A Igreja é Comunhão – VI

É de suma importância que a comunhão se fundamente teologicamente e que se diga: a eclesiologia da comunhão constitui o critério fundamental para a ordenação da Igreja e especialmente para a correcta relação entre unidade e multiplicidade; síntese muito útil numa sociedade da informação ou informacional.

Para mais, e segundo Walter Kasper, “a ânsia humana pela comunhão visa algo que possa ser o uno e o todo do homem, algo que ultrapassa todo o humano e só encontra o seu cumprimento na autocomunicação de Deus, na comunhão e amizade com Deus. O anelo do coração humano é tão grande e tão profundo que só Deus é suficientemente grande para o cumular. Só Deus é a última resposta à questão que é o próprio homem”(W. Kasper). A comunhão toma um lugar eminente na prática pastoral, ou pelo menos devia tomar, pois é “um modo de ser, viver, relacionar-se e trabalhar em Igreja, de construir uma comunidade cristã. Por conseguinte com implicações pastorais. Deve configurar um estilo, modelo de pastoral a partir de dentro. Faz parte da realidade dos cristãos. Por isso, é necessário antes de mais cultivar o espírito de comunhão para construir a comunidade”(A. Marto).

A comunhão é uma aspiração de todo o homem, pois este realiza-se na relação com os seus semelhantes. Mas esta prática está em crise, em parte derivada da mentalidade científico-tecnológica emergente na sociedade actual, a qual constitui um mito para o homem moderno.

Poderá, por ventura, esta mentalidade trazer algo de novo à Igreja que ajude a compreender e a realizar a comunhão, como característica essencial da Igreja? Antes de mais é preciso compreender e ver como é que a sociedade actual realiza e aspira à comunhão. É o que faremos a seguir.

A Igreja é Comunhão – V

Ainda no ambiente do Concílio, mais concretamente no desencadear próximo das suas consequências, podia-se acreditar que a crise na pertença eclesial, na ausência de comunhão, era sobretudo vivida pelas novas gerações, que acentuavam de boa vontade a referência evangélica a Jesus. Logo depois, apesar de tudo, a frase ‘sim a Jesus, não à Igreja’ revela que a pertença eclesial não era só vista de uma forma problemática pelos jovens: a situação real das condições de pertença à Igreja mudou por causa de factores culturais, como o ambiente pluralista, a crise das autoridades, a valorização da subjectividade pessoal e a religiosidade interior, e como consequência também do Choque de Futuro que então se começa a sentir um pouco por toda a parte.
Como consequência da fé cega na ciência e num aspecto superficialmente humano, a comunhão vê na morte a sua fronteira inevitável. Todas as “utopias humanas, mesmo as mais elevadas, de um reino de liberdade e justiça, não podem compensar a injustiça feita aos que já morreram, aos torturados e assassinados do passado. Assim, as utopias puramente humanas não fundamentam nenhuma esperança verdadeiramente universal. Pelo contrário, a communio da Igreja é communio também para além da morte. Só ela pode cumular o anelo do coração humano”(W. Kasper). Mas do pós-morte nada se sabe e para responder a esta questão, a Igreja tem de fazer referência ao seu fundador e apelar para o seu mistério: a sua dimensão humana e divina, sendo esta última a única capaz de fazer justiça ao homem, respondendo-lhe à questão sobre o sentido da vida. A fé cristã impele a antecipar activamente no tempo presente o que será realidade consumada na eternidade. A Igreja deveria ser o espaço onde se vive já o que proclama a fé, o sinal sacramental da fraternidade escatológica, que, além de aguardar o significado, realiza o que significa.
As dimensões visível e invisível da Igreja não devem ser consideradas como duas coisas distintas, mas como duas dimensões que formam uma realidade complexa que está integrada de um elemento humano e outro divino. Esta afirmação que é sumamente importante para a compreensão da eclesiologia do Vaticano II, está fundada cristologicamente na analogia entre o mistério do Verbo encarnado e o mistério da Igreja, segundo a qual ‘assim como a natureza assumida serve ao Verbo divino como instrumento vivo de salvação unido indissoluvelmente a ele, de modo semelhante a articulação social da Igreja serve ao Espírito Santo, que a vivifica, para o aumento do seu corpo.
Perante esta realidade o desejo de comunhão, que traduz a situação espiritual do mundo, e os movimentos litúrgico, bíblico e ecuménico, movimentos internos de renovação, em que despertava a consciência eclesial, convergem na redescoberta da Igreja como comunhão. E o concílio, atento a uma das questões mais profundas do nosso tempo, purificando-a à luz do Evangelho, procura responder-lhe de uma forma que supera a questão e a busca puramente humanas.
E a inovação do Vaticano II de maior transcendência para eclesiologia e para a vida da Igreja foi o ter centrado a teologia do mistério da Igreja sobre a noção de comunhão, que é a ideia central e fundamental nos documentos conciliares.
A comunhão entre os homens é o sinal e reflexo da nossa comunidade pessoal com Deus; aquela é possível apenas como praxe da adoração, como praxe do reconhecimento concreto da transcendência da comunhão trinitária.

O individualismo não tem lugar na Igreja pois a comunhão e a relação pessoal constituem o seu tecido.

Ambientes Pessoais de Aprendizagem

Artigo realizado na UC Modelos de Ensino à Distância, do Mestrado em Pedagogia do E-Learning, da Universidade Aberta, no âmbito da qual este trabalho foi realizado, sob orientação da Docente, Prof. Doutora Lina Morgado.

Resumo
Neste artigo faz-se uma aproximação ao conceito de Ambiente Pessoal de Aprendizagem, também denominado PLE (Personal Learning Environment). Esta aproximação faz-se um pouco pela contraposição com os clássicos LMS’s (Learning Management System). O PLE centra-se no aprendente que utilizará um agregado de ferramentas, que personalizará de acordo com as suas preferências e necessidades. Esta realidade dá ao aprendente o controle da sua aprendizagem, quer num contexto pontual, quer na aprendizagem ao longo da vida.
Por que este é um conceito ainda recente, é compreensível que haja alguma disparidade e até divergência no modo como se percebe, constrói e acolhe ferramentas que suportem este modo de aprender. Razão pela qual este artigo aborda aquelas que deverão ser, no nosso entender e de acordo com a literatura disponível, os serviços que deverão estar presentes nas ferramentas adoptadas ou a adoptar pelo aprendente.

Palavras-chave:
Personal Learning Environment, PLE, Aprendizagem.

Metodologia
Analisámos alguma literatura relativa a aos Ambientes Pessoais de Aprendizagem.

Introdução
Os PLE (Personal Learning Environment – Ambiente Pessoal de Aprendizagem) são recursos que pretendem ajudar o aprendente a ter o controlo e a gerir a sua aprendizagem. Para que isso seja possível: os aprendentes podem definir os seus objectivos de aprendizagem; realizar a gestão da aprendizagem, através da gestão de conteúdos e de processos; e comunicar com outros participantes no processo de aprendizagem. Por isso, de acordo com a literatura disponível, o conceito de PLE representa o mais recente passo evolutivo para uma aprendizagem centrada, não na instituição, mas no aluno.
“representa, de certa forma, o convergir de muitos dos aspectos que temos vindo a referir no que toca às mudanças sociais e culturais provocadas pelo desenvolvimento tecnológico, nomeadamente com a Web 2.0, e que acabam por ter, inevitavelmente, um forte impacto na educação e na concepção da aprendizagem. Os PLEs representam, se quisermos, uma busca para operacionalizar nestas áreas os princípios do e-Learning 2.0, do poder e autonomia do utilizador / aprendente, da abertura, da colaboração e da partilha, da aprendizagem permanente e ao longo da vida, da importância e valor da aprendizagem informal, das potencialidades do software social, da rede como espaço de socialização, de conhecimento e de aprendizagem”[José Mota (6-2009) – Da Web 2.0 ao e-Learning 2.0: Aprender na Rede].

Ambiente Pessoal de Aprendizagem
Quando Ron Lubensky[Ron Lubensky, The present and future of Personal Learning Environments (PLE), Disponível em https://www.deliberations.com.au/2006/12/present-and-future-of-personal-learning.html. [Acedido em 07-07-2009]], em 2006, ensaia uma definição diz que “um Ambiente Pessoal de Aprendizagem é uma iniciativa para que um indivíduo aceda, agregue, configure e manipule artefactos digitais das suas experiências de aprendizagem”.
Na sua definição, Ron Lubensky procura congregar alguns aspectos aglutinadores da identidade dos PLEs. Refere, e passo a transcrever, que:
1. Os PLEs são controlados pelo indivíduo e depois separados de portais institucionais como Ambientes de Aprendizagem Virtuais (VLE) universitários ou Plataformas de Ensino (LMS) profissionais, para os quais os objectivos de construção correspondem às exigências institucionais.
Os artefactos geridos através dos PLEs incluem os recursos digitais e referências com as quais os indivíduos preferem interagir de momento e talvez recordar no futuro. Os recursos incluem não só texto estático e multi-média mas também serviços dinâmicos e seus artefactos, tais como mensagens instantâneas, fóruns on-line e entradas de blogues. Embora um ePortfolio contenha observações actuais sobre o objectivo da reflexão, avaliação e auto-promoção, o PLE inclui um repositório maior que também inclui ligações e comentários para os três propósitos.
2. O principal objectivo de um PLE para um indivíduo é o de reunir todos os diferentes artefactos de interesse para a aprendizagem. O pressuposto é que existem muitos artefactos, organizá-los é demorado e é fácil esquecê-los. O objectivo dos PLEs é simplificar a gestão destes artefactos, criar sentido através da agregação, ligação e etiquetagem através de meta-dados (p. ex: comentários, palavras-chave).
3. Um PLE integra-se com serviços digitais que o indivíduo subscreve. Podem ser os LMSs universitários, os CMSs do trabalho ou uma colecção de serviços da denominada Web 2.0, como o bookmarking social ou partilha de fotografias.
4. Um PLE engloba as várias experiências de aprendizagem que um indivíduo subscreve durante a sua vida. Os estudantes do liceu operam o seu próprio PLE, ligando-o ao Ambiente de Ensino Virtual (Virtual Learning Environments) da escola. Quando entram na universidade, pode ser ligado ao da universidade. Entrando numa actividade profissional, o indivíduo pode então ligar o PLE à aprendizagem empresarial e a funcionalidades de desenvolvimento profissional. Ao mesmo tempo, o indivíduo pode escolher ligar-se individualmente a uma crescente vaga de serviços da Web 2.0 que possam ser úteis para fomentar o crescimento e aprendizagem pessoal.

Graficamente, podemos ver como os PLE’s se situam na intersecção da VLEs, Web 2.0 e uma vista expandida da ePortfolios.

© Ron Lubensky


PLE vs LMS

Para se poder perceber o modo como os PLEs vão sendo adoptados, é preciso compreender a sua evolução, nomeadamente por comparação com os LMS’s e VLE’s. Estes tendem a perpetuar o modelo de instrução tradicionalista da educação, onde o objectivo principal dos sistemas é organizar conteúdos de cursos para transmissão a alunos matriculados, com um grande controlo por parte das instituições.
“Poucos VLEs fornecem áreas de partilha de ficheiros e funcionalidades de colaboração como conversação e fóruns de discussão. Nas universidades, os VLEs geralmente servem como gateways seguros para índices digitais e relatórios de pesquisa. A não ser que os estudantes copiem manualmente os materiais da área do VLE, todos os indícios da sua experiência de aprendizagem são perdidos após a conclusão dos seus estudos”[Idem].
O conceito de PLE surgiu um pouco como resposta aos constrangimentos dos LMS, vistos muitas vezes como limitadores da aprendizagem. Acresce ainda o facto de o acesso a outros recursos Web serem vistos, muitas das vezes, como uma ameaça às instituições, em vez de serem encarados como uma vantagem. Contudo, as reflexões sobre os PLEs surgiram também pela assumpção da existência de oportunidades reais de aprendizagem com muitos dos serviços da WEB 2.0.
Vejamos graficamente o conceito de PLE [Imagem retirada de Scott Leslie – A Collection of PLE diagrams].

Podemos, então, dizer que os PLEs se centram nos aprendentes, ao passo que os LMS se centram mais na instituição e nas suas necessidades de organizar e controlar todo o processo.

Operacionalização
Quando o aprendente pretende construir o seu PLE espera-se que utilize um conjunto de serviços unificado, que ele personaliza de acordo com os seus objectivos e necessidades. Com isso, consegue-se que o aprendente tenha um grande controlo e liberdade para colaborar com outros aprendentes, na utilização de recursos.
Porque esta realidade ainda é muito nova, e porque não há uma ferramenta por nós conhecida que se possa chamar a ferramenta de apoio por exelência, vamos propor um modelo referência que adoptámos, de Milligan et al.[Milligan, Colin; Beauvoir, Phil; Johnson, Mark; Sharples, Paul; Wilson, Scott; & Liber, Oleg. (2006). Developing a reference model to describe the personal learning environment. Disponível em https://www.box.net/public/nuc1azcray [Acedido em 12-07-2009]]. Procura definir o conjunto de serviços e ferramentas que o aprendente precisa para interagir com os serviços de um PLE.
Depois de uma vasta pesquisa, os autores identificaram um conjunto de serviços que deverão estar presentes num PLE:
* Gestão da Actividade (Activity Management) – este serviço fornece uma função de coordenação para grupos, gerindo a interacção com uma actividade. Facilita a adesão a grupos e a sua desanexação, bem como contribuir e aceder a recursos.
* Fluxo de Trabalho (Workflow) – um serviço deste tipo coordena o estado de um recurso como, por exemplo, uma actividade de aprendizagem, processando os eventos relativos aos utilizadores e reportando informação relativa às modificações desse recurso.
* Sindicância (Syndication) – facilita a descoberta e a contextualização de recursos.
* Publicação (Posting) – permite a apresentação de recursos.
* Grupo (Group) – fornece a informação sobre a composição dos grupos.
* Classificação, Anotação e Recomendação (Rating, Annotating, and Recommending) – em conjunto, estes serviços suportam uma grande variedade de actividades, desde a simples classificação até ao fornecimento de informação de retorno, relativa a um conteúdo específico.
* Presença (Presence) – permite indicar a disponibilidade de um utilizador e propagar este estado.
* Perfil Pessoal (Personal Profile) – permite ao utilizador manter um perfil pessoal (ou vários) e partilhar esta informação com outros quando necessário ou desejado.
* Exploração e Percursos (Exploration and Trails) – permite a partilha de percursos, através dos conteúdos.
O Modelo de Referência do PLE constitui um mínimo de serviços identificados, que se articulam e pressupõem uma série de padrões prévios, analisados pelos autores citados. Mas vejamos graficamente o Modelo[Imagem retirada de Milligan et el. Ibidem].


Considerações Finais

Depois deste breve recorrido, consideramos poder afirmar que os PLE são uma realidade a ter bem em conta no futuro da educação, quer pela possibilidade de expandir o campo da aprendizagem durante o tempo formal de aprendizagem, quer pela possibilidade de apoiar e possibilitar a aprendizagem ao longo da vida. A isto acresce a mais-valia de um PLE poder acompanhar o indivíduo ao longo da vida, das suas transições académicas, profissionais e pessoais.
Tendo presente as mudanças culturais, assentes na Web, nomeadamente a 2.0, os PLE também respondem e são potenciadores desta mudança de paradigma cultural, o que postula uma compreensão atenta desta realidade.

Bibliografia

  • Fridolin Wild, Felix Mödritscher, Steinn Sigurdarson – Designing for Change: Mash-Up Personal Learning Environments. Disponível em https://www.elearningeuropa.info/files/media/media15972.pdf. [Acedido a 15-07-2009].
  • José Mota (6-2009) – Da Web 2.0 ao e-Learning 2.0: Aprender na Rede. Dissertação de Mestrado, Versão Online, Universidade Aberta. Disponível em https://orfeu.org/weblearning20/. [Acedido a 16-07-2009].
  • Mohamed Amine Chatti – LMS vs. PLE, disponível em https://mohamedaminechatti.blogspot.com/2007/03/lms-vs-ple.html. [Acedido a 15-07-2009].
  • Ron Lubensky – The present and future of Personal Learning Environments (PLE), Disponível em https://www.deliberations.com.au/2006/12/present-and-future-of-personal-learning.html. [Acedido a 07-07-2009].
  • Sandra Schaffert, Wolf Hilzensauer – On the way towards Personal Learning Environments: Seven crucial aspects. Disponível em https://www.elearningeuropa.info/files/media/media15971.pdf. [Acedido a 15-07-2009].
  • Scott Leslie – A Collection of PLE diagrams. Disponível em https://edtechpost.wikispaces.com/PLE+Diagrams. [Acedido em 15-07-2009].

Cultura ‘Blip’ – Uma leitura da Obra de Alvin e Heidi Toffler

Trabalho apresentado na UC Educação e Sociedade em Rede (Prof. Pedro Abrantes),do Mestrado em Pedagogia do E-Learning, da Universidade Aberta.



Resumo
Com as novas tecnologias, as sociedades estão a mudar. A transformação avança todos os dias, a um ritmo alucinante. Caminham para um estado totalmente novo, impossível de perceber com as categorias de pensamento do passado.
Alvin Toffler e a sua esposa dedicam a sua reflexão a tentar compreender esta mudança e a apontar, tanto quanto possível, soluções viáveis para os problemas que estas convulsões acarretam, para se viver bem no séc. XXI.
Este trabalho passa em revista os pontos principais da sua obra, frisando os aspectos que consideramos mais peculiares.

Palavras-Chave:
Choque do Futuro, Terceira Vaga, Revolução Industrial, Economia, Informação, Poder, Comunicação.

Metodologia
Analisámos os livros publicados por Alvin e Heidi Toffler, procurando fazer uma síntese.

Introdução
Alvin e Heidi Toffler são conhecidas em todo o mundo por seu trabalho que tem influenciado presidentes e primeiros-ministros, altos dirigentes de empresas em áreas que vão para organizações sem fins lucrativos, bem como educadores, psicólogos e sociólogos.
Cada um dos seus livros foi aclamado pela originalidade, clareza e invulgar tomada de consciência dos desafios e oportunidades emergentes.
Conhecidos por terem previsto a aceleração da vida quotidiana, o declínio da família nuclear e a propagação da solidão, os Tofflers há décadas atrás também anteciparam a realidade virtual, nichos de mercado, sobrecarga de informação, trabalhar desde casa, o produto personalização, a “des-massificação” dos meios de comunicação de massa, a ameaça do terrorismo e muitos outros aspectos da vida contemporânea.
O que possivelmente mais diferencia os Tofflers, em relação com outros autores, é a sua insistência em que não pode haver transformação económica sem uma correspondente transformação da sociedade, das políticas e instituições culturais e valores.

1. Choque do futuro

Antes de mais, começaremos por tentar definir Choque do Futuro (expressão típica de Alvin Toffler): é “a desorientação e o stress resultantes de tentar enfrentar demasiadas mudanças num espaço de tempo demasiado pequeno – a aceleração da história com consequências próprias, independentemente das efectivas direcções da mudança. O simples acelerar dos eventos, quer as mudanças sejam entendidas como boas, quer como más”(A. Toffler, 1991, 9). Perante tal facto, as pessoas são obrigadas a escolher. É aí que o problema se manifesta com maior agudeza. Em semelhante ambiente, “rapidamente mutável e desconhecido, seremos obrigados, ao percorrer o nosso caminho na vida, a fazer escolhas, a decidir pessoalmente entre uma gama diversa de opções. (…)Será a convergência final destes três factos – transição, novidade e diversidade – que preparará o cenário da crise histórica de adaptação”(A. Toffler, 1972, 257).
O choque do futuro surge com a desorientação perante a mudança, quando sé é obrigado a fazer escolhas num ambiente muito mutável.

1.1 As 3 Vagas
Convém esclarecer o que os Toffler entendem por Primeira Vaga, Segunda Vaga e Terceira Vaga. Antes de mais Vaga refere-se a vagas de mudança, que segundo eles, se deram desde o início da humanidade.
A Primeira Vaga operou-se quando o homem nómada se fixou, tornando-se agricultor. Não dependia apenas daquilo que a natureza lhe dava, mas plantava ele mesmo o que queria para a sua alimentação.
A Segunda Vaga ocorreu aquando da industrialização, surge com o aparecimento da máquina e da produção em série. Aí, o homem abandona o campo e o seu meio familiar para se dirigir para os grandes aglomerados populacionais, a fim de trabalhar nas fábricas. Dá-se mais uma modificação profunda na humanidade. Com o aparecimento da Segunda Vaga não acaba a Primeira Vaga, assim como não acabou o estilo nómada. Os conflitos surgem quando as várias vagas coabitam no mesmo espaço geográfico. Foi o confronto entre o Norte industrializado – Segunda Vaga – e o Sul agrícola – Primeira Vaga – que originou a Guerra Civil americana.
Actualmente vive-se já a Terceira Vaga que surge com o aparecimento e divulgação do computador e das possibilidades técnicas de uma sociedade em rede. Onde mais do que a matéria-prima é importante o conhecimento – o saber fazer – de um determinado produto.

1.2 Transitoriedade
Os indivíduos, com este excesso de escolhas que foram obrigados a fazer, sentem-se amargurados, “mergulhados num desgosto e numa solidão intensificados pela própria multiplicidade das suas opções”(A. Toffler, 1984, 223).
Contudo, o haver várias opções torna possível a liberdade; caso contrário, limitar-nos-emos a receber aquilo que alguém nos impôs. Mas é precisamente no campo da possibilidade de escolha que se manifesta a falta de preparação que o homem hodierno tem para viver e enfrentar a sociedade actual. Esta falha lança-o para um estado de crise. Crise essa que diz respeito a todos, é envolvente. Todos somos protagonistas, actores e espectadores de um tempo de incrível e incontida aceleração da história, de um tempo de mutação de hábitos, de formas e de valores de vida. Perante este facto, que pode passar despercebido, urge tomar consciência do facto, não o disfarçar, nem menosprezar.
Assim sendo, o tomar consciência apresenta-se como um meio necessário para encaminhar energias para uma possível solução, que caso contrário desperdiçar-se-iam inutilmente.
Com o aumento da transitoriedade, as pessoas vivem num elevado estado de mudança, por isso, “a duração das suas conexões é reduzida”(A. Toffler, 1972, 50-51. Isto condiciona o modo como se enfrenta a realidade; a sua aptidão ou inaptidão para enfrentar as dificuldades. Esta movimentação rápida, “combinada com a crescente novidade e complexidade do ambiente que os rodeia, força a capacidade de adaptação e cria o perigo do choque do futuro”(A. Toffler, 1972, 51).
As sociedades da Segunda Vaga, muito presas aos modelos do passado estão desnorteadas com a velocidade com que a informação chega até junto do comum dos cidadãos. Com os novos media, a informação chega a um ritmo alucinante, quase impossível de ser acompanhada; o que cria uma “desintegração da personalidade” (A. Toffler, 1995, 38). As pessoas, desorientadas, sentem-se incapazes de compreender a mudança. Contudo, existe uma ordem, embora ainda oculta, que se torna detectável à medida que começamos a distinguir as alterações da Terceira Vaga daquelas que estão associadas à Segunda Vaga, agora em irremediável declínio.
Podemos já dizer que o choque do futuro é a consequência da falta de preparação dos cidadãos para enfrentar as rápidas mudanças a que estamos sujeitos; a passagem da Segunda Vaga para a Terceira Vaga. Esse choque será tanto menor quanto maior for a capacidade de adaptação do indivíduo e do grupo.

1.3 Mudança
A mudança, ao atravessar tumultuosamente a sociedade, “alarga a brecha entre aquilo que julgamos ser e o que de facto é, entre as imagens existentes e a realidade que elas devem reflectir”(A. Toffler, 1972, 180). Quando esta brecha é moderada podemos ainda fazer frente à mudança mais ou menos racionalmente. Mas quando a brecha se alarga muito, sentimo-nos incapazes, recuamos ou cedemos ao pânico. A mudança é o processo pelo qual o futuro ‘invade’ as nossas vidas. Este aspecto nem sempre foi tido em conta. Com isto descuramos a instrução de gente que poderia vir a desempenhar tarefas de forma frutuosa numa sociedade superindustrial, para a qual caminhamos.
A mudança mexe com tudo; por isso a responsabilidade pela mudança pertence-nos. Devemos ter a coragem de começarmos por nós a não fecharmos prematuramente o espírito ao novo e ao insólito. Embora “isso signifique lutar contra os assassinos de ideias que avançam impetuosamente para matar qualquer nova sugestão a pretexto da sua impraticabilidade enquanto defendem seja o que for que já existe como prático, por muito opressivo ou inviável que possa ser. Significa lutar pela liberdade de expressão – o direito do povo de expor as suas ideias, mesmo que heréticas” (A. Toffler, 1995, 214).
Com o actual estado económico do mundo torna-se propício falar de mudança porque nunca se viram tantas pessoas com um nível razoável de educação e apetrechados com uma incrível gama de conhecimentos. Mas acima de tudo, “nunca tantos tiveram tanto a ganhar se contribuírem para que as modificações necessárias, embora profundas, sejam feitas de forma pacífica” (A. Toffler, 1995, 210), sem danos e de uma forma que abarque toda a gente.
Mas é o acelerar vertiginoso da temporalidade que caracteriza cada vez mais as relações humanas deste tempo; o superindustrialismo. Do mesmo modo que as coisas e os lugares, as pessoas também atravessam as nossas vidas a uma velocidade cada vez maior. A arte manifesta-nos isso mesmo, pois lá, como “na linguagem, estamos a correr para a impermanência. As relações do homem com a imaginária estão a tornar-se cada vez mais temporárias” (A. Toffler, 1995, 178). Pois a linguagem e a arte, códigos com os quais transmitimos uns aos outros as mensagens portadoras de imagens, renovam-se também mais depressa.
Pode-se compreender e ultrapassar as dificuldades criadas pela mudança, abrindo o espírito ao novo e tomando as opções certas. Para isso devemos estar conscientes de que a impermanência é a característica que mais dificuldades coloca ao indivíduo numa sociedade superindustrial.

2. Terceira Vaga

A Terceira Vaga reflecte uma enorme aceleração da mudança, sendo esta a marca característica da nossa história (A. Toffler, 1995, 13-14). Com todas as transformações e mudanças já nada é como antes. A civilização de ontem está a morrer. Com o aparecimento da Terceira Vaga, surge a “crise final e irreparável do industrialismo” (A. Toffler, 1984, 116), o que o condena à morte.
Esta nova era de mudança surgiu nos Estados Unidos da América por volta de 1955-1965, e vai-se alargando ao resto do mundo. Esta passagem pode ser observável, por exemplo, na indústria. Uma vez que substituindo as indústrias manufactureiras de massa da Segunda Vaga pelas novas, as indústrias da Terceira Vaga, estamos a fazer mais do que “uma simples substituição. As novas indústrias vão realmente ser diferentes das antigas.(…) Porque diferem delas em milhares de maneiras. A espécie de produtos. A espécie de pessoas que nelas entram. As suas estruturas organizativas. O seu estilo e cultura. E ao nível mais profundo – o nível do conhecimento – representam um corte fundamental com o passado(…). O resultado é que as indústrias da nova Terceira Vaga têm implicações sociais, organizativas, culturais e ambientais absolutamente diferentes. Não se parecem mais com as indústrias manufactureiras massificadas do que um raio laser se parece com um aríete” (A. Toffler, 1987, 28-29).
A ascensão da Terceira Vaga é feita com mais ou menos velocidade conforme o caminho já percorrido por cada país, em direcção ao progresso tecnológico e ao desenvolvimento. Este caminho, com o surgir da Terceira Vaga, muda de rumo. Agora não se aperfeiçoam as técnicas e instituições do passado, reestruturam-se. O mundo enfrenta um salto quantum em frente. Sem que o reconheçamos nitidamente, “estamos empenhados em construir uma notável civilização nova a partir do zero. É este o significado da Terceira Vaga” (a. Toffler, 1995, 27).
Criaremos uma sociedade que deixe para as máquinas as tarefas físicas e repetitivas e o ser humano encarregar-se-á da informação, do conhecimento e da imaginação (A. Toffler, 1972, 395). Com os novos meios de comunicação, no futuro, não vai ser precisa a presença do homem para que a linha de produção não pare. A tecnologia pode então trazer mais espaços de liberdade para o ser humano. Cria-se um ambiente de trabalho mais versátil, no qual o operário pode gerir o seu tempo de trabalho, independentemente dos seus colegas. Deixa de estar sujeito a horários rigidamente fixos.
As pessoas versáteis e inteligentemente ágeis são aquelas que irão ser mais bem sucedidas. A versatilidade será recompensada individual e empresarialmente (A. Toffler, 1987, 180-181).
Também aqui a tecnologia tem uma palavra a dizer. Alvin Toffler, baseado em relatórios da UNESCO, afirma que “quanto mais avançada for a tecnologia de um país, maiores serão as probabilidades de se encaminhar para a diversidade literária e se afastar da uniformidade. (…) Francis Bacon disse-nos que «conhecimento… é poder». Agora podemos traduzir estas palavras em termos contemporâneos: no nosso meio social «conhecimento é mudança» – e acelerar a aquisição de conhecimentos, alimentar o grande motor da tecnologia, equivale a acelerar a mudança” (A. Toffler, 1972, 268-269).
Devido ao aumento de importância das novas tecnologias e ao seu emprego em todas as áreas de produção e controle, no futuro dominará o mundo quem dominar a técnica.
Podemos constatar que actualmente vivemos mergulhados num mundo de informação, onde os mass media se esforçam por tornar o mundo mais pequeno. Embora a aldeia global ainda seja uma metáfora, no futuro deixará de o ser. Não nos limitaremos a ficar ao corrente daquilo que se passa, mas influenciaremos, nós próprios, decisões e acontecimentos a milhares de quilómetros dos nossos lares. Para isso, contaremos com a ajuda dos sistemas de comunicação interactivos (A. Toffler, 1995, 7).
Assim, com toda a informação que nos chega das diversas partes do globo, em vez de recebermos meramente o nosso modelo mental da realidade, somos agora obrigados a reinventa-lo continuamente. Isto coloca sobre nós um grande fardo, mas também conduz a uma individualidade maior, a uma desmassificação da personalidade assim como da cultura. Em qualquer dos casos, quer a tensão se revele demasiado grande, quer não, o resultado fica muito longe dos robots uniformes, estandartizados e facilmente arregimentados previstos por tantos sociólogos e escritores de ficção científica da era da Segunda Vaga. Agora somos obrigados a pensar continuamente a informação que nos chega (A. Toffler, 1984, 165).
Com os actuais meios de comunicação, cada vez mais nos vemos invadidos por valores e realidades estranhas à nossa cultura. Somos confrontados com culturas muito diferentes da nossa. Mas isso pode não querer dizer que as diversas culturas estejam a acabar, surgindo uma cultura mundialmente única. O que pode e deve acontecer é que as actuais culturas se repensem à luz daquilo que lhes chega das outras culturas; mantendo aquilo que é peculiar de cada uma e mudando o que pode ser mudado, sem que se perca a própria identidade. As diversas culturas, depois deste passo, tomarão consciência de que os blips ininterruptos de informação que recebem não constituem um perigo para a sua identidade, desde que confrontados com o que já existe; aproveitando o que é possível. Com esta transformação dá-se um emriquecimento mútuo das várias culturas. Podemos, então, considerar cultura ‘blip’ qualquer cultura que integre a técnica e os modernos meios de comunicação social, sem que se deixe aniquilar. Em suma, é uma cultura que já integrou todas as potencialidades das técnicnologias.

3. Conhecimento
A sociedade para a qual caminhamos é uma sociedade eminentemente simbólica, onde o conhecimento possui o papel principal, e pode ser um bom substituto de “outros recursos”(A. Toffler, 1994, 183).

3.1 O conhecimento
É um dado inegável que as riquezas estão mal distribuídas, criando entraves ao desenvolvimento e à justiça. Com o conhecimento, este problema pode vir a ser resolvido, porque apesar do mundo estar dividido entre ricos e pobres, verifica-se que, comparada com as outras duas fontes de poder, “a riqueza tem sido, e é, a menos mal distribuída”(A. Toffler, 1991, 34). O conhecimento é ainda um previlégio de alguns países. Pois poucos são os que possuem conhecimentos suficientes para desenvolver um determinado produto. Assim, as nações ricas em mudança rápida, para além de lutarem pela riqueza, lutam pelo conhecimento, quer este seja bélico quer não.
Por tudo isto, e a não ser que compreendamos como e para quem o conhecimento flui, não poderemos proteger-nos a nós próprios contra o abuso do poder nem criar a sociedade melhor e mais democrática que as tecnologias de amanhã prometem (A. Toffler, 1991, 34).
O conhecimento é detentor de características que o tornam muito peculiar na distribuição do poder. Para todos os efeitos práticos, a força é finita e o mesmo acontece com a riqueza material. Com o conhecimento, pelo contrário, não é assim. Podemos sempre “gerar mais e nunca alcançaremos o conhecimento máximo de coisa nenhuma, mas podemos avançar sempre um passo mais para a compreensão arredondada de qualquer fenómeno. O conhecimento, pelo menos em princípio, é infinitamente expansível. (…) Mas a característica verdadeiramente revolucionária do conhecimento é que pode ser apreendido também pelos fracos e pelos pobres” (A. Toffler, 1991, 33-34).
O conhecimento aparece, então, como uma saída viável para muitos problemas. À luz disto podemos ver que apenas dar alimentos e medicamentos não é uma saída para a miséria de um povo. É necessário dar sementes e conhecimentos, para que esse povo consiga, por si, resolver as suas necessidades: mais do que dar um peixe, ensine-se a pescar. A “riqueza não surge apenas dos campos, fábricas, escritórios ou máquinas. E a revolução da riqueza não tem somente a ver com o dinheiro. (…) A importância do conhecimento na criação da riqueza cresceu de forma constante e está agora em vias de saltar para um nível muito elevado e atravessar novas fronteiras, à medida que cada vez mais regiões do mundo se ligam a um banco cerebral planetário em constante crescimento, em constante mudança e cada vez mais acessível. Como resultado disso, todos nós – ricos ou pobres – iremos viver e trabalhar com a revolução da riqueza ou com as suas consequências” (A. Toffler, 2007, IX-X)
Uma máquina só serve para um determinado fim, e só pode ser usada para um fim de cada vez. O conhecimento não. “Pode ser usado por muitas pessoas simultaneamente, para criar riqueza e para produzir ainda mais conhecimento. E, diferentemente das fábricas e dos campos, o conhecimento é, para todos os efeitos, inesgotável”(A. Toffler, 1995, 71). Assim e “porque reduz a necessidade de matérias-primas, mão-de-obra, tempo, espaço, capital e outros activos, o conhecimento transformou-se no substituto final – o recurso supremo de uma economia avançada. E, sendo assim, o seu valor vai crescendo”(Idem), e torna-se a mais importante fonte de poder.
Com a tomada de consciência da importância do conhecimento passamos de um mundo bipartido – ricos e pobres – para um mundo tripartido. Esta passagem “poderá perfeitamente desencadear as mais profundas lutas pelo poder no nosso planeta, à medida que cada país tentar posicionar-se na emergente estrutura de três anéis do poder. Por trás desta monumental redistribuição de poderes reside uma mudança no papel, significado e natureza do conhecimento” (A. Toffler, 1995, 56-57).
Com este tipo de propriedade, as riquezas tradicionais entram em declínio importancial e cresce a importância do saber fazer – o conhecimento. Este surge assim como algo de extraordinário. Pode ser partilhado, dado e aumentado, sem que aquele que dá ou partilha fique mais pobre, descapitalizado.

3.2 Características do conhecimento

No livro A Revolução da Riqueza, o Toffler (2007, 110-112) sumariam e sintetizam aquilo que eles consideram ser as 10 características do conhecimento. É o que veremos a seguir.
1 – O conhecimento é, intrinsecamente, não-concorrencial. Porque quanto maior for o número de pessoas que o utilizam, maior a probabilidade de alguém gerar mais conhecimento a partir daquele que dispõe.
2 – O conhecimento é um activo intangível. Não podemos tocar, acariciar ou esbofetear o conhecimento. Mas podemos – e é isso que fazermos – manipulá-lo.
3 – O conhecimento não é linear. Isto porque o mais pequeno discernimento pode dar origem a grandes resultados.
4 – O conhecimento é relacional. Qualquer componente do conhecimento só ganha sentido quando se justapõe a outros componentes que o contextualizam.
5 – O conhecimento associa-se a outro tipo de conhecimento. Quanto mais conhecimento existe, mais promíscuas, numerosas e variáveis são as combinações úteis e possíveis.
6 – O conhecimento é mais portátil do que qualquer outro produto. Assim que seja reduzido a linguagem binária, pode circular livremente através do mundo, através da Web, a um preço nulo ou irrisório.
7 – O conhecimento pode ser condensado em símbolos ou abstracções. Esta é por demais evidente.
8 – O conhecimento pode ser armazenado em espaços cada vez mais reduzidos. Basta ver que no meu portátil tenho muita mais informação do que nos livros todos que tenho na minha casa.
9 – O conhecimento pode ser explícito ou implícito, manifestado ou não, partilhado ou tácito. Não há mesas, camiões ou outros tangíveis tácitos.
10 – O conhecimento é difícil de confinar. Espalha-se.

Depois de vermos todas estas características do conhecimento, deparamo-nos com o facto de ele não se poder encaixar nas categorias económicas existentes. Logo irá provocar uma alteração da economia.

3.3 A nova tecnologia
Com a mudança muito acelerada que hoje se verifica e o incremento de meios tecnológicos cada vez mais avançados, destinados a acelerar a investigação e o desenvolvimento científico, o metabolismo do conhecimento está a funcionar mais depressa (A. Toffler, 1991, 469). E isto deve-se muito às novas tecnologias, das quais o computador tem o papel de trampolim e controlador; impulsiona as novas descobertas e é com ele que se controlam os novos engenhos.
Mas os computadores não são super-humanos. Avariam-se e cometem erros, mas não deixam de ser o engenho mais espantoso jamais construído pelo ser humano. Senão vejamos, o computador apareceu em cena por volta de 1950. Com a sua “inaudita capacidade de análise e disseminação de variadíssimas espécies de dados, em quantidades inacreditáveis e a velocidades alucinantes, transformou-se numa grande força acelerativa da aquisição de conhecimentos. Combinado com outros instrumentos analíticos de potência crescente destinados a observar o universo invisível que nos cerca, o computador elevou espantosamente o ritmo de aquisição de conhecimentos” (A. Toffler, 1972, 37). Basta referir as bases de dados e os ficheiros electrónicos para vermos, de uma forma simples, como o computador pode contribuir para o aumento dos conhecimentos do ser humano. A activação desta memória recém-exposta “desencadeará novas energias culturais, pois o computador não só nos ajuda a organizar ou a sintetizar «blips» em modelos de realidade coerente, como também estende os limites máximos do possível.(…) Torna possível um fluxo de novas teorias, ideias, ideologias, visões artísticas, progressos técnicos e inovações económicas e políticas que antes eram, no sentido mais literal, impensáveis e inimagináveis. Deste modo, acelera a mudança histórica e alimenta a arrancada no sentido da diversidade social da Terceira Vaga”(A. Toffler, 1984, 177).
Com a crescente importância dada às novas tecnologias da informação é imprescindível que estas não fiquem nas mãos de elites perigosas, como sejam os terroristas. Pois agora, um indivíduo ou um pequeno grupo podem possuir instrumentos de destruição em massa, desde que disponham da informação necessária para a produzir. E essa informação é cada vez mais acessível. Há que dar outro papel às tecnologias da informação. Estas podem e devem servir para dar igualdade de oportunidades. Uma vez que os meios de comunicação social podem ser utilizados pelos governantes para influenciar os cidadãos através do impacto das suas mensagens, também condicionam as decisões dos governantes. Não é aceitável que estas tecnologias só sejam acessíveis a uns e permaneçam fora do alcance dos outros.

3.4 Ambiente inteligente
Com todo este desenvolvimento tecnológico “estamos a ‘tornar inteligente’ o nosso ambiente de trabalho”(A. Toffler, 1984, 168). Nos locais laborais “os tipos de especialização necessários estão a mudar muito depressa; precisamos cada vez mais de «multiespecialistas» (homens que conhecem uma matéria fundo, mas que podem também dedicar-se a outras), de preferência aos «monoespecialistas» rígidos. Mas continuamos a ter necessidade de peritos cada vez mais especializados – e a criá-los -, à medida que a complexidade da base técnica da sociedade aumentar. Só esta razão bastaria para que a variedade e o número de subcultos se multiplicassem”(A. Toffler, 1972, 284-285).
A inadaptação social, criada pela modernização das indústrias gera mal-estar social. A solução do desemprego agora é diferente. Já não é possível reduzir o desemprego “aumentando simplesmente o número de postos de trabalho, porque o problema já não é meramente de números. O desemprego passou de quantitativo para qualitativo.(…) Mas qualquer estratégia efectiva para reduzir o desemprego numa economia super-simbólica tem de depender menos da repartição de riqueza e mais da repartição de conhecimento”(A. Toffler, 1991, 90-91).
Em suma, o conhecimento é crucial nos tempos que correm(A. Toffler, 1994, 182-183).
Perante este facto não se pode ficar indiferente. A “revolução do sistema de riqueza da Terceira Vaga é, cada vez mais, baseada no conhecimento – e põe a economia no seu lugar enquanto simples parte de um sistema maior, trazendo, para o bem e para o mal, questões como a identidade cultural, a religião e a moral, de novo, para o centro da discussão” (A. Toffler, 2007, 420)

Considerações Finais
O choque do futuro é fruto da falta de adaptação do homem às mudanças que se estão a operar a uma velocidade vertiginosa.
As pessoas sentem muita dificuldade em adaptar-se às mudanças, pois estas operam-se em espaços de tempo muito curtos. Este factor, a inadaptação ao futuro, acarreta angústia e mal-estar, pois os indivíduos sentem-se arrastados para uma sociedade que não lhes é familiar, apesar de ser a sua… Isto por dois motivos: a falta de liberdade e a falta de preparação. Existem muitas possibilidades de escolha, mas a falta de preparação para saber escolher, e escolher convenientemente, traz a falta de liberdade e a angústia.
Perante este facto, a primeira coisa a fazer é tomar consciência do problema, o que permite canalizar energias, que de outra forma se perderiam no meio da confusão, ficando desaproveitadas.
Mas cabe a cada cidadão a responsabilidade da mudança. Para isso é preciso uma educação adequada, que dê resposta aos problemas concretos da sociedade, que prepare cidadãos para o futuro. Para que isso seja possível deve ter-se em atenção as necessidades do presente e, principalmente, do futuro, que invade a uma velocidade cada vez maior.
A sociedade emergente é uma sociedade super-industrial. Com ela a civilização industrial passa à história e nasce uma nova civilização. Esta não é apenas o aperfeiçoar da civilização anterior. É antes o reestruturar de toda a realidade. A humanidade dá um salto não só quantitativo, mas sim, e acima de tudo, qualitativo.
A nova sociedade é uma sociedade eminentemente simbólica, onde o conhecimento possui um papel importante. Por isso é nele que reside parte da solução para o desenvolvimento.
O conhecimento, além de ser importante para o desenvolvimento, é uma boa saída para a promoção dos países mais pobres. Este, ao contrário do dinheiro e da força, é inesgotável e pode ser aumentado sempre e cada vez mais. Pode ser usado para mais do que um fim e por várias pessoas ao mesmo tempo.
O conhecimento deve contar com a ajuda das novas tecnologias, que o ajudarão a expandir-se e a tornar-se acessível a todos, diminuindo ou até anulando as desigualdades.
Assim surge a cultura ‘blip’ que vai fazer com que não se crie uma só cultura global. O que poderá acontecer é que a cultura tecnocósmica seja assimilada e integrada nas culturas já existentes, sem que estas desapareçam. Ficam é mais enriquecidas com este novo dado, a técnica ao serviço do homem.

Bibliografia:
ALVIN TOFFLER, Choque do Futuro, “Vida e Cultura” 44, ed. Livros do Brasil, Lisboa 1972.
ALVIN TOFFLER, A Terceira Vaga, “Vida e Cultura” 104, ed. Livros do Brasil, Lisboa 1984.
ALVIN TOFFLER, Previsões & Premissas, “Vida e Cultura” 109, ed. Livros do Brasil, Lisboa 1987.
ALVIN TOFFLER, Os Novos Poderes, “Vida e Cultura” 121, ed. Livros do Brasil, Lisboa 1991.
ALVIN e Heidi TOFFLER, Guerra e Antiguerra, “Vida e Cultura” 130, ed. Livros do Brasil, Lisboa 1994.
ALVIN e Heidi TOFFLER, Criando uma nova civilização, “Vida e Cultura” 135, ed. Livros do Brasil, Lisboa 1995.
ALVIN e Heidi TOFFLER, A Revolução da Riqueza, , Editora Actual, Lisboa 2007.

Vídeos

Jesus, o Pão do Céu (Jo 6)

Jesus, pão da vida

Ao longo do trabalho, vamo-nos dedicar à análise das diversas secções do capítulo sexto do Evangelho de S. João. Para tal, iremos seguir a divisão da Tradução Ecuménica da Bíblia, que é também utilizada pela Bíblia de Jerusalém e pela Bíblia Sagrada dos capuchinhos.

O sexto capítulo integra a terceira secção do livro dos sinais e começa com o esquema habitual. Dois acontecimentos: a multiplicação dos pães e o caminhar sobre as águas; e dois discursos: um sobre o pão da vida[1] e o outro sobre a eucaristia[2] .

Entre os acontecimentos e os discursos há uma espécie de «entreposto que pretende centrar a questão sobre o verdadeiro alimento»[3]. O evangelista toma como ponto de partida um relato do qual temos «exemplos paralelos na literatura judia e profana. Com a multiplicação dos pães, o autor atribui a Jesus o que se contava dos grandes profetas e taumaturgos»[4], com a intenção de ensinar que quem tiver necessidade de remédio pode encontrá-lo em Jesus.

O segundo sinal, o caminhar sobre as águas, interrompe a narração. A lógica exigiria unir os discursos sobre o pão da vida e sobre a eucaristia com o relato da multiplicação dos pães. «O evangelista coloca-o aqui porque era assim que figurava nos textos narrados»[5]. Os sinópticos referem-no na mesma ordem. É uma constatação importante, pois o evangelho de S. João, apesar de ser muito alegórico, está veiculado com a tradição eclesial.

1. Multiplicação dos pães (VI, 1-15)

A cena desenrola-se depois de os discípulos andarem já há algum tempo com o Senhor, o número dos que O seguiam não parava de crescer. «As multidões seguiam Jesus por causa das suas curas e dos seus ensinamentos»[6]. Com este relato, o evangelista tenta realçar o conhecimento sobre-humano de Jesus, que aparece como o Senhor. Toda a situação se desenrola debaixo do seu controlo: Ele sabe perfeitamente o que tem que fazer, e tem a iniciativa em todo o momento. Adianta-se às necessidades que Lhe são apresentadas pelos discípulos. Nos sinópticos[7] são estes que lembram ao Mestre a necessidade da multidão[8]. O «relato de S.João é como uma parábola em acção que pretende destacar a finalidade pela qual Jesus veio ao mundo. Esta acentuação faz com que a cena se ‘desumanize’ em grande medida»[9]. Desaparecem os traços humanos, como é o caso da compaixão pela multidão que há muito que já não come e está a desfalecer[10]. São os sinópticos que recolhem a dimensão mais «humanitária» da cena[11].

Acentua-se a preocupação de Jesus pelo homem e por resolver as suas necessidades mais profundas, em «responder a esta fome que é a razão de ser do pão e do trabalho, a fome de se dar a comer àqueles que o amam»[12]. A multidão seguia Jesus porque via os sinais que fazia com os enfermos. Este facto extraordinário lembra à multidão a figura de Moisés a dar de comer ao povo no deserto. Deduzem que Jesus é um profeta semelhante a Moisés e querem fazer d’Ele rei[13]. «Jesus aparece como a personagem central do relato»[14].

No evangelho joanino o papel dos discípulos fica reduzido apenas à acomodação das pessoas. Naturalmente que devem também recolher o que restar da multiplicação, em cestos.

Tenta-se ressaltar o universalismo da pessoa de Jesus. O número mil designa uma grande multidão[15], e esta vê-se multiplicada por cinco no caso das pessoas saciadas. Os números pretendem sublinhar o aspecto simbólico do relato. O número sete — cinco pães e dois peixes — apresenta Jesus como a plenitude da graça de Deus[16]. Esta graça é inesgotável e permanece na Igreja para sempre. O simbolismo dos cestos que sobram sublinha esta realidade. Devem servir para dar de comer a todo o povo de Deus, simbolizado nos doze apóstolos[17].

O quarto evangelho é o que nos oferece mais pistas sobre a relação desta passagem com a Eucaristia: a leitura de Jo VI, 11 remete-nos para a celebração eucarística. Dentro deste âmbito, merece menção especial o verbo gÛP”D4HJXT que habitualmente se traduz por ‘dar graças’. É este o verbo utilizado na Última Ceia[18] e na referência que S. Paulo faz a ela[19]. E já no início do segundo século se tinha convertido no termo técnico para designar a celebração eucarística[20].

Esta está intimamente ligada à alegria natural de quem celebra as maravilhas de Deus, «porque estas maravilhas são expressas pelo homem nas acções de graças que dão colorido ao louvor de reconhecimento: nestes casos, a acção de graças é acompanhada de uma ‘anamnese’ pela qual a memória evoca o passado»[21].

Não esqueçamos também que, para além de Moisés e dos sacrifícios sangrentos dos animais, relembra, pela oferta do pão e do vinho do pão e do vinho e as acções de graças, o rei sacerdotal Melquisedec, no seu encontro com Abraão[22].

Mas mais do que da multiplicação este relato fala da multiplicação do pão. É evidente que o interesse do narrador não está centrado no facto em si, mas no seu significado. Na mente do evangelista o milagre deve ser considerado como sinal, como símbolo que aponta para outro pão que pode saciar toda a classe de homens[23]. Isto é posto em relevo tanto pelo discurso do pão da vida, como pelo eucarístico. Mas é todo o conjunto que nos oferece a base para afirmar que o evangelista tenta que os leitores entendam o relato como sinal da salvação que Jesus trouxe para todos os homens. É este o cumprimento das esperanças associadas à Páscoa: a libertação total do homem das suas escravidões, incluindo a morte; é a superação daquilo que parece impossível aos homens[24]; é um gesto compreensível apenas com a fé[25].

O poder de Jesus não deve ser mal entendido. Ele aceita ser o profeta que haveria de vir, mas nega ser o rei que eles esperavam. Está aqui antecipada a afirmação que o mesmo Jesus haveria de proferir diante de Pilatos: «a minha realeza não é deste mundo»[26]. Jesus, o enviado do Pai, não tem pretensões políticas; não entra em colisão com César; o campo das suas competências é distinto. Deste modo defendia-se também a comunidade cristã, que estava a ser acusada «pelos judeus diante de Roma de ser um movimento político-revolucionário em luta contra o império»[27].

O evangelista refere no texto que «havia muita grama naquele lugar»[28], o que é «um sinal de esperança messiânica»[29]. Jesus, como bom pastor, conduz as suas ovelhas a boas pastagens, prepara-lhes a mesa do banquete em pleno deserto, como já o fizera outrora[30], aquando do êxodo do povo hebreu.

Na revelação bíblica, alimento e repasto servem para exprimir a comunicação de vida que Deus faz ao seu povo[31]. O maná e as cordonizes do Êxodo, tal como a água que jorrou do rochedo[32], são realidades simbólicas prefigurantes do dom verdadeiro que brota da boca de Deus[33], a Palavra, verdadeiro pão descido do Céu[34].

Estas figuras cumprem-se em Jesus. O dom que Ele promete, fazendo referência ao Êxodo, situa-se também no horizonte do banquete messiânico, imagem da felicidade celeste familiar ao judaísmo[35].

Jesus faz também três acções que ficarão gravados na memória dos discípulos: receber, dar graças e distribuir. «Gestos da liturgia judaica que passaram para a liturgia cristã»[36].

2. Caminhada sobre as águas e discurso sobre o pão da vida (VI, 16-50)

O facto em si é um milagre epifánico, com o esquema clássico, exposto em forma de quiasmo[37]:

a) necessidade de ajuda;

b) temor, mas não medo, perante a epifania;

b’) consolo perante o temor;

a’) acalma-se o vento.

Este «sinal descreve o caminho da Igreja através do mundo no meio das dificuldades paralisantes e do desalento»[38]. Só a presença de Jesus é capaz de fazer com que a barca chegue à outra margem[39]; «na situação de desespero, revela-se a presença divina»[40]. Neste relato, a tempestade estava já anunciada ao mencionar as trevas[41]. Elas simbolizam a ausência de luz, a ausência de Jesus, que se autodefine neste evangelho como a luz[42]. É sempre de noite que falta a Luz[43]. Ao faltar a luz, as ondas precipitam-se sobre a barca e esta detém-se a metade do caminho[44]. Só a presença de Jesus que se manifesta como o eu sou, sem necessidade de estar fisicamente na barca, fez com que esta chegasse a bom porto. É como um milagre acrescentado se o compararmos com os sinópticos, «onde o relato tem diferenças importantes»[45]: Jesus não sobe à barca, como Marcos afirma[46]; S. João não precisa de mencionar os motivos pelos quais acalmou a tempestade nem a compreensão que os discípulos tiveram do facto, como sublinham os sinópticos; «a marcha sobre as águas justifica-se em João como uma ocasião para demonstrar o poder divino de Jesus, não como uma imperiosa necessidade para salvar a situação angustiosa em que os discípulos se encontravam»[47], como afirma Marcos; o facto de Jesus se retirar para o monte é, segundo o quarto evangelho, uma fuga de Jesus, que quer escapar às pretensões da multidão que quer fazer d’Ele rei, ainda que segundo Marcos seja para se dedicar à oração[48].

Segundo o relato de Marcos[49], a barca dirige-se para Betsaida. Em João, pelo contrário, a direcção é Cafarnaum. Deste modo «Jesus está a preparar o lugar de onde debaterá o tema sobre o pão da vida»[50]. É na sinagoga de Cafarnaum que Jesus vai explicar o verdadeiro sentido da multiplicação dos pães e onde os discípulos, os seguidores e os entusiastas de Jesus deverão aprender o verdadeiro sentido e dimensão daquela pessoa que lhes deu de comer.

No que diz respeito à historicidade, o «acontecimento é mais teológico que histórico. Isto significa que a marcha sobre as águas não teve lugar da forma que narram os evangelhos. O ponto de apoio mais sólido de todo o relato e como a infra-estrutura do mesmo é-nos dada pelo Saltério»[51]: Teu caminho passa pelo mar, tua senda passa pelas águas torrenciais, e ninguém reconheceu tuas pegadas[52]. Ao mostrar Iahweh a caminhar sobre as águas está a mostrar poeticamente o Seu poder. Jesus, caminhando sobre as águas, vê adequada e poeticamente afirmado o seu poder supra-humano, apresentando-o como a presença de Deus no mundo e, em particular, na Igreja que, devido à sua acção poderosa pode levar a «bom porto a missão que lhe encomendou o Fundador»[53].

Os dados históricos que se seguem à narração dos sinais precedentes — a multiplicação dos pães e o caminhar sobre as águas — «têm a finalidade de orientar a gente em direcção à sinagoga de Cafarnaum, onde vão ter lugar as manifestações mais importantes de Jesus»[54]. A cena de transição[55] caracteriza-se pela frieza do encontro. Jesus não se sente entusiasmado pelo facto de a multidão o procurar. Jesus diz claramente que não o procuram a Ele, interessam-se, isso sim, mas é pelos benefícios que podem receber d’Ele. «Uma busca interessada e egoísta, que nunca pode entusiasmar a pessoa que é procurada. A multidão buscava-se a si mesma, não a Ele»[56].

No âmbito da revelação, os dons não podem ser separados do dador dos mesmos. O mais importante é o segundo. Jesus diz-lhes com estas palavras: vós me procurais, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos saciastes[57]. Para além do alimento que mantém a nossa existência terrena, é indispensável aspirar ao alimento que nos proporciona o autor da vida, «que quer plenificar a nossa»[58]; dimensão de eternidade, vida eterna, participação na mesma vida daquele que pode conceder-nos o alimento permanente, o que dá a vida eterna.

É Jesus, o Filho do homem, o credenciado pelo Pai com o selo da sua autoridade, o único que pode proporcionar ao homem o alimento mencionado. Ele exige ser aceite de forma pessoal; que se converta em centro de gravidade da fé para que possa produzir-se o encontro adequado entre o homem e Deus; para que o homem descubra nele o revelador que manifesta e ‘dá’ o Pai[59].

Devem distinguir-se dois discursos na parte discursiva: um sobre o pão da vida[60] e outro sobre o pão eucarístico[61]. No primeiro, o protagonista é o Pai. Ainda que se fale de Jesus como o pão da vida e como enviado do Pai, o verdadeiro protagonista é o Pai[62]. A resposta do homem à acção de Deus é a fé.

No discurso eucarístico muda-se de perspectiva: o protagonista é Jesus[63]. O Pai só é mencionado uma vez e é-o para acentuar o poder que o Filho tem de dar a vida[64]. A resposta aqui não é a fé — esta supõe-se e antecipa-se como absolutamente necessária no discurso sobre o pão da vida, ao jeito de preparação para este — mas o comer e beber a carne e o sangue do Filho do homem. Ele vai oferecer o «verdadeiro maná do Êxodo, um pão vivo e glorioso, que atravessa a morte, o espaço e o tempo»[65].

O discurso sobre o pão da vida está polarizado entre dois pensamentos: a exigência da fé, por parte de Jesus, e a recusa da mesma, por parte da multidão. Este tema, praticamente único[66], desenrola-se em três fases:

– Jesus pede à multidão que se situe ao nível dos sinais, que não se fique apenas pelos milagres[67];

– Jesus exige ser aceite como o revelador do Pai, como o que veio de cima, como o pão descido do céu. As perguntas que se seguiram a estas afirmações, diríamos, pretensiosas expressam a falta de fé dos ouvintes de Jesus. Indicam, além disso, que eles se procuravam a eles próprios e não a Deus[68];

– Perante a sua falta de fé, justificada pelo conhecimento que tinham da origem humana de Jesus, Ele faz uma nova exigência de fé: que o vejam como o único pão da vida[69]. A multidão pede a demonstração de que se faça presente aquilo que esperavam para quando chegasse o Messias. De acordo com as esperanças judias, o Messias devia renovar os milagres realizados por Moisés, o maná seria o alimento permanente. Mas esta demonstração equivaleria a negar a verdadeira fé, já que esta exige aceitar Jesus como o verdadeiro maná: eu sou o pão da vida[70].

Jesus, nesta auto-apresnetação, manifesta-se como a resposta às necessidades e esperanças do homem. Para que seja assim, a única condição que se põe ao homem é que ele tenha fé. Manifestam isto mesmo as palavras de Jesus expostas em claro paralelismo em Jo VI, 35b: o acreditar ou ir a Ele é graça concedida pelo Pai[71] e ao mesmo tempo tarefa humana[72]. Estamos perante um excelente resumo da história da salvação, que destaca a iniciativa de Deus, que se realiza no seu Filho e que se torna eficaz graças à fé.

O evangelista utiliza, pela primeira vez, a frase célebre eu sou, que é uma fórmula de revelação e põe em relevo o que Jesus é para o homem. A aceitação do eu sou introduz-nos no terreno da revelação, da fé e da vida.

A frase eu o ressuscitarei no último dia[73] aparece neste evangelho ao jeito de um estribilho. Trata-se de uma adição que pretende harmonizar a concepção de João sobre a chegada da salvação com a visão mais futurista dos sinópticos[74]. Os lugares em que é utilizada[75] demonstram tratar-se de algo acrescentado, pois as frases em cujo contexto aparecem têm sentido mesmo que se omita o dito estribilho.

Este evangelho, realça também que aquele que crê passou da morte para a vida[76].

3. Discurso eucarístico (VI, 51-59)

O discurso eucarístico não procede da sinagoga de Cafarnaum[77] — pois não se podia falar assim da eucaristia antes da sua instituição, já que ninguém entenderia nada —, mas da Última Ceia[78]. Foi colocado aqui pela pena do evangelista como continuação do discurso sobre o pão da vida[79].

O discurso sobre o pão da vida converte-se na preparação adequada do discurso eucarístico. O lugar que deveria ocupar, que era a Última Ceia[80], foi escolhido pelo evangelista para narrar a lavagem dos pés. Sem dúvida que não se atreveu a omitir uma relato tão importante, recorreu foi à transladação para outro lugar. Não tenhamos dúvida que este era o lugar mais adequado, em razão da semelhança de matéria: pão material, pão descido do céu e pão eucarístico. A transladação está bem justificada[81].

Perante o discurso metafórico sobre o pão da vida — Jesus como o pão dado pelo Pai, descido do céu, daquele que se há-de comer graças à fé — destaca-se o realismo sacramental desta unidade literária estritamente eucarística: é preciso comer e beber da carne e do sangue do Filho do homem. Ao expressar-se deste modo, o evangelista tenta dar uma resposta à pergunta sobre o modo como pode este dar-nos a comer a sua carne. «Uma pergunta que supõe uma compreensão inadequada da Ceia do Senhor. Inclusivamente é preciso contar com uma polémica contra a sua celebração. Procederia das discussões com os judeus, com os judeo-crsitãos ou com outras tendências dentro da Igreja? Inácio de Antioquia afirma que: ‘não confessam que a eucaristia é a carne do Senhor’. Frente a eles põe-se em relevo a necessidade de tomar parte na eucaristia para participar na vida»[82].

O evangelho insiste em apresentar a carne e o sangue como verdadeira comida e como verdadeira bebida. Deste modo colocava-se de lado outra concepção errónea do cristianismo primitivo: a corrente ou tendência gnóstico-docetista «que começam a surgir, e sublinha-se fortemente — para os corrigir —a realidade da Incarnação do Filho unigénito»[83]. Perante uma corrente de pensamento que via a eucaristia como mero símbolo, o texto sublinha a facto de se tratar de uma verdadeira comida, de uma comida real, na qual se participa na carne e no sangue de Jesus Cristo.

Os efeitos da eucaristia expressam-se mediante a fórmula da permanência mútua: aquele que come… permanece em mim e eu nele. Esta permanência designa a vida cristã como tal: o discipulado cristão define-se pela permanência na união com Cristo[84].

A concepção joanina da eucaristia põe em relevo os seguintes aspectos[85]:

– a sua consideração e a sua valorização dentro do acontecimento salvífico no seu conjunto, ou seja, a estreita relação com a missão do Filho de Deus desde a encarnação até à crucificação e exaltação. Os dons sacramentais — o pão e o vinho — são meio para conseguir a união com Cristo. Esta união é eficaz e realiza-se quando se cumpre a exigência única e decisiva imposta ao homem, que é a fé no Revelador, enviado por Deus e portador da salvação;

– a preponderância cristológico-soteriológica: aparece o próprio Jesus como sujeito da acção que se desenrola naquela cena; o seu mesmo ser, toda a realidade implicada na figura do Filho do homem, morto e ressuscitado, faz-se presente na celebração da Eucaristia;

– o efeito principal da eucaristia, a união pessoal com Cristo, que se expressa mediante a mútua permanência: quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele[86];

– a palavra «carne» é a mesma que utiliza o quarto evangelho para designar a encarnação: o logos-palavra fez-se carne[87]; é necessário comer a carne. A eucaristia é a prolongação da encarnação e dos seus efeitos.

Sentido teológico da Eucaristia

O evangelho de S. João, apesar e não falar da Eucaristia na Última Ceia, tem uma reflexão muito profunda sobre a Eucaristia, que é apresentada no capítulo VI do seu evangelho, no «livro dos sinais», onde se manifesta a identidade de Jesus Cristo.

Na referência à Eucaristia vê-se claramente uma progressão que vai desde a apresentação de Cristo, o pão da vida enviado pelo Pai à humanidade, até à revelação de Cristo como Aquele que nos dará o pão da vida, que é a sua carne oferecida pela vida do mundo[88]. Ou seja, desde a fé em Cristo como o Messias e Filho de Deus, até à Eucaristia como o sacramento dessa fé em Cristo. À «identidade de Cristo como o verdadeiro pão, o maná que Deus nos oferece, corresponde a atitude da fé»[89]. Aquele que acredita em Jesus Cristo não só não tem fome nem sede, como tem a vida eterna.

Numa primeira parte[90], Cristo é tratado como pão, mas numa forma mais sapiencial e metafórica: Cristo como o alimento, a resposta absoluta de Deus à fome da humanidade. Mas Cristo promete que nos dará a um pão que é sua própria carne.

Os verbos que se empregam é comer e beber, o que dão a esta revelação um tom inconfundivelmente eucarístico. O receber Jesus Cristo pela fé transforma-se em receber Cristo pelo sacramento — à manducatio spiritualis sucede-se a manducatio sacramentalis —, apresentando-se assim os dois aspectos paralelos que nos levam à verdadeira vida em Cristo[91]. Compreende-se melhor esta teologia se se recordar a teologia joanina da encarnação[92], a sucessão dos temas da fé e do sacramento[93].

A carne que Cristo oferece àqueles que crêem n’Ele é a mesma carne que Cristo entregou na cruz e foi ressuscitada ao terceiro dia. A palavra «carne», no quarto evangelho, designa tudo aquilo que «constitui a realidade do homem, com as suas possibilidades e fraquezas»[94] Este dado realça o carácter sacrificial da eucaristia, onde Cristo actualiza sacramentalmente o seu sofrimento vicário.

Ainda que não apareça aqui a categoria do «memorial», todo o discurso da eucaristia faz referência directa ao sacrifício de Cristo na Cruz[95].

Os efeitos da Eucaristia são apresentados nos versículos 53-57. A doação da carne de Cristo tem uma finalidade dinâmica: dar a vida, já que aquele que come tem vida; é o mesmo efeito atribuído anteriormente à fé[96]. O significado atribuído a vida por S. João é-lhe muito próprio: é a imersão na vida do Ressuscitado, que nos quer comunicar a Sua existência escatológica, a vida eterna; «a Eucaristia é igualmente o princípio da ressurreição futura»[97].

Este dado é importante para compreender o tema que nos ocupa, a Eucaristia. «O pão-pessoa pertence a um futuro, a um momento posterior ao que o evangelista está a narrar»[98]. Está aqui presente a oposição entre a «comida que perece (ou deixa perecer) e a comida que conserva até à Vida Eterna»[99]

Esta doação da vida pressupõe a presença real de Cristo na Eucaristia. a terminologia empregue por S. João é uma interpretação claramente realista do isto é o meu corpo, dos outros relatos. Fala em comer e beber, em oposição à tendência docetista que não acredita na realidade nem da incarnação, nem na Eucaristia como dom sacramental de Cristo.

4. As palavras da vida eterna (VI, 60-71)

Os interlocutores de Jesus, ao longo de todo o relato — a gente[100], os judeus[101] e os discípulos —, «são as mesmas pessoas com nomes distintos»[102]. Os nomes distintos designam aqueles que se entusiasmaram com Jesus no primeiro momento, considerando-o como um profeta de Nazaré, filho de José[103], mas que não se decidiram a dar o passo exigido pela fé cristã: a aceitação de Jesus como o Filho de Deus, aquele que veio de cima, o pão da vida, o Revelador. «Eis-nos chegados à grande decisão da fé ou da recusa»[104]

O quarto evangelho quase não se interessa pelos Doze, menciona-os apenas aqui e em XX, 24. Porque será que este texto lhes dá tanta importância? A comunidade joanina estava descriminada, era perseguida e tinham-se realizado rupturas e abandonos[105]. Numa situação como esta, é lógico que surja a pergunta inevitável: não seremos nós que estamos errados? A resposta a esta pergunta apenas podia ser dada pela Igreja oficial, representada pelos Doze, a cuja cabeça estava Pedro. Foi esta a razão de acrescentar aqui algo tão importante, mas que, no contexto do sexto capítulo do quarto evangelho, é apenas um apêndice[106].

A «dureza das palavras» ou a inademissibilidade da doutrina, sobre a qual se pronunciam muitos dos seus discípulos[107], não se refere àquilo que se passou imediatamente antes, àquilo que foi afirmado sobre a eucaristia[108]. Depois do que se disse sobre ela não se podia afirmar que a carne para nada serve[109]. Não é precisamente a «comida da carne» o que concede ao homem a vida eterna? Nesta pequena parte do texto não se faz referência à eucaristia, mas ao próprio mistério de Jesus.

A murmuração e a deserção dos judeus-discípulos foi suscitada pela pretensão manifestada por Jesus de ser o Revelador[110]. O auto-testemunho dos que murmuram não deixa lugar para dúvidas: E diziam: «Esse não é Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe conhecemos? Como diz agora: ‘eu desci do Céu’?!»[111]. Quem aceita Jesus como o Revelador, como o enviado do Pai, como o que veio de cima, não tem por que se escandalizar com as palavras sobre a eucaristia. Para quem não O aceita assim, também as afirmações eucarísticas são duras, ou seja, sensivelmente inadmissíveis.

Este ponto de vista foi confirmado pelas palavras de Jesus a propósito do escândalo mencionado ou da inadmissibilidade da doutrina: Isto vos escandaliza? E quando vires o Filho do Homem subir onde estava antes?…[112]. Aumentaria o escândalo ou diminuiria? A dedução imediata perece levar-nos a pensar que aumentaria o escândalo. «Parece-nos mais provável que o escândalo desapareceria, porque se supunha que se tivesse aceite o mistério de Jesus, que é Aquele que veio de cima, o enviado de Deus, e não apenas o filho de José como eles pensavam»[113].

O mistério de Jesus expressa-se mediante a fórmula subir até onde estava antes. E isto é duro e inadmissível[114]. Isto demonstra que esta unidade literária não era a continuação sobre o discurso eucarístico, mas seguia-se ao discurso sobre o pão da vida, que termina no versículo 51, antes de começar o discurso eucarístico.

A manifestação de Pedro, enquanto representante dos Doze, é a versão joanina daquilo que conhecemos como «a confissão de Casareia de Filipo»[115]. Pedro não confessa Jesus como o Messias, nem como o filho do Homem ou Filho de Deus; nesta passagem de João apresenta-se Jesus como o «Santo de Deus»[116]. É uma designação singular e muito antiga que expressa a suprema dignidade da pessoa a quem é atribuída.

No aspecto literário remonta-se ao Antigo Testamento:

– a história de Sansão[117];

– também se aplica aos sacerdotes e, em particular, a Aarão[118].

São “santos de Deus ou para Deus”. A expressão é posta por Marcos na boca dos possessos[119]. Em qualquer caso, não é um título correntemente dado ao Messias. «João considera-o como um importante título profético-carismático»[120].

Será que pretende pôr em relevo a presença do três vezes santo, dos Deus santíssimo, em Jesus? Neste sentido, Jesus seria a encarnação e personificação da santidade divina.

Conclusão

Será que o capítulo sexto do Evangelho de S. João é uma «capítulo aucarístico»? Pelo que vimos, a resposta é fácil: o estritamente eucarístico são apenas os versículos que vão de 51b a 58. A sua colocação na continuidade do discurso sobre a vida dá a este um aspecto eucarístico que, na realidade, este não teria. A insistência na fé ilumina algo que é fundamental: a eucaristia sem a fé perde a sua inteligibilidade.

O relato sobre a multiplicação dos pães é também revestido do mesmo tom eucarístico. Na mente do redactor final, esta ordenação de sequência tinha a finalidade de apresentar a eucaristia num contexto eucarístico que originariamente não teve, o seu lugar era a Última Ceia.

Realça-se aqui a fé e aceitação de Jesus Cristo como o pão descido do Céu, que encarnou, morreu e ressuscitou para salvar o género humano.

A Eucaristia, com o seu tom sacrificial, celebra este acontecimento e actualiza-o no concreto da nossa história.

Ao comungar, o cristão participa na escatologia. Vai-se unindo Aquele Eterno que se fez história. O cristão vai experimentando que aquilo que o espera em plenitude.

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[1] JoVI, 23-51a.

[2] Jo VI, 51b-58.

[3] Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento. Navarra: La Casa de la Biblia, 1995, p. 286.

[4] Ibidem.

[5] Ibidem.

[6] Jacques GOETTMANN — Saint Jean. Évangile de la Nouvelle Genèse. Paris: Cerf, 1982, p. 101.

[7] Cf Jean- Pierre CHARLIER — Signes et prodiges. Les miracles dans l’Évangile. Paris: Cerf, 1987. Lire la Bible; 79. P. 134.

[8] Mc VI, 35-36; Mt XIV, 13-21; Lc IX, 10-17.

[9] Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 286.

[10] Cf Jean GIBLET — La chair du fils de l’homme. Lumier et Vie. 29 (1980) 95.

[11] Cf Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 286.

[12] Jacques GOETTMANN — Saint Jean. Évangile de la Nouvelle Genèse. Paris: Cerf, 1982, p. 102.

[13] Jo VI, 14-s.

[14] Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 286.

[15] Cf Ibidem.

[16] Ibidem.

[17] Cf Ibidem.

[18] Mc XIV, 23; Mt XXVI, 26; Lc XXII, 17.

[19] I Cor XI, 24.

[20] Cf Didaké 9,5; 10,1-s. A HAMMAN — Eucharistie, in Dictionnaire Encyclopedique du Christiannisme Ancien. I. Paris: Cerf, 1990, p. 894.

[21] Pierre BENOIT — Vocabulaire de Théologie Biblique, Paris: Cerf, 1970, p. 404.

[22] Gn XIV, 17-20. Cf Jacques GOETTMANN — Saint Jean. Évangile de la Nouvelle Genèse. Paris: Cerf, 1982, p. 103.

[23] Cf Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 287.

[24] Só lhes ocorre pensarem no dinheiro; duzentos denários.

[25] Cf Pierre BENOIT — Vocabulaire de Théologie Biblique, Paris: Cerf, 1970, p. 404-405.

[26] Jo XVIII, 36.

[27] Cf Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 287. Act XVII, 7.

[28] Jo, VI, 10.

[29] Jacques GOETTMANN — Saint Jean. Évangile de la Nouvelle Genèse. Paris: Cerf, 1982, p. 102. Cf Sl LXXII.

[30] Sl XXIII; LXXVIII, 19-25.

[31] Cf Pierre BENOIT — Vocabulaire de Théologie Biblique, Paris: Cerf, 1970, p. 407.

[32] Sl LXXVIII, 20-29.

[33] Dt VIII, III; Mt IV, 4.

[34] Ex XVI, 4.

[35] Is XXV, 6.

[36] Jacques GOETTMANN — Saint Jean. Évangile de la Nouvelle Genèse. Paris: Cerf, 1982, p. 102.

[37] Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 287.

[38] Ibidem.

[39] O capítulo XXI confirma este simbolismo.

[40] Jacques GOETTMANN — Saint Jean. Évangile de la Nouvelle Genèse. Paris: Cerf, 1982, p. 104.

[41] Cf JoVI, 17.

[42] Cf Jo VIII, 12; IX, 5.

[43] Cf Jo XIII, 30.

[44] Os vinte ou trinta estádios equivalem a quatro quilómetros e meio ou cinco quilómetros e meio. Metade da travessia do lago de Tiberíades.

[45] Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 287.

[46] Cf Mc VI, 51.

[47] Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 287.

[48] Cf Mc VI, 46.

[49] Cf Mc VI, 45.

[50] Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 287.

[51] Ibidem, p. 288.

[52] Sl LXXVII, 20.

[53] Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 288.

[54] Ibidem.

[55] Jo VI, 23-28.

[56] Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 288.

[57] Jo V, 26.

[58] Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 288.

[59] Cf Ibidem.

[60] Jo VI,23-51.

[61] Jo VI, 52-58.

[62] Cf Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 288.

[63] Ibidem.

[64] Jo VI, 57.

[65] Jacques GOETTMANN — Saint Jean. Évangile de la Nouvelle Genèse. Paris: Cerf, 1982, p. 105.

[66] Cf Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 288.

[67] Jo VI, 22-29.

[68] Jo VI, 30-40.

[69] Jo VI, 40-51.59.

[70] Jo VI, 48.

[71] Jo VI, 37.39; XVII, 2.7.24.

[72] Jo III, 19-21; VII, 17.

[73] Jo VI, 54.

[74] Cf Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 289.

[75] Jo VI, 39-40.44.54; XII48.

[76] Jo V, 24.

[77] Cf Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 289.

[78] Cf VIGOUROUX — Dictionnaire de la Bible. Paris, 1899, p. 408.

[79] Cf Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 289.

[80] Jo XIII.

[81] Cf Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 289.

[82] Ibidem.

[83] Jean GIBLET — a Eucaristia no evangelho de João. Concilium. (1968) 55.

[84] Jo XV, 4-7.

[85] Seguirei de perto Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 290.

[86] Jo VI, 56.

[87] Jo I, 14.

[88] Cf J. ALDAZÁBAL — La Eucaristá. In Dionisio BOROBIO — La celebracion en la Iglesia. Salamanca: Sígueme, 1990. Lux Mundi; 58, p.244.

[89] Ibidem, p.245.

[90] Jo VI, 35-47.

[91] Cf Michel CORBIN — Le Painde la Vie. La lecture de Jean IV par S. Thomas d’Aquin. Recherches de Science Religieuse. 65/1 (1977) 114.

[92] Jo I, 14.

[93] Cf J. ALDAZÁBAL — La Eucaristá. In Dionisio BOROBIO — La celebracion en la Iglesia. Salamanca: Sígueme, 1990. Lux Mundi; 58, p.245.

[94] Jean GIBLET — E Eucristia no Evangelho de João. Concilium. (1968) 56.

[95] Cf J. ALDAZÁBAL — La Eucaristá. In Dionisio BOROBIO — La celebracion en la Iglesia. Salamanca: Sígueme, 1990. Lux Mundi; 58, p.246.

[96] Cf Jo VI, 39.40.44.47.51.53.54.58.

[97] Jean GIBLET — E Eucristia no Evangelho de João. Concilium. (1968) 58.

[98] Francisco de la CALLE — La Eucaristia: perspectiva joanica. Biblia y Fe. 12 (1986)181.

[99] Jean GIBLET — E Eucristia no Evangelho de João. Concilium. (1968) 54.

[100] Jo VI, 22.

[101] Jo VI, 41.

[102] Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 290.

[103] Jo I, 45; VI, 42.

[104] Jean GIBLET — E Eucristia no Evangelho de João. Concilium. (1968) 59.

[105] Cf Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 290.

[106] Cf Ibidem..

[107] Jo VI, 60.

[108] Cf Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 290.

[109] Jo VI, 63.

[110] Jo VI, 41-42,

[111] Jo VI, 63.

[112] Jo VI, 62-63.

[113] Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 290.

[114] Cf Ibidem, p. 291.

[115] Ibidem.Cf Mc VIII, 27-30.

[116] Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 291.

[117] Jz XIII.

[118] Lv XXI, 6-7; Ecl CXV, 7.

[119] Mc I, 24.

[120] Filipe FERNÁNDES RAMOS, in AA.VV. — Comentário al Nuevo Testamento, p. 291.

Os padres na política!


O Verão está aí e com ele o habitual calor. Este ano acresce ainda o aquecimento normal do tempo de eleições.
É neste contexto de caloricidade que eu faço, agora em público, uma reflexão sobre algo que se tem falado e que me preocupa: os padres na política!
Quando algum sacerdote se candidata a um cargo político, normalmente nas autarquias, há sempre quem se pronuncie contra e quem se pronuncie a favor. É normal, cada um pensa como quer.
Costumo até ouvir com frequência que acham normal um padre candidatar-se, pois é um cidadão normal, como os outros.
Aqui poderia fazer-se uma reflexão teológico-pastoral sobre o facto, a sua pertinência e até a sua conveniência. Mas como referi acima, estamos num tempo difícil para a reflexão, os ânimos começam a estar aquecidos e a frieza necessária à reflexão pode faltar.

Mas também neste caso se acha muito e se conhece pouco
Segundo a Lei canónica, aos clérigos compete promover e fomentar sempre e o mais possível a paz e a concórdia entre os homens, baseada na justiça. E acrescenta ainda, o cânone 287, que os clérigos não tomem parte activa em partidos políticos [e não refere se como militantes ou independentes] ou na direcção de associações sindicais.
Mas se virmos noutro local, no cânone 317, diz expressamente que nas associações públicas de fiéis directamente orientadas para o exercício do apostolado, não sejam moderadores os que desempenham cargos directivos em partidos políticos. Se este princípio se aplica para os leigos em geral, como será para o Sacerdote, que compete ser o pastor que a todos congrega, em nome de Jesus Cristo?
Concedo que o Direito canónico não é um texto legislativo que esteja muito acessível, quem nem todos tenham a sensibilidade necessária para o procura conhecer.

E a Lei civil?
Nessa, o caso ainda é mais claro!
Diz a Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, no seu artigo 7º, sobre as inelegibilidades especiais, que não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais dos círculos eleitorais onde exercem funções ou jurisdição, entre outros, os ministros de qualquer religião ou culto (Art. 7º 1 c).

Perante o acima exposto: qual é a dúvida?

A Catequese é um acto humano

O momento eclesial que estamos a viver, por muitos denominado de Primavera da Palavra, como a constatação de que os cristãos e as comunidades estão cada vez mais conscientes do lugar da Palavra de Deus e da necessidade que como cristãos temos dela.
Vem a este propósito referir a Constituição Dei Verbum, sobre a Revelação Divina, que é o documento do Concílio Ecuménico Vaticano II onde se aborda o tema da Revelação e da Palavra de Deus de uma forma fabulosa. É interessante ver como passados tantos anos, 44, estes continuam a ser actuais e a dar pistas excepcionais para a nossa reflexão pastoral.
Aliás, seria no mínimo um contra-senso que nós, catequistas, vocacionados para sermos servidores da Palavra de Deus não tivéssemos a Dei Verbum com um documento de visita frequente.
E quando nos propomos abordar as relações humanas na catequese, isso vai acontecer.

Deus fala como um amigo

Nesse documento, no número 2, diz-se que, e o sublinhado é nosso:
“Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade (cfr. Ef. 1,9), segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina (cfr. Ef. 2,18; 2 Ped. 1,4). Em virtude desta revelação, Deus invisível (cfr. Col. 1,15; 1 Tim. 1,17), na riqueza do seu amor fala aos homens como amigos (cfr. Ex. 33, 11; Jo. 15,1415) e convive com eles (cfr. Bar. 3,38), para os convidar e admitir à comunhão com Ele. Esta «economia» da revelação realiza-se por meio de acções e palavras intimamente relacionadas entre si, de tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas palavras; e as palavras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido” (DV 2).
Assim sendo, em catequese a relação interpessoal deve ser tida em conta e reflectida. O diálogo é o elemento mais significativo mediante o qual se desenvolvem as relações humanas e, no nosso caso, a proposta de suscitar a fé. A linguagem desse diálogo revela o tipo de relação que existe e, portanto, o tipo de catequese que procuramos.

Podem-se distinguir três níveis de diálogo

1) O palavreado. É a forma mais superficial do diálogo. Consiste em falar de qualquer coisa, sabendo ou não, sem que ninguém se envolva no que diz. Sucede na catequese quando faltam objectivos precisos ou o grupo não os aceita nem se envolve neles; os catequizandos contentam-se em conversar e trocar opiniões que, ainda que de cunho religioso, não conduzem a parte alguma.
2) A informação de base que proporciona os elementos necessários para investigar, analisar, contrapor e chegar a conclusões claras e objectivas; porém se o grupo se detêm aí, sem se envolver nem se comprometer, não passará ao âmbito da cultura religiosa, ainda que ele seja importante e suponha uma contribuição valiosa para a formação dos catequizandos.
3) A comunicação. Aqui, o diálogo alcança toda intensidade quando não se trata somente de dizer algo, mas de dizer-se a si mesmo. Neste caso, os membros do grupo expressam a ressonância que tem neles a questão proposta; isso requer confiança recíproca para expor o que cada um traz dentro de si e para esperar que os outros façam o mesmo. O intercâmbio grupal não é simples eco do que se pensa, sabe ou diz, mas do que cada um sente, busca e vive. Há comunicação quando cada um expressa sua implicação pessoal naquilo que diz, quando sua expressão é verdadeira e sincera confissão de si mesmo. Nesta fase a catequese alcança seu sentido pleno como lugar no qual o grupo confessa a fé.
A comunicação plena requer, pois, o envolvimento pessoal dos que participam no grupo de catequese e permite ao catequizando fazer uma experiência de participação comunitária.

O catequista é um amigo de Deus

Para que este diálogo aconteça, o catequista tem um papel insubstituível. Aliás, a vocação de catequista, a sua existência na Igreja, é um dom do qual há que dar graças a Deus. O catequista é alguém chamado por Deus, vocacionado; que acredita no Senhor, com uma fé profunda; e consciente do seu ser Igreja, com uma clara identidade eclesial. Ou seja, o seu modo humano de viver está moldado pela sua comunhão com a Trindade.
O catequista participa e prolonga a missão de Jesus como mestre e amigo, pois realiza o mandato do Senhor: “Ide e fazei discípulos”(Mt 28,19). Assim, Jesus Cristo, no seu seguimento e imitação, constitui para o catequista o modelo determinante de toda a sua missão e acção.
Para que a catequese seja significativa, o catequista deve estar enraizado na forma de ensinar de Jesus Cristo que é cativante e atractiva, pelo que deve viver alimentado continuamente do Mistério Pascal de Jesus Cristo, que é o conteúdo fundamental do Evangelho e o núcleo do testemunho da fé.
Porque é chamado a ser educador da fé, o catequista deve possuir, antes de mais, uma profunda vida de fé. Deve estar imbuído de um profundo sentido religioso, com uma experiência madura de fé e um forte sentido de Deus, do divino. Isto porque o catequista deve ser o anunciador de Deus e dizê-Lo no mundo de hoje. Ao dizer a sua fé, está a responder às inquietações mais profundas do coração humano, que é a sede de absoluto que habita em cada homem (Cf DGC 23).
O catequista é, então, alguém consciente da sua fé. Tem uma posição tranquila e serena da sua opção por Cristo, confia n’Ele e vive em docilidade à acção do Espírito Santo. Na sua pessoa verifica-se a interacção entre fé e vida, ou seja, vive uma autêntica experiência de fé, que vai condicionar todo o modo como se relaciona.
Isto significa que o catequista deve ocupar-se da sua própria vida no Espírito como exigência da responsabilidade que lhe outorga a Igreja, catequizar. O catequista experimentará um processo contínuo de amadurecimento na fé e configuração com Cristo, segundo a vontade de Deus Pai, guiado pelo Espírito Santo(Cf ChL 57).

Os amigos vivem na alegria

A alegria e o gozo do anúncio da Palavra e do Evangelho de Jesus Cristo são características próprias do catequista. É precisamente a alegria do catequista, expressa na relação com os outros, como gozosa participação na vida do Espírito, a demonstração mais evidente de que a Boa Nova que anuncia encheu o seu coração.
O catequista pode entrar verdadeiramente na alegria espiritual aproximando-se de Deus e afastando-se do pecado. Sabemos que as capacidades humanas não atingirão, por si só, este objectivo, mas a Revelação pode abrir esta perspectiva e a graça pode operar esta conversão. A alegria cristã é por sua essência uma participação espiritual da alegria insondável – simultaneamente divina e humana – do Coração de Jesus glorificado. Através da oração pode experimentar-se mais profundamente esta grande alegria: cada cristão sabe que vive de Deus e para Deus.

A Igreja é Comunhão – IV

A Igreja procede do Pai pelo Filho no Espírito Santo, sendo aquela obra das missões divinas; “é ela o lugar do encontro entre o céu e a terra, em que a história trinitária, por livre iniciativa de amor, passa para a história dos homens e esta é assumida e transformada no movimento da vida divina”(Bruno Forte).
Mas a Igreja, que é comunhão, só se compreende a partir de factos concretos e visíveis. Para compreender a profundidade teológica da eclesiologia da Igreja comunhão deve-se partir do facto central da vida da Igreja visível, a Eucaristia da Igreja local presidida pelo bispo, rodeada do presbitério, dos diáconos e dos fiéis, não bastando uma simples inscrição ou o pagamento de cotas para que se pertença à Igreja, se faça comunhão. Não há Igreja sem assembleia eucarística. Por isso, a não frequência eucarística é sinal de quebra ou enfraquecimento da comunhão eclesial. A eucaristia, como acto de acção de graças, é a presentificação simbólica sacramental de todo o mistério da salvação. Enquanto communio eucarística, a Igreja é não só imagem da communio trinitária, mas também a sua actualização. Ela não é apenas sinal e meio de salvação, mas também fruto da salvação. Enquanto communio eucarística, é a resposta sobreexcedente à questão humana originária da comunhão.
Esta questão é mediada por símbolos, e são eles que nos reportam para o mistério. A vida religiosa é um sistema de símbolos que actualizam a presença de experiências transcendentes, extraordinárias ou desconcertantes. Qualquer símbolo, seja ou não religioso, tem um atractivo em e por si mesmo. Sem dúvida, ainda que o símbolo possa atrair e até seduzir, não pode obrigar a comunidade a objectivá-lo. Neste contexto, a qualidade da crença — da fé — deve-se considerar como processual. São muitas as contingências que podem afectar a valorização dos símbolos religiosos, entre elas o facto de que, na sociedade contemporânea, as comunidades correntes — intersubjectivas — raramente coincidem com as expectativas da Igreja oficial (problemas que se dão igualmente com o Estado). Existe um divórcio quase permanente entre a ‘criação de símbolos’ da Igreja oficial e o modo como esses símbolos são vividos a nível local e paroquial. Como consequência, a Igreja deve fazer-se a si mesma de muitas formas, cada uma delas representa uma acomodação do símbolo aos destinatários.
O fiéis celebram a eucaristia e fazem esta experiência de comunhão nas suas Igrejas particulares, pois a igreja-comunhão vive-se na totalidade do seu mistério nas Igrejas locais. É aqui que Cristo nos convoca, reúne na comunhão e envia em missão. É aqui que a comunhão se vive entre pessoas que a própria existência faz próximas e solidárias na realização do culto; o símbolo toma um significado social.
A Igreja presente no mundo “é um sinal visível do homem originário reprimido e da libertação da sua capacidade de mistério e de símbolo, que é a condição de possibilidade de culto. A profundidade esquecida do ser humano não é egóide e fechada sobre si mesma mas relacional e foi sobre as relações originárias do homem à natureza, ao seu semelhante e a Deus que incidiu a acção perturbadora da razão com sua vontade de poder”(Miguel Baptista Pereira), dando origem ao estado de crise que hoje vivemos e ao qual a Igreja Comunhão pode ser uma saída viável para esta situação, onde a “Igreja, como morada de transcendência e redil materno do rebanho, deixou de ter o sentido profundo de outrora… Cada qual salva a sua alma na solidão. Como forças colectivas capazes de semear o mundo de catedrais ou de cruzadas, as religiões estão mortas”(Miguel Torga).
Hoje, a crise de pertença eclesial e a recomposição caleidoscópica do religioso que este processo arrasta consigo inscrevem-se na evolução geral das sociedades da Terceira Vaga(Cf Alvin Toffler), caracterizadas pela mobilidade, particularmente pelas mudanças determinadas pelas orientações sócio-económicas, bem como pela atenuação do controle social e a valorização da capacidade de escolha pessoal.
A nova fase que a humanidade atravessa foi já abordada pelo Concílio Ecuménico Vaticano II ao dizer:

“A humanidade vive hoje uma nova fase da sua história, na qual profundas e rápidas transformações se estendem progressivamente a toda a terra. Provocadas pelo inteligência e actividade criadora do homem, elas reincidem sobre o mesmo homem, sobre os seus juízos e desejos individuais e colectivos, sobre os seus modos de pensar e agir, tanto em relação às coisas como às pessoas. De tal modo que podemos já falar de uma verdadeira transformação social e cultural, que se reflecte também na vida religiosa”(GS 4).

Realçando os pontos fundamentais, podemos referir a novidade da situação actual, que acarreta transformações rápidas e profundas em todo o mundo. A origem destas transformações está na actividade criadora humana, na sua capacidade de produzir novos meios e nas consequências que isso acarreta para o próprio sujeito da mudança. Este processo cria uma transformação social e cultural tais que geram novas culturas e modos diferentes de constituir sociedade.