Oração
Amando-te, encontro tudo o que estava perdido,
tudo se converte em canto de louvor
e de acção de graças por tua Infinita Magestade.
O que estava dividido, teu Amor unifica;
o que estava disperso, é atraído para ti;
O que era puramente exterior,
teu amor faz entrar no mais profundo de si.
Teu Amor é quem me faz aceitar
a vida quotidiana tal e como ela se apresenta,
e quem transforma portanto,
cada uma das jornadas humanas num dia de Graça.
Tu, único e último fundamento de todo o ser,
tu que és Amor, dá-me parte de teu Amor,
para que todos os meus dias estejam orientados
para o Dia único de tua Vida Eterna.
Karl Rahner
O Jejum
Multiplica os pães e os peixes. Quando descreve o Reino, fá-lo com a linguagem do banquete…
É um aspecto que chamou a atenção de muitos historiadores da religião: a visão positiva que a fé cristã tem do comer e do beber. Basta pensar que o sinal central do seu sacramento principal, a Eucaristia, é precisamente o comer e o beber.
E, no entanto, também o jejum entra nos valores e nos sinais de expressão da fé cristã. E não só dum ponto de vista ascético, mas também duma perspectiva que podemos chamar “sacramental”.
Concretamente durante a Quaresma, entre os vários gestos simbólicos que ajudam a comunidade cristã a entrar no caminho do Mistério Pascal (as cinzas, o silenciar dos Aleluias, a centralidade da Cruz…), está também o do jejum, que se converteu na sua mais expressiva característica: a Quaresma é um tempo de jejum geral para a Igreja na sua preparação para a Páscoa.
Mas que sentido tem hoje para nós o jejum? Pode ele ser ainda apresentado como um valor numa sociedade que convida insistentemente à satisfação e à comodidade?
O nosso jejum cristão e os seus valores
O facto de sermos convidados a jejuar – sobretudo no tempo da Quaresma – não tem a intenção de ser um castigo, de uma auto mortificação disciplinar ou de desprezo pelo corpo.
a) Ao jejuar queremos significar expressivamente que os valores materiais não são absolutos. A sociedade de hoje ensina-nos continuamente a absolutizar os bens agradáveis para os sentidos, e a buscá-los insistentemente. Um programa de auto-afirmação e de suficiência.
O jejum quer ser uma voz profética introduzida na nossa vida, para nos recordar que tudo isso é bom, mas relativo. E que o único absoluto é Deus. E que os valores sobrenaturais não podem ser descuidados. Que temos de estar abertos a eles: a fim de que, libertando-se do fermento do pecado, se convertam a vós de todo o coração e vivam de tal modo as realidades temporais que procurem sempre os bens eternos (Prefácio da Quaresma II).
Renunciar ao “pão” humano recorda-nos existencialmente que o “Pão” verdadeiro é Cristo e a sua Palavra Salvadora. Que a fome e a sede que costumamos ter de tantas coisas sensíveis, devem ceder em importância à fome e sede que, como cristãos, deveríamos sentir pelas transcendentes.
Pode ser um exercício de humildade, relativizando as coisas que apreciamos mais imediatamente, e até experimentando a debilidade e a indigência da nossa natureza mortal. É uma educação da nossa liberdade interior, o saber dizer “não”. O homem só é ele mesmo quando consegue dizer a si próprio: não. Não é a renúncia pela renúncia: senão para um maior e mais equilibrado desenvolvimento de si mesmo, para viver melhor os valores superiores, para o domínio de si próprio (João Paulo II, catequese 21 de Março de 1979).
O jejum é um sinal de que queremos ter domínio sobre nós mesmos. De que queremos amadurecer, sentir-nos orientados para as verdadeiras aberturas que devem marcar a nossa existência. Pelo jejum reprimis os vícios e elevais o espírito, infundis a fortaleza e dais a recompensa (Prefácio da Quaresma IV). De algum modo ensina-nos o vazio que há dentro de nós, para estarmos mais abertos ao próximo e a Deus.
Esta e outras culturas (como entre os Muçulmanos com o seu mês do Ramadão) considerou o jejum como um meio de conseguir um maior equilíbrio interior no homem, como uma desintoxicação biológica, que também afecta notavelmente a purificação psicológica e a harmonia global da pessoa.
O desequilíbrio orgânico (o excesso de comida e de bebida, por exemplo) provoca também um desequilíbrio espiritual no homem. Enquanto que uma sã privação de excessos favorece a liberdade interior e o maior domínio sobre si próprio.
Uma oração antiga (do Sacramentário Veronense) dizia claramente que o jejum tinha sido instituído para a saúde da alma e do corpo.
Mas, para além desta concretização tão interessante, o jejum por si mesmo põe-nos numa situação mais favorável de solidariedade para com os outros. Ensina-nos a sentir em nós mesmos a debilidade dos que se vêem obrigados a jejuar por necessidade, e não só durante a Quaresma, mas durante todo o ano. Faz-nos experimentar o que pode ser a fome.
Ensina-nos a “misericórdia”. Converte-nos em mais transparentes e disponíveis para os outros, menos cheios de nós próprios.
Por isso o Prefácio da Quaresma III diz assim: Vós nos ensinais, a manifestar-vos a nossa gratidão, a dominar os excessos da nossa inclinação para o mal e a dar alimento aos que têm fome, imitando a vossa divina bondade.
O jejum, para além de tudo o que representa de relativa negação de si próprio, vai-nos educando a corrigir todo o egoísmo e auto-suficiência, e a abrir-nos mais a Deus e ao próximo.
No caminho quaresmal o nosso jejum tem um sentido mais profundo do que o meramente psicológico, pessoal, e de abertura fraterna. Converte-se em sacramento da nossa comunhão com Cristo Pascal.
O mistério que celebramos é de Morte e Ressurreição. Por isso a nossa sintonia com ele é também morte – renúncia, jejum e sacrifício – e ressurreição – aceitação da nova vida. Páscoa é sempre “passagem, trânsito, êxodo”: por isso supõe renúncia ao anti-evangélico que nos está sempre a ameaçar, e adesão a um programa novo de vida. E isto significa-se de muitas maneiras no nosso caminho de Páscoa (na Vigília Pascal, na celebração baptismal, com a dupla lista de renúncias e profissão de fé): uma destas maneiras, ao longo de toda esta quarentena é o jejum, que também afecta o nosso corpo, porque é todo o homem aquele que é destinado à salvação e que é urgido para entrar em Páscoa.
O jejum converte-se no sinal exterior da nossa conversão, símbolo da nossa luta contra o mal e o pecado, da nossa aceitação de incorporarmos a Cruz de Cristo e a sua Vida Pascal.
O jejum passa a ser assim não somente ascético, mas cúltico, litúrgico. Sobretudo na celebração de Sexta-Feira e de Sábado Santos – os dois primeiros dias do Tríduo Pascal – o “jejum pascal” por excelência, pelo qual entramos na própria celebração da Páscoa, submergindo-nos conscientemente no movimento dinâmico da “passagem à nova existência” com o Cristo.
O nosso jejum quaresmal aproxima a sua intenção e a sua linguagem às “quarentenas de jejum” que vimos descritas na Bíblia e que querem preparar e iniciar os grandes encontros com Deus. Aqui, o acontecimento sempre novo que quer transformar a nossa existência é a celebração da Páscoa, na qual Deus quer intervir na nossa vida, incorporando-nos à nova existência de Cristo Ressuscitado.
Não é um jejum de tristeza. O Esposo continua a estar connosco. Mas nós jejuamos precisamente como uma maneira de exprimir o nosso seguimento a Cristo também na sua Cruz.
O Toque nas relações
É o toque humano que conta neste mundo
O toque da tua mãe e da minha
Que significa muito mais para o coração fragilizado
Que o abrigo, o pão e vinho.
Porque o abrigo vai-se quando a noite acaba
E o pão dura apenas um dia
Mas o toque de uma mão e o som da voz
Cantam para sempre na alma.
[Spencer Michael Free]
Não podemos viver sem tocar… e ser tocados,
Sem acariciar… e ser acariciados,
Sem partilharmos o nosso corpo.
Já que a corporeidade
É a nossa única forma de ser e estar neste mundo.
O corpo é mediação para a relação,
Não apenas consigo próprio,
A relação intrapessoal,
Mas com o outro,
A relação interpessoal.
A sensação de «pertença»,
Quando é forte,
Sente a falta e a necessidade
Do contacto de uma mão que segura a outra,
Que acaricia e afaga…
Sente a falta do abraço (…)
É pelo corpo que pensamos,
Que sentimos e falamos,
Que tocamos e somos tocados
Num diálogo de familiaridade
Que exprime intimidade afectivo-emocional,
Livre de tabus, de falsas interpretações, (…)
O toque…
Deixa a «marca» do(s) outro(s) «em nós (…)».
[Ana Paula Bastos]
Bênção dos Sentidos
O Espírito Santo de Deus
conduz-me e guia-me
para que eu possa conhecer Jesus Cristo,
ouvir a Sua voz,
ver a luz de Deus
e responder à sua Palavra.
Assim, sobre mim mesmo, eu:
– Faço o sinal da cruz na FRONTE
para que Cristo me fortaleça com o sinal do seu amor
e eu aprenda a conhecê-l’O e a segui-l’O…
– Faço o sinal da cruz nos OUVIDOS
para ouvir a voz do Senhor…
– Faço o sinal da cruz nos OLHOS
para ver a luz de Deus…
-Faço o sinal da cruz na BOCA
para responder à Palavra de Deus…
-Faço o sinal da cruz no PEITO
para que Cristo habite, pela fé, no meu coração…
– Faço o sinal da cruz nos OMBROS
para levar sempre o jugo de Cristo que é suave…
– Faço o sinal da cruz,
em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo,
para ter a vida pelos séculos sem fim.
Ámen
Jesus Cristo, fonte de sentido!
Mas actualmente, a questão do sentido une todos os homens; é a profunda inquietação sobre o sentido da vida, em que toda a Humanidade está unida. A interrogação sobre a condição humana revela o homem como uma interrogação para si mesmo. E um problema ao qual não pode escapar, correndo o risco de se negar. O problema agudiza-se ainda mais quando se torna evidente que nada do que se faz tem valor; a literatura, a filosofia e a teologia referem o problema supremo que é o homem, em busca de uma resposta sempre inacabada.
A resposta à questão do sentido é, normalmente, herdada do ambiente familiar, social ou religioso circundante. Há, pois, uma infinidade de sentidos, desde os primórdios da humanidade até hoje. Exemplo disso são a história das religiões, da filosofia e da literatura. E mesmo da arte.
Perante as diversas vagas de sentido, que chegam até a contradizer-se, surge a inevitável pergunta se não haverá um verdadeiro sentido que acabe por se impor? As várias posições podem ser agrupadas em quatro tipos.
Sarte e Camus vêem na vida e na morte o absurdo. Para Jean Paul Sarte, o homem é alguém lançado no mundo sem paternidade nem finalidade: «acordamos em plena viagem numa história de loucos». Por isso, são inevitáveis os sentimentos de abandono e absurdo. O sentido da vida é, agora, o sem-sentido; o homem torna-se um «ser-para-a-morte». Albert Camus, afirmando a absurdo da vida, chega a outra conclusão: deve aceitar-se a absurdidade da vida e exercer aí a liberdade humana para lhe criar um sentido. É o retorno do estoicismo.
A partir da morte pode reconhecer-se, também, a impotência do homem para construir sozinho a sua realização. «O homem é um animal compartilhante. Necessita de sentir as pancadas do coração sincronizadas com as doutros corações, mesmo que sejam corações oceânicos, insensíveis a mágoas de gente. Embora oco de sentido, o rufar dos tambores ajuda a caminhar. Era um parceiro de vida que eu precisava agora, oco tambor que fosse, com o qual acertasse o passo da inquietação»(Miguel Torga). É aqui se abrem duas hipóteses: ou o homem reconhece que a vida terrena — projecto e aspiração a ser mais — tem sentido e abre a possibilidade da esperança de um futuro transcendente; ou aceita que a vida não tem sentido e é o desespero total.
A descoberta do sentido para a vida, integrando o sentido da morte, revela a precariedade e a finitude de uma vida sobre a qual assenta o desejo de absoluto que se espera. É a descoberta da liberdade ansiada, aquela que se tem devido a uma liberdade transcendente. O desejo de liberdade infinita do homem dá lugar à descoberta da condição de possibilidade da liberdade humana: Deus.
Mas o sentido é um dom, oferecido pelo mistério do Verbo encarnado. «Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. […] Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a vocação sublime»(GS 22). O mistério do homem revela-se através do mistério de Cristo, chamado a participar da sua filiação. Quando o homem descobre que é amado pelo Pai, em Cristo e através do Espírito, revela-se a si mesmo, descobre a grandeza de ser objecto da benignidade divina, receptor do amor do Pai revelado em Cristo. O mistério trinitário é o único capaz de realizar o homem, é o «mistério iluminador» do sentido (René Latourelle). A expressão desse mistério faz-se pela vivência da comunhão, onde o ser «não sem os outros» (Michael de Certaux) impele para a solidariedade e para o diálogo. Miguel Torga escreve que «a Bíblia, o livro dos livros, nos ensina que não há homem sem homem, e que o próprio Cristo teve, a caminho do Calvário, a fortuna dum cireneu para o aliviar do peso da cruz (a dor incurável da solidão). Para mim, pelo menos — continua Torga —, feito dum barro tão frágil e vulnerável, que necessito de ser amado durante a vida e de acalentar a esperança de continuar a sê-lo depois da morte».
Jesus Cristo, através da sua vida e pregação, é o mediador do sentido, o único intérprete dos problemas humanos. Em Cristo, o homem pode compreender, realizar e superar-se continuamente.
O homem, em Jesus Cristo, pode ver, por fim, realizada a sua identidade. O ser insaciado sacia-se. A essência e a existência humanas têm um espaço de convergência e realização: Jesus Cristo.
Ressurreição
O Corpo
Há um texto muito lindo do card. Carlo Maria Martini sobre o corpo.
Vou respigar um pouco da parte que fala dos sacramentos de iniciação cristã.
Ser Esteio!…
Passo tantas vezes por videiras
escoradas, hirtas, apoiadas confiadamente
sobre esteios de granito, de cimento
ou de madeira tosca… Felizes!
Passo tantas vezes por videiras
contorcidas, quebradas, caídas,
sem esteio… Frustradas!
Abençoado esteio
que acolhe, ampara e defende,
que partilha da luta contra os ventos
e do júbilo das vindimas abundantes;
que escuta, compassivo,
os gemidos de sofrimento,
ou, embevecido, o murmúrio grato e manso
da vide garbosa que sustenta…
Há tantas pessoas tombadas, sem apoio!
Sê esteio generoso e forte,
para um viver rectilíneo e firme,
vertical e coerente.
Sê um esteio vivo, sensível,
humano, solícito, alentador:
– para os desânimos do caminho
– para os debates das opções do dia-a-dia,
– para os vendavais da dúvida,
da angústia, do desespero, da solidão
e da frustração atroz…
Sê um esteio possante de amor,
e sentirás perenemente
a alegria compensante de ajudar
e tornar feliz tanta gente…
Mário Salgueirinho
Viver o dia-a-dia é o segredo da Paz – Bom 2006
– Hoje terei o máximo cuidado com o meu modo de tratar os outros. Delicado nas minhas maneiras, não criticarei ninguém, não pretenderei melhorar ou disciplinar ninguém senão a mim mesmo.
– Hoje me sentirei feliz com a certeza de ter sido criado para ser feliz, não só no outro mundo, mas também neste.
– Hoje me adaptarei às circunstâncias sem pretender que as circunstâncias se adaptem a todos os meus desejos.
– Hoje dedicarei dez minutos de meu tempo a uma boa leitura, lembrando-me de que assim como é preciso comer para sustentar o corpo, assim também a leitura é necessária para alimentar a vida da minha alma.
– Hoje praticarei uma boa acção sem contá-la a ninguém.
– Hoje farei uma coisa de que não gosto, e se for ofendido nos meus sentimentos procurarei que ninguém o saiba.
– Hoje farei um programa bem completo do meu dia. Talvez não o execute perfeitamente, mas em todo o caso vou fazê-lo. E guardar-me-ei bem de duas calamidades: a pressa e a indecisão.
– Hoje não terei medo de nada. Em particular, não terei medo de gozar do que é belo e não terei medo de crer na bondade.