Viver não dói

Definitivo, como tudo o que é simples.

Nossa dor não advém das coisas vividas,

mas das coisas que foram sonhadas

e não se cumpriram.

Por que sofremos tanto por amor?

O certo seria a gente não sofrer,

apenas agradecer por termos conhecido

uma pessoa tão bacana,

que gerou em nós um sentimento intenso

e que nos fez companhia por um tempo razoável,

um tempo feliz.

Sofremos por quê?

Porque automaticamente esquecemos

o que foi desfrutado e passamos a sofrer

pelas nossas projeções não realizadas,

por todas as cidades que gostaríamos

de ter conhecido ao lado do nosso amor

e não conhecemos, por todos os filhos que

gostaríamos de ter tido juntos e não tivemos,

por todos os shows e livros e silêncios

que gostaríamos de ter compartilhado,

e não compartilhamos.

Por todos os beijos cancelados,

pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante

e paga pouco, mas por todas as horas livres

que deixamos de ter para ir ao cinema,

para conversar com um amigo,

para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe

é impaciente conosco,

mas por todos os momentos em que

poderíamos estar confidenciando a ela

nossas mais profundas angústias

se ela estivesse interessada

em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu,

mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos,

mas porque o futuro está sendo

confiscado de nós, impedindo assim

que mil aventuras nos aconteçam,

todas aquelas com as quais sonhamos e

nunca chegamos a experimentar.

Como aliviar a dor do que não foi vivido?

A resposta é simples como um verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!!!

A cada dia que vivo,

mais me convenço de que o

desperdício da vida

está no amor que não damos,

nas forças que não usamos,

na prudência egoísta que nada arrisca,

e que, esquivando-se do sofrimento,

perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.

O sofrimento é opcional.

Carlos Drumond de Andrade

João Crisóstomo e a tristeza, num tempo em que não havia depressão


João Cristósomo (349-407) escreveu sobre a tristeza. Mas só escreveu sobre a tristeza porque a palavra depressão ainda não tinha sido inventada.

“A tristeza, na realidade, é para as almas um local horrível de tortura, uma espécie de dor inexplicável, castigo mais amargo do que todos os tormentos e penalidades.
Assemelha-se a um verme venenoso que corrói não somente a carne mas também a própria alma, e não só tritura os ossos como a mente.
A tristeza é um carrasco perpétuo que não rasga as costas mas arruína o vigor espiritual. É uma noite contínua e trevas sem luar; é tempestade, agitação, fogo secreto mais ardente que qualquer chama, guerra sem tréguas, doença que sombreia a maioria das coisas visíveis. O sol, porém, e a limpidez da atmosfera para os assim mal-dispostos parecem importunação e o pleno meio-dia compara-se à noite profunda”.