vive em docilidade à acção do Espírito Santo. Na sua pessoa verifica-se a interacção entre fé e vida, ou seja, vive uma autêntica experiência de fé, que vai condicionar todo o modo como se relaciona.
Isto significa que o catequista deve ocupar-se da sua própria vida no Espírito como exigência da responsabilidade que lhe outorga a Igreja, catequizar. O catequista experimentará um processo contínuo de amadurecimento na fé e configuração com Cristo, segundo a vontade de Deus Pai, guiado pelo Espírito Santo(Cf ChL 57).

Os amigos vivem na alegria

A alegria e o gozo do anúncio da Palavra e do Evangelho de Jesus Cristo são características próprias do catequista. É precisamente a alegria do catequista, expressa na relação com os outros, como gozosa participação na vida do Espírito, a demonstração mais evidente de que a Boa Nova que anuncia encheu o seu coração.
O catequista pode entrar verdadeiramente na alegria espiritual aproximando-se de Deus e afastando-se do pecado. Sabemos que as capacidades humanas não atingirão, por si só, este objectivo, mas a Revelação pode abrir esta perspectiva e a graça pode operar esta conversão. A alegria cristã é por sua essência uma participação espiritual da alegria insondável – simultaneamente divina e humana – do Coração de Jesus glorificado. Através da oração pode experimentar-se mais profundamente esta grande alegria: cada cristão sabe que vive de Deus e para Deus.

A Igreja é Comunhão – IV

A Igreja procede do Pai pelo Filho no Espírito Santo, sendo aquela obra das missões divinas; “é ela o lugar do encontro entre o céu e a terra, em que a história trinitária, por livre iniciativa de amor, passa para a história dos homens e esta é assumida e transformada no movimento da vida divina”(Bruno Forte).
Mas a Igreja, que é comunhão, só se compreende a partir de factos concretos e visíveis. Para compreender a profundidade teológica da eclesiologia da Igreja comunhão deve-se partir do facto central da vida da Igreja visível, a Eucaristia da Igreja local presidida pelo bispo, rodeada do presbitério, dos diáconos e dos fiéis, não bastando uma simples inscrição ou o pagamento de cotas para que se pertença à Igreja, se faça comunhão. Não há Igreja sem assembleia eucarística. Por isso, a não frequência eucarística é sinal de quebra ou enfraquecimento da comunhão eclesial. A eucaristia, como acto de acção de graças, é a presentificação simbólica sacramental de todo o mistério da salvação. Enquanto communio eucarística, a Igreja é não só imagem da communio trinitária, mas também a sua actualização. Ela não é apenas sinal e meio de salvação, mas também fruto da salvação. Enquanto communio eucarística, é a resposta sobreexcedente à questão humana originária da comunhão.
Esta questão é mediada por símbolos, e são eles que nos reportam para o mistério. A vida religiosa é um sistema de símbolos que actualizam a presença de experiências transcendentes, extraordinárias ou desconcertantes. Qualquer símbolo, seja ou não religioso, tem um atractivo em e por si mesmo. Sem dúvida, ainda que o símbolo possa atrair e até seduzir, não pode obrigar a comunidade a objectivá-lo. Neste contexto, a qualidade da crença — da fé — deve-se considerar como processual. São muitas as contingências que podem afectar a valorização dos símbolos religiosos, entre elas o facto de que, na sociedade contemporânea, as comunidades correntes — intersubjectivas — raramente coincidem com as expectativas da Igreja oficial (problemas que se dão igualmente com o Estado). Existe um divórcio quase permanente entre a ‘criação de símbolos’ da Igreja oficial e o modo como esses símbolos são vividos a nível local e paroquial. Como consequência, a Igreja deve fazer-se a si mesma de muitas formas, cada uma delas representa uma acomodação do símbolo aos destinatários.
O fiéis celebram a eucaristia e fazem esta experiência de comunhão nas suas Igrejas particulares, pois a igreja-comunhão vive-se na totalidade do seu mistério nas Igrejas locais. É aqui que Cristo nos convoca, reúne na comunhão e envia em missão. É aqui que a comunhão se vive entre pessoas que a própria existência faz próximas e solidárias na realização do culto; o símbolo toma um significado social.
A Igreja presente no mundo “é um sinal visível do homem originário reprimido e da libertação da sua capacidade de mistério e de símbolo, que é a condição de possibilidade de culto. A profundidade esquecida do ser humano não é egóide e fechada sobre si mesma mas relacional e foi sobre as relações originárias do homem à natureza, ao seu semelhante e a Deus que incidiu a acção perturbadora da razão com sua vontade de poder”(Miguel Baptista Pereira), dando origem ao estado de crise que hoje vivemos e ao qual a Igreja Comunhão pode ser uma saída viável para esta situação, onde a “Igreja, como morada de transcendência e redil materno do rebanho, deixou de ter o sentido profundo de outrora… Cada qual salva a sua alma na solidão. Como forças colectivas capazes de semear o mundo de catedrais ou de cruzadas, as religiões estão mortas”(Miguel Torga).
Hoje, a crise de pertença eclesial e a recomposição caleidoscópica do religioso que este processo arrasta consigo inscrevem-se na evolução geral das sociedades da Terceira Vaga(Cf Alvin Toffler), caracterizadas pela mobilidade, particularmente pelas mudanças determinadas pelas orientações sócio-económicas, bem como pela atenuação do controle social e a valorização da capacidade de escolha pessoal.
A nova fase que a humanidade atravessa foi já abordada pelo Concílio Ecuménico Vaticano II ao dizer:

“A humanidade vive hoje uma nova fase da sua história, na qual profundas e rápidas transformações se estendem progressivamente a toda a terra. Provocadas pelo inteligência e actividade criadora do homem, elas reincidem sobre o mesmo homem, sobre os seus juízos e desejos individuais e colectivos, sobre os seus modos de pensar e agir, tanto em relação às coisas como às pessoas. De tal modo que podemos já falar de uma verdadeira transformação social e cultural, que se reflecte também na vida religiosa”(GS 4).

Realçando os pontos fundamentais, podemos referir a novidade da situação actual, que acarreta transformações rápidas e profundas em todo o mundo. A origem destas transformações está na actividade criadora humana, na sua capacidade de produzir novos meios e nas consequências que isso acarreta para o próprio sujeito da mudança. Este processo cria uma transformação social e cultural tais que geram novas culturas e modos diferentes de constituir sociedade.