O objetivo desta obra é contribuir para pensar cientificamente o âmbito do saber denominado como “Ecologia dos Media”. Este campo parte do princípio de que «os humanos modelam os instrumentos de comunicação, mas estes também modelam o ser humano, sem que disso se tenha consciência» (Marshal McLuhan), pelo que o Editor se propõe contribuir para a consolidação deste saber específico.
Scolari, Carlos A. (Coordenador). (2015). Ecología de los médios. Entornos, evoluciones e interpretaciones. Gedisa. 297 pp. ISBN: 978-84-9784-826-8
Esta compreensão evidencia-se tanto mais urgente quanto se constata que a sociedade em rede, através dos media e da internet, produz transformações económicas, tecnológicas, sociais e culturais que abrangem todo o planeta, fenómenos esses denominados, genericamente, como globalização. A emergência deste fenómeno evidencia que o ecossistema mediático está a mudar, o que pede uma compreensão aturada do mesmo. A metáfora “ecologia mediática” oferece um conjunto de categorias e ideias que permitem compreender essas mudanças que o telégrafo, o comboio, em conjugação com a imprensa, e depois com a rádio, a televisão e a internet, contribuíram poderosamente para a expansão comercial e o processo da globalização.
O editor da obra, Carlos A. Scolari, inicia a obra com uma extensa Introdução onde apresenta o “estado da arte” da ecologia dos média, intitulado “Ecologia dos media: da metáfora à teoria (e mais longe)”. Começa por referir que uma teoria é um espaço de diálogo onde diferentes sujeitos mais ou menos competentes falam sobre um determinado tema (Scolari, 2015, p. 12). No que às teorias da comunicação diz respeito, Scolari propõe uma nova classificação, agrupando-as em torno de dois grupos: o das teorias especializadas, aquelas que se focam num determinado meio ou processo comunicativo; e as teorias generalistas. Estas propõem-se construir quadros globais de todos os processos que afetam o mundo da comunicação. É aqui que o autor insere o estudo da “Ecologia dos Meios”.
Scolari elabora uma reflexão diacrónica, que amplia a visão conceptual da matéria muito para além dos contributos de McLuhan, começando pelos contributos que prepararam o advento do conceito de “ecologia dos meios” e que denomina como “os precussores”, a saber: Lewis Munford, Jacques Ellul, Harold Innis e Eric Havelock. De seguida, reflete sobre o contributo de cada um dos “pais fundadores”: Marshal McLuhan, Neil Postman e Walgter Ong. Depois de acenar com o trabalho dos fundadores, o texto enuncia aqueles que se podem considerar os discípulos dos pais fundadores, e que continuam a reflexão sobre a ecologia dos media. São eles: Lance Strate, Joshua Meyrowitz, Robert K. Logan, Paul Levinson e Derrick de Kerckhove.
O aspeto que aborda a seguir é o da metáfora da “ecologia dos média”, começando por referir que uma metáfora é um dispositivo cognitivo básico da comunicação e da cultura humana. Desempenha um papel fundamental no discurso científico, já que muitos dos novos paradigmas ou modelos teóricos nasceram ou representam-se através de metáforas. Mas a utilização da metáfora ecológica aplicada aos meios de comunicação postula, pelo menos, duas interpretações: entender os média como ambientes e os média como espécies. Aquela entende a metáfora da ecologia dos media como a dimensão ambiental da ecologia mediática, na qual os media criam um ambiente que envolve o sujeito e modela a sua perceção e cognição; esta, por sua vez, assume uma dimensão medianeira da ecologia dos média, entendendo os meios de comunicação como espécies que partilham o mesmo ecossistema e estabelecem relações entre si.
Com a profunda alteração que a digitalização cultural está a introduzir na sociedade, criou-se uma nova oportunidade para uma releitura das grandes obras que consolidaram os conceitos de “ecologia dos media”, mas agora numa releitura da sub-espécie digital. Verifica-se que a profunda alteração dos novos modos de produzir, distribuir e consumir conhecimento, que a digitalização originou, produz uma alteração tão profunda na sociedade, que só tem paralelo com a invenção da imprensa, no século XVI. Com uma agravante, a revolução atual é mais rápida e mais generalizada. A releitura dos “clássicos” evidenciacia ter potencial propor temas, conceitos e perguntas que enriquecem a compreensão daquilo que são as comunicações digitais interativas.
Carlos Scolari reconhece, também, que a reflexão científica sobre os meios de comunicação social, recorrendo à metáfora da ecologia tem algumas lacunas. A priemira é que os seus fundadores — McLuhan e Postman — não legaram um conjunto de textos que seja um referencial teórico a partir do qual se possa elaborar uma epistemologia da disciplina. Esse trabalho está ainda a fazer-se. Faz falta a elaboração e um dicionário da disciplina, onde se reflitam os conceitos fundamentais e o diálogo possível com os vários atores do cenário cultural.
Por fim, sabemo-lo, não há uma disciplina bem delimitada se não tem um método próprio, específico. Neste momento existe uma dispersão de ferramentas metodológicas, que estão distribuídas por uma plêiade de estudos e investigações, mas que importava recolher catalogar e sistematizar. Com este processo vai permitir delimitar o campo deste saber específico, confirmando o que se adequa e excluindo o que não se insere na sua especificidade.
A seguir à extensa introdução, segue-se uma coletânea de textos, divididos em três secções: os pais fundadores, os discípulos e, por fim, as novas fronteiras. O critério que presidiu à escolha dos textos foi as suas contribuições para a reconstrução de um percurso teórico – o da ecologia da media – e deixando de lado outras questões, como seja o caso dos seus aspetos formais. Por esse motivo, alguns capítulos são muito mais longos do que outros. Os estilos também não são homogêneos: alguns nasceram como intervenções orais e outros resultaram de um trabalho de redação específico para esta obra.
Na primeira parte, dedicada aos pais fundadores, pode ler-se a extensa entrevista que McLuhan concedeu à Playboy, em 1969, e no qual explicada demoradamente os conceitos principais do seu pensamento. Pode também ler-se a conferência de Neil Postman proferiu em 2000, na primeira assembleia da Media Ecology Association, e que marcou indelevelmente a afirmação desta área específica dos aber. A terceira contribuição é de Jésus Octávio Elizondo Martínez que apresenta uma descrição detalhada daquilo que se denominou como Escola de Toronto e descreve as interações entre os diversos atores que permitem a McLuhan construir o seu pensamento. O último capítulo está a cargo de Thom Gencarelli que descreve as repercussões que o pensamento de Neil Postman teve no ambiente cultural dos Estados Unidos da América, sobretudo no campo da educação para os media.
Os discípulos daqueles pais fundadores são o foco sobre o qual se centra a segunda parte da obra, visando a institucionalização da ecologia dos media. Conta com trabalhos, de autores que, cada um deles, trabalhou muito de perto com Marrshal McLuhan ou Neil Postman. Lance Strate que, entre outras coisas, dirigiu por mais de uma década a Media Ecology Association, tem aqui um texto com o título Estudar os media como meios: McLuhan e a abordagem da ecologia dos meios. Paul Levinson, que fez tese de doutoramento com Neil Postman, vê se representado com um texto com o títuloOs princípios da evolução dos meios: a sobrevivência do mais apto. Kobert K. Logan, por fim, assina o terceiro texto desta secção, intitulado A base biológica da ecologia dos media. De registar que nesta segunda parte, os textos apresentados são traduções para castelhano de publicações anteriores, mas que se pretendeu recuperar para ilustrar a construção teórica da ecologia dos meios.
A terceira parte intitula-se As novas fronteiras e oferece uma amostra das novas fronteiras que se abrem à reflexão. Indrek Ibrius realiza uma análise teórica da evolução dos meios de comunicação, a partir da semiótica da cultura, propondo uma abordagem multidisciplinar na qual interpreta a evolução dos média a partir de outros autores e paisagens culturais, afastando-se daquela que McLuhan vincou. Denis Renó, num texto intitulado Mobilidade y produção audiovisual: mudanças na nova ecologia dos media, recupera as reflexões fundamentais de McLuhan e reflete com elas os novos formatos informativos que os dispositivos móveis tornaram possível. Por fim, Sergio Roncallo Dow e Diego Mozarra assinam um texto intitulado Ecologia, arte y política: a estética como control (contra) ambiental. A partir da imagem de “sonda” de McLuhan, relacionam arte, estética e política, esperando que com a capacidade de um artista para tornar visível o ambiente criado pelos media, ainda que, esse ato de visibilidade ou consciência, seja escandaloso, porque transgride as normas da época.
Por fim, resta referir que estamos perante uma obra que na tradição inglesa, sobretudo dos Estudos Unidos, seria uma “reader”, onde se agrupam e traduzem textos fundamentais de uma determinada disciplina científica. Esta obra oferece ao leitor uma introdução completa ao campo da “ecologia dos média”.