Professar a fé nas Redes

Há uns tempos pensava-se que estar no mundo dos media, entendendo-os como comunicação de massas – os mass media  –, era possuir e utilizar as comunicações de grande difusão. Aqui poucos comunicadores podiam chegar a um grande número de receptores, com uma mensagem bem delineada e clara.
Atualmente, graças à televisão por cabo, à rádio que se ouve à la carte, graças ao podcasting , e às ferramentas da Web 2.0, que permitem a cada cibernauta produzir e difundir aquilo que quiser, de forma rápida, gratuita e muito eficaz, estamos no tempo, não já dos mass media, mas sim dos cross media. E os cristãos são chamados a estar neste ambiente.


O dominicano José Mourão [1947-2011] lançou um desafio muito lúcido quando disse: «a idade da religião como estrutura acabou, a sua função social está a apagar-se. Resta a função subjectiva da experiência religiosa». Até mesmo os sítios onde se faz eco ou dá expressão católica da religião são sítios propícios ao esoterismo e a uma nebulosa de tal modo intrincada que torna difícil a proposta e educação da fé — o testemunho — tornando evidente a necessidade de um «atlas da verdade». Mas «abraçar a fé implica ipso facto para o crente uma auto-exposição às dificuldades duma situação de desolação. ‘A experiência é um embaraço absoluto (…) que pertence à vida do próprio cristão. A afirmação (da Palavra) é para ele uma auto-exposição à ferida da linguagem, antes de mais. Este embaraço é uma característica fundamental, uma inquietude absoluta no horizonte da parusia escatológica’».


Ainda de acordo com José Mourão, «estamos a assistir:
a) à atomização das pequenas narrativas crentes em que a experiência pessoal se torna o seu próprio critério de verificação;
b) à substituição progressiva da relação autorizada com a memória crista (Magistério) por uma pragmática com o stock  disponível das significações cristãs, transformadas em caixa de ferramentas a que se recorre conforme as necessidades (…).
c) ao processo de eufemização das tradições na Tradição com as suas arestas, práticas e conflitos. O catolicismo sobrevive como ‘meio ético-afectivo’ numa sociedade laicizada em profundidade. O cristianismo não pode pretender ao universal senão com a consciência da sua particularidade histórica: ‘É à luz duma teologia da cruz que se pode reaver a singularidade do cristianismo como religião da alteridade.
A verdade cristã é relativa, no sentido de relacional à pluralidade das verdades próprias de cada tradição religiosa. À parte de verdade irredutível que toda a tradição religiosa transporta’.

A sociedade dos media coloca aos cristãos uma questão sobre o acto de tradição: um simples acto de repetição, ou de recriação do lado do emissor, se quer ser criação do lado do receptor?  A perspectiva utilitarista e instrumental que a Igreja tem dos media é excessivamente redutora do seu papel – os media determinam novos universos mentais, uma nova cultura».

Perante a problemática agora exposta, precisamos, então, de uma ferramenta mental que nos ajude a calibrar o nosso olhar. Que nos dê a possibilidade de  a Igreja estar no mundo dos media e aí realizar a sua missão.


Uma cultura com sentido. O desafio dos média! *

A sociedade actual é animada pela comunicação, e apesar de se terem descoberto nela limitações, contradições e práticas que a obrigam a adaptar-se e a transformar-se, muitas das suas estratégias permanecem ainda ocultas, ambíguas. Muitas das suas consequências são-nos ainda desconhecidas. É necessário compreendê-las, uma vez que a mentalidade resultante daqui modela a cultura, e os modos de pensar tornam-se diferentes dos do passado: a técnica progrediu tanto que transforma a face da terra e tenta já dominar o espaço.
O progresso que se faz sentir é imparável: a ciência e a técnica continuarão a desenvolver-se segundo uma lógica que lhes é imanente e necessária, na qual cada indivíduo é chamado a tomar responsabilidades. Importa achar os meios mais adequados para lhes limitar os danos. Assim, o mundo tecnológico apresenta-se como algo de enigmático aos nossos olhos, tanto mais que acarreta consigo um estado de crise preocupante. Esta é-o porque não tem paralelo com nenhuma época anterior. A especificidade desta vem-lhe da enorme mudança que a caracteriza.
A resposta à questão do sentido era, normalmente, herdada do ambiente familiar, social ou religioso circundante. Há, pois, uma infinidade de sentidos, desde os primórdios da humanidade até hoje. Exemplo disso são a história das religiões, da filosofia e da literatura. E mesmo da arte. Hoje não é assim.


Perante as diversas vagas de sentido, que chegam até a contradizer-se, surge a inevitável pergunta se não haverá um verdadeiro sentido que acabe por se impor? Pode surge a postura que reconhece o homem sedento de absoluto, que não se realiza nesta vida, sem contudo negar a possibilidade de vir a realizar-se. Perante a morte, a radicalidade do problema humano faz emergir na consciência a aspiração que o habita: realizar-se infinitamente. «Queria era sentir-me ligado a um destino extrabiológico, a uma vida que não acabasse com a última pancada do coração»(Miguel Torga).
A partir da morte pode reconhecer-se, também, a impotência do homem para construir sozinho a sua realização. «O homem é um animal compartilhante. Necessita de sentir as pancadas do coração sincronizadas com as doutros corações, mesmo que sejam corações oceânicos, insensíveis a mágoas de gente. Embora oco de sentido, o rufar dos tambores ajuda a caminhar. Era um parceiro de vida que eu precisava agora, oco tambor que fosse, com o qual acertasse o passo da inquietação»(Miguel Torga). É aqui se abrem duas hipóteses: ou o homem reconhece que a vida terrena — projecto e aspiração a ser mais — tem sentido e abre a possibilidade da esperança de um futuro transcendente; ou aceita que a vida não tem sentido e é o desespero total.
A descoberta do sentido para a vida, integrando o sentido da morte, revela a precariedade e a finitude de uma vida sobre a qual assenta o desejo de absoluto que se espera. É a descoberta da liberdade ansiada, aquela que se tem devido a uma liberdade transcendente. O desejo de liberdade infinita do homem dá lugar à descoberta da condição de possibilidade da liberdade humana: Deus. A realização humana surge a partir do ser pessoa, da relação.
Mas o sentido é um dom, oferecido pelo mistério do Verbo encarnado. «Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. […] Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a vocação sublime»(GS 22). O mistério do homem revela-se através do mistério de Cristo, chamado a participar da sua filiação. Quando o homem descobre que é amado pelo Pai, em Cristo e através do Espírito, revela-se a si mesmo, descobre a grandeza de ser objecto da benignidade divina, receptor do amor do Pai revelado em Cristo. O mistério trinitário é o único capaz de realizar o homem, é o «mistério iluminador» do sentido (René Latourelle). A expressão desse mistério faz-se pela vivência da comunhão, onde o ser «não sem os outros» (Michael de Certaux) impele para a solidariedade e para o diálogo. Miguel Torga escreve que «a Bíblia, o livro dos livros, nos ensina que não há homem sem homem, e que o próprio Cristo teve, a caminho do Calvário, a fortuna dum cireneu para o aliviar do peso da cruz (a dor incurável da solidão). Para mim, pelo menos — continua Torga —, feito dum barro tão frágil e vulnerável, que necessito de ser amado durante a vida e de acalentar a esperança de continuar a sê-lo depois da morte».


Jesus Cristo, através da sua vida e pregação, é o mediador do sentido, o único intérprete dos problemas humanos. Em Cristo, o homem pode compreender, realizar e superar-se continuamente; pode ver, por fim, realizada a sua identidade. O ser insaciado, sacia-se.
Falar do homem é falar de comunicação, já que o ser humano não pode passar sem comunicar; partilhando com o outro as suas intuições, verifica a sua validade. É este exercício que impele o homem para uma vida comunitária.

À teologia cabe o «estudo sobre Deus», de um Deus que quer estar em relação estreita com o homem: por isso, as questões deste devem ser tidas em conta por aquela ciência, em ordem a uma oferta de alternativas válidas, dialogadas com as categorias de pensamento usadas pelo homem contemporâneo.
Deus, numa relação de amor salvífico com o homem, sai do Seu mistério, revelando-se. O homem, convertendo-se, responde com a fé à verdade transformadora. Por isso, continua a ser tarefa prioritária dizer, hoje, a Revelação.

A Palavra de Deus apresenta-se, no Antigo Testamento, sob muitos aspectos, mas mantém a característica de ser uma palavra que, simultaneamente, revela e esconde: não se deixa reduzir a simples significados verbais. No Novo Testamento, esvai-se a diferença de níveis de comunicação entre Deus e o homem, provenientes das diferentes naturezas. Jesus Cristo possibilita o encontro face-a-face de Deus com o homem, numa comunicação em que o emissor e o receptor se situam nas mesmas coordenadas de espaço e de tempo. Assim, Cristo é o comunicador perfeito, «na medida em que nele encontramos concentrada e realizada a imagem da possibilidade de realização da comunicação ideal» (M. Carnicella), expressão da totalidade, sem lugar para equívocos.

«Sabendo Jesus que chegara a Sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele que amara os Seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o Seu amor por Eles»(Jo13 , 1). E o auge da doação: «a palavra articulada faz-se palavra imolada» (René Latourelle). Na Cruz, Jesus Cristo mostra o amor de Deus aos homens; a palavra de Deus esgota-se até ao silêncio. A hora da morte e do silêncio é a suprema expressão do amor oferecido à humanidade. Aquilo que na comunicação divina é incomunicável diz-se agora com os braços estendidos e o corpo dilacerado.


No acontecimento ressurreição — onde a humanidade de Cristo se torna veículo para a expressão e manifestação da Sua divindade —, Cristo ratifica-se como código e como chave interpretativa do código que permite penetrar a mensagem divina sem equívocos.
Face a Cristo, o «comunicador perfeito», subsistem ainda ruídos, provenientes do homem, da sua mesquinhez, do medo e da incapacidade para se interrogar. A comunicação perfeita só se realiza num contexto escatológico, onde o ruído é anulado e o homem entra em comunhão perfeita com Deus, num perpétuo e sempre novo diálogo.


À luz deste acontecimento, a relação entre o homem e Deus é, pois, reflexo do diálogo trinitário, gerador de comunhão amorosa, na qual o homem é chamado a participar. Apesar da dificuldade do cidadão hodierno — fechado sobre si e incapaz de se situar perante o dom —, é preciso continuar a anunciar o Deus que se fez homem e que diviniza a humanidade pela comunicação do seu ser pessoal.
Dizer esta notícia, com honras de primeira página, obriga a descobrir, em conjunto com os vários saberes, outros métodos de comunicar, que integrem a fé e evitem o absurdo. Processo capaz de ser realizado por aqueles que falam como se vissem o invisível, sempre em busca de novos métodos de contar a verdade, marcados sempre pelo imprevisível.
Nesta dinâmica, o cidadão «acabará por sentir, no mais íntimo da sua humanidade, o apelo duma Proposta transcendente, que foi por vezes rejeitada enquanto expressa em paradigmas ultrapassados, mas que surge agora, nova e disponível, para a reinvenção do futuro»(Luís Archer). De um futuro com um Deus tão transcendente que não se deixa reduzir a simples verbalizações que aprisionam, mas tão próximo que chama cada homem, do âmago de uma nova cultura, a uma comunicação libertadora.
A fé, deste modo,  não só dialoga com as diversas culturas como é capaz de gerar uma nova cultura.
[* Este texto é o resultado de uma releitura de outros postes e ideias já expressas neste blogue, a propósito do 47º Dia Mundial das Comunicações Sociais]

As redes sociais e a Evangelização

A sociedade em rede torna-se possível graças ao desenvolvimento das tecnologias digitais, que tendem a permitir a conexão entre todas as pessoas. Basta, para isso, que se possua um dispositivo electrónico com ligação à Internet. Esta realidade abrangente deu origem àquilo que podemos denominar por “cultura digital”, que surge das relações entre as pessoas, e destas com o meio ambiente e o mundo, mas mediada pelas tecnologias de comunicação digital. Esta recente possibilidade de comunicação deu origem a esta nova cultura, com tudo o que isso implica. E, aqui, o tempo e o espaço têm uma nova compreensão, derivada do facto de a sociedade em rede ser virtualmente desterritorializada. O espaço é condensado num só “aqui” e o tempo, por isso, anulado.



Este dado gera especificidades que importa considerar, a começar pelo conceito de virtual. O virtual — no pensamento de Pierre Lévy — não é uma oposição ao real, é uma dimensão muito importante da realidade, porque o virtual é aquilo que existe, não em ato, mas em potência. Opõe-se não ao real, mas sim ao atual, pois o virtual tende a atualizar-se. Por outro lado, há que considerar a distinção entre possível e virtual. O possívelestá todo constituído, só ainda não está realizado. E realiza-se sem que nada o mude ou afete, pelo que o possível é exatamente como o real, só lhe falta existência. Não há nenhum processo de criação, porque não há nenhuma inovação. Já com o virtual não é assim, contrariamente ao possível, ao atualizar-se dá-se, de certa maneira, uma recriação que surge através de uma configuração dinâmica de forças e finalidades, no aqui e agora da atualização. A atualização cria algo de novo! De forma sintética, podemos afirmar que a utilização de redes sociais digitais no âmbito da evangelização postula que não se fique na virtualização, mas que cuide também a atualização, no aqui e agora de cada comunidade cristã.
Depois do que acima vimos, podemos afirmar que o recurso às redes sociais para difundir a Mensagem de Jesus Cristo tem de ser criteriosa. Não basta colocar na Internet informações, é preciso que a virtualização da nossa presença seja acompanhada de comunidades e de evangelizadores que auxiliem cada cibernauta a atualizar no seu aqui e agora a Mensagem, promovendo uma experiência de fé autêntica, que possa tornar viva a relação crente.
Esta interação entre o virtual e o atual deve ainda ter bem presente que a verdade que se anuncia não deduz a sua validade dos critérios de popularidade e da quantidade de atenção que se lhe dá, o fundamento é Outro. Por isso, deve comunicar-se a Mensagem cristã na sua integralidade e exigência, e não ceder à tentação de a mitigar, para a tornar supostamente mais atraente. Tanto mais que o Evangelho não é um mero bem de consumo superficial, antes exige uma resposta ponderada, que só no 
demorado silêncio pode ser conseguida.


Por fim, o grande desafio que se coloca à evangelização com o recurso às redes sociais é o mesmo que o Beato João Paulo II lançou e que Bento XVI recordou ao constituir o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização: «É urgente, sem dúvida, refazer em toda a parte o tecido cristão da sociedade humana. Mas, a condição é a de se refazer o tecido cristão das próprias comunidades eclesiais» (ChL 34). E é aqui que o desejo de comunicar e de estar conectado, muito próprio da cultura digital, pode ajudar as comunidades a reanimarem o seu sentido de pertença eclesial.
 in Semanário Ecclesia, 1382, 2 de Maio de 2013, 32-33.

Redes Sociais e Evangelização



O desafio, que as redes sociais têm de enfrentar, é o de serem verdadeiramente abrangentes: então beneficiarão da plena participação dos fiéis que desejam partilhar a Mensagem de Jesus e os valores da dignidade humana que a sua doutrina promove. Na realidade, os fiéis dão-se conta cada vez mais de que, se a Boa Nova não for dada a conhecer também no ambiente digital, poderá ficar fora do alcance da experiência de muitos que consideram importante este espaço existencial. (Mensagem do Papa Bento XVI para o 47º dia Mundial das comunicações sociais)