Viver em comum começa por acolher

Luís M. Figueiredo Rodrigues

O crente sabe-se e sabe o mundo como crente quando se aceita e aceita o mundo como originados e não como origem e fim em si mesmos, por isso o saber do crente é um saber de esperança

Nos tempos que correm, fortemente influenciados pela modernidade já superada, as tradições são postas em causa, pois crê-se que com o progresso científico-técnico o ser humano, recorrendo apenas à razão, pode encontrar em si, e de forma autónoma, a totalidade das suas motivações e, por isso, todo o conhecimento. Mas isto, que é um preconceito contra a tradição, redunda na negação daquilo que quer afirmar: não há lugar à verdade, mas sim à ideologia, com a consequente perda de liberdade e a desumanização. 

O saber em si não é o que acontece primeiro, nem o fundamento último de tudo, pois o saber da possibilidade de saber, que o mundo existe e habitamos nele, que a linguagem me permite interagir no e com o mundo e falar a outros deste mundo, não se sabe nem se demonstra, antes crê-se. O que implica que, antes de qualquer operação de interação e conhecimento, o ser humano recebe uma linguagem, sobretudo da sua cultura e do seu contexto, que lhe oferece uma estrutura possibilitadora de tudo o demais. O «pensar» absolutamente subjetivo, sem recurso a nada exterior, não é possível. 

Wittgenstein refere o «leito da fé» para significar tudo o que precede o indivíduo e que o sujeito terá de acolher, como condição de possibilidade da sua mesma subjetividade. Ou seja, em termos epistemológicos, o crer antecede o saber e o fazer. A confiança pessoal e a linguagem cultural são, então, a condição imprescindível para que o ser humano seja o que é, tenha um sentido e um percurso vital. Claro que somos livres: podemos rejeitar, transformar, assimilar e transmitir criativamente o que recebemos, mas só se primeiro acolhermos. A dinâmica da construção da identidade própria implica todas as dimensões do ser humano, onde a dimensão crente — que acolhe o dom oferecido — é a mais ampla, originária e fundamental.

A transmissão de verdades mais não é que o reconhecimento de que o ser humano é um ser da tradição, sendo esta constitutiva da cultura humana, na medida em que acolhe, transmite, destrói e cria tradições, ou melhor, reorganiza e faz evoluir a tradição. As verdadeiras tradições assumem um processo libertador e orientador, já que diante de uma multidão de possibilidades de perceber, pensar e agir que pode paralisar o homem, coloca-lhe à disposição determinados modelos ou guiding patterns de perceber, pensar e agir, bem como um ambiente comunitário gerador de instâncias de controle e garantes da tradição normativa, num determinado contexto cultural. Este processo é evolutivo porque constituído, em simultâneo, pelos transmissores e pelos recetores que, posteriormente, se assumem também como transmissores.

Este processo afeta a personalidade, pois o facto de um indivíduo estar numa determinada comunidade fundada na tradição, e de esta o influenciar, significa duas coisas: que a tradição possibilita o desenvolvimento da individualidade e que pode também atrofiar o desenvolvimento livre. A tradição, como destino e desafio, postula a assimilação livre e inteligente da tradição, com a consequente atitude crítica, pois a assimilação pessoal é sempre interpretação. Esta resulta da interação daquilo que é transmitido, ou ensinado, com as experiências pessoais, o que sintetiza a possibilidade de continuidade da transmissão e a sua inovação. Razão pela qual há sempre latente uma certa conflitualidade nestes processos.  

É neste contexto que considera a transcendência na reflexão sobre o conceito de “casa comum” nos liberta e faz com que cada cultura particular seja criadora e libertadora de todo o sentido. A possibilidade de sermos interpelados de forma absoluta, com a constituição de uma certeza fundamental, ou uma base sobre a qual se possa construir todas as outras dimensões, é posta de parte pela maioria dos pensadores da pós-modernidade. É certo que a transcendência, porque transcende, só pode ser apreendida por cada pessoa no aqui e agora da sua história, por isso limitado e incompleto. Mas é parte integrante do acreditar a aceitação dessa finitude, que nos determina como seres de acolhimento e não como donos e senhores da realidade. O crer inaugura uma dimensão excessiva em relação à produção de sentido. Na dinâmica do crer, o sentido, mais do que produzido, é acolhido.

Na sua aceção mais genérica, crente é todo aquele que reconhece, contempla, espanta-se e aceita este estatuto de «ser mistério». Aceita que o dom originário, embora compreendido e aceite no seu âmago e nas suas consequências, nunca será totalmente captado e dominado pelos saberes humanos: apenas poderá ser acolhido como algo imerecido e, ao mesmo tempo, excessivo em relação a tudo o que sabe e faz.
O ser humano crente é o que sabe como crente, sabe o mundo e o sentido de forma crente, por isso age como crente. O crente sabe-se e sabe o mundo como crente quando se aceita e aceita o mundo como originados e não como origem e fim em si mesmos, por isso o saber do crente é um saber de esperança. E porque se descobre e acolhe como dom gratuito, dá-se aos demais de forma gratuita, com fundamento fora de si — no Outro — pelo que o saber crente gera a ação caritativa, promotora da Casa Comum.

Cultura do cuidado e da responsabilidade

Luís M. Figueiredo Rodrigues

O cuidado da natureza faz parte de um estilo de vida que implica uma capacidade de viver em conjunto e de comunhão, onde se reconhece que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos.

Afigura-se como cada vez mais incontornável o papel que a religião ocupa na perceção que os indivíduos e as comunidades humanas têm da realidade, configurando o seu modo de ser e estar no mundo. Por esta razão, e até ao revés do que se poderia pensar, os ensinamentos dos líderes religiosos sobre o cuidado da casa comum têm, tendencialmente, uma efetiva influência junto das suas comunidades. Exemplo paradigmático é a intervenção do Papa Francisco que, com a publicação da Encíclica Laudato si’, sobre o cuidado da casa comum, colocou a questão ecológica no centro dos discursos e das preocupações eclesiais.

Naquela Encíclica, a questão ecológica é percebida de uma forma ampla, adotando uma abordagem que considera a complexidade do real. Afirma-se que «tudo está intimamente relacionado e que os problemas atuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspetos da crise mundial» (Laudato Si’, 137); a questão ecológica deixa de ser considerada apenas como a preservação dos ambientes e recursos naturais, para incluir com igual valor as dimensões humanas e sociais.

É neste contexto que a espiritualidade cristã pode oferecer um contributo significativo, propondo «uma forma alternativa de entender a qualidade de vida, encorajando um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria sem estar obcecado pelo consumo» (Laudato Si’, 222). Esta conceção recomenda uma atenção especial à arte de cuidar, que insere o indivíduo no território do personalismo solidário. Dentro da tradição social-cristã, preconiza os princípios sociais da solidariedade, subsidiariedade e bem-comum; bem como os seus grandes valores da verdade, justiça, igualdade, liberdade e participação. Esta orientação dada pela espiritualidade cristã acaba por qualificar toda a ação social.

Ao pensar a “casa comum” a partir desta perspetiva, torna-se natural perceber a “questão ecológica” não apenas associada ao cuidado da natureza — uma ecologia verde —, mas também numa ecologia integral. A partir daí, vê-se a necessidade de velar e respeitar qualquer forma de vida, mas também todos os modelos de vida humana, criando condições económicas e sociais adequadas para que todos os indivíduos, independentemente de qualquer outro atributo, possam ter as condições para viver dignamente. Por isso, a questão social não está alheia à questão ecológica, antes é parte integrante da mesma. Aliás, verifica-se que as mentalidades que originam práticas destruidoras da natureza, acabam também por originar dinâmicas que desrespeitam e agridem os humanos que coabitam nesse espaço. A exploração e o desprezo da natureza nunca estão separados da injustiça e da violência nas relações humanas. De um modo concreto, «o ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social» (Laudato Si’, 48).

Verificado que está a existência de uma certa interligação entra a ecologia natural e a ecologia humana, percebemos que um ambiente humano pouco saudável e desequilibrado – em que as relações se caracterizam pelo encerramento em si mesmo, pela assimetria, pela subjugação e pela manipulação – contribui para poluir a ecologia das relações humanas e até para distorcer as relações com o meio ambiente. Pelo contrário, um ambiente livre e aberto – que permita uma circulação alargada de sentido, que atraia a atenção para o outro e diferente, que promova a compreensão e não o conflito, o diálogo em vez do isolamento e o confronto – promove relações sociais e ambientais mais equilibradas e produtivas. 

Esta ligação destaca-se ainda mais claramente quando Francisco chama a atenção para o «grande desafio cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração» (Laudato si’, 202), onde o tema da educação ambiental e ética ecológica está enquadrado no conceito mais geral de “cuidado” e responsabilidade para com a natureza e os humanos. O cuidado da natureza faz parte de um estilo de vida que implica uma capacidade de viver em conjunto e de comunhão, onde se reconhece que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos. O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em todas as ações que procuram construir um mundo melhor. Neste contexto, juntamente com a importância dos pequenos gestos diários, a caridade social impele-nos a pensar em grandes estratégias que detenham eficazmente a degradação ambiental e incentivem uma cultura do cuidado que perpasse toda a sociedade (Laudato si’, 231).

Uma Casa Comum, fraterna

Luís M. Figueiredo Rodrigues

Ao entender o mundo como um sistema interligado, verifica-se que há dinâmicas de agressão, mas também de simbiose e cooperação, imprescindíveis para o desenvolvimento das espécies e da vida, seja ela de que reino for. Optar por dinâmicas de agressão e exclusão leva a caminhos de desumanização e aniquilamento. A fraternidade surge como o “antídoto” que permitirá o mundo globalizado sobreviver à barbárie.


A Laudato Si’ diz-nos que o «amor fraterno só pode ser gratuito, nunca pode ser uma paga a outrem pelo que realizou, nem um adiantamento pelo que esperamos venha a fazer. Por isso, é possível amar os inimigos» (§ 228), o que nos leva a olhar com outro interesso ao livrinho La fraternité, pourquoi? (2019), onde Edgar Morin contrapõe ao modo darwuinista de compreender a sociedade uma proposta baseada na ajuda-mútua e na cooperação. A obra A origem das espécies através da seleção natural, ou a Preservação das raças favorecidas na luta pela vida (1859), fez com que o nome de Charles Darwin estivesse associado a uma certa compreensão da evolução das sociedades, de um modo tal que a teoria da seleção natural justificou a competição entre os indivíduos e as diversas estratégias que levam a que só sobrevivam os mais aptos. Esta “seleção natural” levaria a um aperfeiçoamento e, consequentemente, a um progresso qualitativo. Contudo, Morin, apoiando-se no pensamento de Pierre Kropotkine, sobretudo na obra O apoio mútuo: um fator de evolução (1902), argumenta que a vida, mais do que na competição, apoia-se na cooperação. Cada uma das espécies, ao desenvolver-se no âmbito de um ecossistema concreto, evidencia que as que melhor se adaptam não são as mais agressivas, mas sim as mais solidárias. Em cada ecossistema há predadores e agressores, que competem com o meio, mas também há a interação positiva, a simbiose e a cooperação, imprescindíveis para o desenvolvimento das espécies e da vida, seja ela de que reino for. Veja-se, a título de exemplo, a importância da polinização, onde a cooperação entre os insetos e os vegetais é imprescindível para a sobrevivência de todos. Edgar Morin conclui que é a resistência à crueldade de tudo o que predatório e ameaçador para a vida que suscita as práticas de entreajuda e complementaridade, capazes de criar amplos espaços de solidariedade, imprescindíveis para que haja vida. Esta evidencia a necessidade, sempre, de relação com outros, seja através de relações parasitárias ou predatórias, seja através de associações ou simbioses. Em síntese, a existência da vida acarreta sempre o conflito e a cooperação.

A partir deste enquadramento, percebe-se melhor que face aos perigos comuns, de âmbito global ¬— sejam eles ecológicos, económicos, bélicos ou outros ¬— Edgar Morin preconize a necessidade imperiosa de uma fraternidade humana que salvaguarde a nossa comunidade humana de destino. O conceito de “fraternidade” aglutina estas problemáticas de uma forma única: como uma espécie de autoajuda, cooperação ou comunidade; e como um vínculo de âmbito familiar, laboral ou político. Diante do inimigo, da miséria humana ou da solidão, talvez a fraternidade se denomine mais através do sinónimo “solidariedade”. Já diante do estrangeiro, do estranho ou daquele que é diferente, por qualquer motivo, se denomine como “hospitalidade”. O fulcral é que a fraternidade se caracteriza pela impossibilidade se ser imposta por aqueles que detêm a autoridade, é preciso que surja de cada sujeito, dado que a fraternidade se caracteriza pela relação afetiva e afetuosa interpessoal.

Mas falar de fraternidade pode levar a que se foque a atenção apenas no sujeito individual e naqueles que lhe são fisicamente próximos. Mas vive-se hoje o mundo globalizado! A globalização, como fenómeno, foi entendida como um processo de interconexão social, extensível a todo o globo. A interconexão à escala global — e de acordo com as diferentes épocas da história e latitudes — permitiu a troca de significados culturais entre as diversas sociedades, por um lado, e a universalização de alguns conceitos e ideias, por outro. Por isso, a globalização percebe-se como uma prática subjetiva, que interliga o todo global.

Assim sendo, a globalização pode ser simplesmente o nome dado a uma matriz de processos que alargam as relações sociais através do espaço mundial, mas a forma como as pessoas vivem essas relações é bastante complexa, mutável e difícil de delinear. A pertinência de uma abordagem “global” para a compreensão do mundo reside no facto de ser necessária uma atenção aos fenómenos culturais da globalização, para compreender os acontecimentos particulares à luz da globalização, mas também o inverso. Há muitos fenómenos que, sendo agora globais, nasceram num contexto social concreto. E é neste contexto que se torna mais imperioso «revigorar a consciência de que somos uma única família humana. Não há fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo, também não há espaço para a globalização da indiferença» (§ 52)

A cidade informacional como desafio pastoral

Como citar este artigo: Rodrigues, Luís M. Figueiredo. «A cidade informacional como desafio pastoral». Communio 33, n.o 2 (2016): 179–86.

Luís M. Figueiredo Rodrigues
UCP – Faculdade Teologia

A paisagem humana é constantemente afetada pelos artefactos tecnológicos que dão suporte às suas demandas civilizacionais. Se as ferramentas são resultado da busca de soluções para tarefas específicas, não é menos verdade que a concretização obtida influencia, de alguma maneira, os seus utilizadores[1]. Referimo-nos às ferramentas e não aos meros instrumentos. A função destes esgota-se na utilização imediata, ao passo que a daquelas existe antes e perdura depois da sua utilização, o que faz com que, mesmo a mais rudimentar, seja mnemotécnica[2]. Ao arquivar em si memórias das competências daqueles que a elaboraram vai permitir que sobre esta se vai elhorando a proficiência, através das utilizações sucessivas. O armazenamento de memórias nas ferramentas vai permitir recuperar a informação nas gerações posteriores e, por isso, influenciá-las. Os desenvolvimentos tecnológicos acabam, de uma ou de outra forma, por ter consequências sociais e culturais[3]. De algum modo, a utilização de uma ferramenta conduz o utilizador pelo caminho evolutivo que a fez chegar até aí, embora nem sempre isso seja consciente. A este dado acresce o facto de que na cidade informacional a relação entre sujeitos se faz através de ferramentas digitais, da técnica, que é a ação sobre as coisas, e não apenas da práxis, que é a ação de um sujeito com outro sujeito[4].

O informacionalismo é o paradigma tecnológico que constitui a base material das sociedades do início deste século, sucedendo, assim, ao paradigma industrial precedente[5]. É um paradigma tecnológico que constitui a base das descobertas compreensivas da sociedade contemporânea. Sucede e está ainda a conviver com o paradigma industrial que, progressivamente, vai substituindo, e do qual herda recursos[6]. O novo paradigma do informacionalismo pode ser facilmente compreendido se o compararmos com o industrial. Aqui, a energia é o recurso primário e as tecnologias agrupam-se em torno deste recurso. É um paradigma caracterizado pela organização sistemática das tecnologias, com base na competência para gerar e distribuir energia. O informacional, por seu turno, é um paradigma baseado no aumento da capacidade de processar informação. O novo paradigma não existe por si só, precisa do anterior, desde logo pelos recursos materiais que este aporta e que lhe são imprescindíveis. Mas, «sendo a informação e a comunicação as dimensões mais fundamentais da atividade e organizações humanas, uma mudança revolucionária nas condições materiais do seu desempenho afeta todos os âmbitos da atividade humana»[7]. Na cidade informacional, a capacidade que qualquer sujeito tem de atuar sobre a rede de comunicações permite-lhe, a ele e às organizações, reconfigurar a rede em função das suas necessidades e projetos[8]. Mas convém ter bem presente que esta possibilidade depende muito do modelo de poder que existir na configuração da rede. Nesta nova sociedade, a da informação, — com o consequente processo de formação, pesquisa e produção — o sucesso depende sobretudo da capacidade de gerar conhecimento e processar essa informação de modo eficiente. O sucesso está naqueles que saibam o que procurar na Internet e o que fazer com o que encontram em função das tarefas e projetos a que se destina a informação. 

A transição do paradigma industrial para o informacional, como nas épocas anteriores, é lenta e nada homogénea. Mas o que resulta evidente é que a sociedade informacional, através das redes que promove, está a moldar a sociedade. As pessoas plenamente integradas nessa sociedade constituem uma minoria da população do planeta. Contudo, se as plenamente integradas são poucas, a influência do que acontece nas diversas redes, que configuram a sociedade em rede, afeta toda a população. A sociedade em rede é a estrutura dominante do planeta que, progressivamente, vai tendo repercussão sobre o modo como se está fora do ciberespaço[9]

Cultura digital

A cidade informacional assume um conjunto de valores e de crenças específicos que motivam o comportamento dos cidadãos. Ao ter como suporte as tecnologias digitais, que propiciam a sociedade em rede, é natural que estas alterações afetem a cultura. Como «resultado da convergência da evolução histórica e da mudança tecnológica, entramos num modelo genuinamente cultural de interação e organização social»[10]. Tem, por isso, uma cultura própria[11]. Contudo, a sociedade em rede não é uniforme em todo o território, antes se desenvolve em diferentes contextos territoriais e culturais. O núcleo comum daquilo que se chama cultura da sociedade em rede é que «existe globalmente num tempo real; é global na sua estrutura. Por isso, não só alastra a sua lógica a todo o mundo, mas mantém a sua organização em rede no âmbito global, ao mesmo tempo que desenvolve a especificidade de cada sociedade»[12], pelo que a cultura digital, mais do que a uniformização cultural, procura promover a partilha e o diálogo entre as diferentes culturas. Não pretende ser uma cultura universal que se impõe, antes promover a interação cultural entre culturas, mesmo as minoritárias, que fora da cidade informacional não teriam a capacidade de expressão que hoje possuem. Por isso, «os protocolos de comunicação entre as diferentes culturas são a pedra angular da sociedade rede, já que sem eles não existe a dita sociedade, mas apenas redes dominantes e comunas de resistência»[13].

A cultura digital apoia-se, então, não tanto nos conteúdos, mas nos processos de partilha que possibilita. A partilha acaba por ser o fenómeno mais apreciado, não a partilha dos mesmos valores, mas do valor da partilha em si mesmo. A base desta cultura não são os conteúdos, mas sim os processos de interação. E a partilha de significados culturais diferentes pode não só coexistir, como ser agora potenciada. Graças ao poder dos símbolos, mediados pela integração dos diversos média, todas as realidades são comunicáveis. A realidade é captada e imersa numa composição de objetos digitais que não apenas representam o real, mas são capazes de o criar e recriar, pala além dos ecrãs, transformando-se em experiência[14].

Com o recurso às novas tecnologias, a informação é desmaterializada, dando origem à possibilidade de virtualização. O virtual não só não é oposto ao real, como é uma dimensão muito importante da realidade, porque o virtual é aquilo que existe, não em ato, mas em potência. O oposto do virtual é o atual, pois «o virtual tende a atualizar-se, embora não se concretize de um modo efetivo e formal»[15]. A esta dupla convém acrescentar um outro conceito: o possível. O possível está todo constituído, só ainda não está realizado. E realiza-se sem que nada o mude ou afete, pelo que o possível é exatamente como o real, só lhe falta existência. Não há nenhum processo de criação, porque não há nenhuma inovação. 

Quando o virtual gera experiência vivida dá-se a atualização, que é a solução de um problema, mas que não estava anteriormente contida, como no caso do possível; é uma criação que surge através da configuração dinâmica de forças e finalidades proporcionadas pelo virtual. A atualização cria algo de novo, que não estava antes predefinido, porque nasce do diálogo entre o virtual e uma determinada configuração espácio-temporal onde se realiza a atualização. 

A cultura digital assume, ainda, uma ética hacker[16] — sem conotações negativas — que se baseia no prazer de partilhar e do uso imediato da criação. Centra-se na fruição da inovação partilhada, que acaba por ser a sua gratificação, o ganho procurado. O trabalho centra-se sobretudo em projetos, mais do que em tarefas específicas ou no horário de serviço. Este dado reveste-se tanto mais de importância quanto mais se toma consciência de que a cultura digital, a da Internet, é a cultura dos seus criadores[17]. Pode distinguir-se, então, entre consumidores/utilizadores, que são os que utilizam os recursos presentes na Web, e os produtores/utilizadores, que são quem alimenta o sistema tecnológico[18] e que, por isso, configuram a paisagem cultural da cidade informacional, baseando-se na tecnomeritocracia[19].

Se no paradigma industrial o valor económico é aquele que mais movimenta os cidadãos, no informacional os produtores/utilizadores movem-se sobretudo pela reputação, que constitui o elemento essencial para aferir da possibilidade de pertencer à comunidade, assim como para estabelecer uma hierarquização entre os membros[20].

Desafios pastorais

Os novos média e a cultura que eles originam, a digital, não podem ser vistos apenas como mais um recurso, talvez até muito eficaz, para difundir mensagens religiosas e, com isso, facilitar a evangelização. São muito mais do que isso, são um ambiente, um contexto e uma cultura próprios que lançam novos desafios à pastoral[21]

Se, até aqui, as mudanças comunicacionais se focavam na quantidade e na velocidade, até se poder falar em mass-media, onde um emissor envia informações em massa para a universalidade dos recetores e que tem o seu último estádio evolutivo na Web 1.0, das páginas estáticas na Internet.  Na geração seguinte, cada recetor é também um emissor, o poder e o controle estão distribuídos. Deixa de haver um grupo reduzido de emissores que enviam muita informação para todos os recetores, disputando a atenção destes, para passar a haver uma imensidão de comunicações e partilhas, de todos para todos, numa pluralidade de direções, dando origem ao cross-media. Estamos na Web 2.0, das redes sociais digitais, que será tanto mais bem-sucedida quanto mais as ferramentas digitais permitirem usufruir dos recursos presentes na Internet. Por seu turno, a Web 3.0, que discretamente se está a desenvolver, afirmar-se-á na medida em que for mais semântica, permitindo, através da interligação de significados, que a máquina e o ser humano trabalhem em cooperação, desde que cada indivíduo partilhe a informação que ele considera importante e, por isso, a agregue ao seu perfil, dando visibilidade estável à sua identidade digital[22]. Daqui a importância do reconhecimento de protocolos comunicacionais[23], coerentes com o estilo cristão.

A atenção pastoral não pode estar alheia a esta nova realidade, porque nada do que é humano é estranho às preocupações da comunidade eclesial (cf. GS 1), que além do mais está consciente da mudança cultural que se está a operar e para a qual os pronunciamentos do magistério eclesial têm vindo a alertar[24]. Desde logo, assumindo que não basta a transmissão de informações — muito própria dos processos educativos de suporte digital, cada vez mais em voga —, mas importa cultivar uma atitude que promova a aquisição de um conhecimento de fisionomia sapiencial. Também aqui, a ritualidade em geral[25], e a liturgia cristã em particular, são descobertas como únicas e essenciais, porque mais que transmitir informações, importa ser capaz de fazer memória. A comunidade eclesial redescobre que a sua ação só tem força na medida em que as suas ações e palavras manifestam a ação de Deus e permitem uma experiência de fé. Por isso, não há ação pastoral sem uma estreita ligação com toda a ação litúrgica e sacramental da Igreja. Aqui, e de forma mais densa na eucaristia, está contido todo o mistério da fé. Aquela «é memorial, é banquete, é sacrifício, é oferenda; é aliança e é louvor; é recordação de um passado definitivamente consumado, situado no tempo e no espaço, é presença única que assume o homem integrando-o no ato transcendental do Senhor e não é menos esperança em relação ao futuro, nostalgia do que há de vir»[26]. Mas o «fazer memória» não é voltar-se para o passado: é um tornar presente que, justamente, diz no hoje o sentido desse passado. Na medida em que «faz memória», confessa que o passado não é simplesmente passado, morto. Um «fazer memória» é sempre um gesto presente que cristaliza uma existência, pessoal e comunitariamente, onde as coordenadas escapam ao desenrolar linear da simples temporalidade[27].

Esta constatação abre passo para outro desafio pastoral, que postula que não se fique por meros contactos ocasionais nas redes sociais digitais, mas que se cultivem autênticas relações de amizade que, necessariamente, cheguem ao toque físico no seio de uma comunidade eclesial. Este desafio convida as comunidades a valorizarem cada vez mais a sua atitude de acolhimento, de escuta e abertura ao que é diferente.  A autêntica cultura do encontro implica uma maior reflexão, capaz de distinguir e valorizar corretamente as dimensões virtual e atual das relações, e a sua necessária complementaridade. Este dado deve-se ao facto de que a comunhão, entendida em sentido teológico, não se consegue apenas com relações virtuais. Antes, lança o desafio espiritual que tem no binómio palavra e silêncio o critério aferidor da qualidade de uma presença digital que sirva a diaconia do sentido. A amizade é, então, a expressão da relação com a Trindade e do testemunho cristão, quer dos participantes individuais, quer das comunidades, num permanente exercício de abertura de portas, sobretudo às periferias existenciais.

A análise das práticas realizadas na Web evidencia, por vezes de modo quase exclusivo, que o tornar-se cristão pressupõe um encontro pessoal, entre a fé que é dom, mas também acolhimento livre. Estamos diante da dimensão pessoal e individual da fé, que não pode esquecer que também é necessário um quadro referencial normativo da fé, exterior ao sujeito, porque «num contexto de pluralismos de subsistemas sociais, agravado pela confusão de referências e a referência do indivíduo por si mesmo, é necessário especificar os contornos da fé cristã como tal»[28]. Percebe-se a necessidade de uma norma veritativa da fé[29], não arbitrária, que a faça entender como um quadro de referências indispensável para escolhas no futuro, numa descontinuidade com a cultura circundante, embora sem deixar de ser uma fé vivida por indivíduos numa sociedade muito solitária[30], mas que recorrem às ferramentas digitais para se aproximar e procurar quem responda aos seus anseios, para dar corpo à sua busca de sentido. A fé tomará novas formas, manifestar-se-á de maneira distinta, mas a que for «praticada sobre o impacto da afirmação de intensa individualidade não será uma realidade diferente da fé cristã como tal. Esta fé será simplesmente a fé de sempre experimentada numa situação histórica particular»[31]. Mercê das caraterísticas da cultura digital, promove-se a experiência de fé subjetiva como a característica mais destacada, intensificando uma individualidade crente, em que a experiência de fé ganha destaque sobre o conteúdo da mesma. A práxis cristã nos novos ambientes digitais descobrirá novas formas de viver e compreender a fé, cabendo ao discernimento eclesial aferir da existência ou não de elementos estranhos à memória cristã[32].

No âmbito da cidade informacional, onde o imaterial parece ter um lugar de quase exclusividade, convém também não esquecer que de acordo com a tradição cristã não há salvação «sem carne e sem referência à incarnação do Verbo»[33], pelo que qualquer proposta pastoral terá, necessariamente, de contemplar sempre a experiência de fé feita na carne como prioritária. Este é o grande desafio.


[1] Cf. E. Graham, «Being, making and imagining: Towards a practical theology og technology», in Culture and Religion: An Interdisciplinary Journal 10 (2009) 221-236. 

[2] Cf. R. Debray, Introduction à la médiologie, ed. Presses Universitaires de France, Paris 2000, 19-20.

[3] Cf. J. M. Duque, «Rality, Virtuality and Relation. Neognostic Utopias of the Post-Human in Cyberculture», in ET-Studies 7,1 (2016) 132-133. 

[4] Cf. R. Debray, Transmettre, ed. Odile Jacob, Paris 1997, 185-186.

[5] Cf. M. Castells, A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. A Sociedade em Rede. Vol. I, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 20073, 225-230.

[6] Cf. Idem, «Informacionalismo, redes y sociedade red: una propuesta teórica», in Idem (ed.), La sociedad red: una visión global, ed. Alianza Editorial, Madrid 2006, 33.

[7] Ibidem, 34.

[8] Cf. Ibidem, 37.

[9] J. M. Duque, a.c., 136.

[10] M. Castells,, A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. A Sociedade em Rede. Vol. I, 615.

[11] Cf. A. Cloete, «Living in a digital culture: the need for theological reflection», in HTS Teologiese Studies/Theological Studies 71, 2 (2015) 2. 

[12] M. Castells, «Informacionalismo, redes y sociedade red: una propuesta teórica», 68. Se, inicialmente, Manuel Castells fala em «sociedade em rede», o conceito evolui, depois, para «sociedade rede».

[13] Ibidem, 69.

[14] Cf. P. Lévy, Cyberculture, Editions Odile Jacob, Paris 1997; Idem, Qué es lo virtual?, Ed. Paidós, Barcelona 1998.

[15] Idem, Qué es lo virtual?, Ed. Paidós, Barcelona 1998, 10.

[16] Cf. P. Himanen, «La ética hacker como cultura de la era de la información», in M. Castells, (ed.), La sociedad red: una visión global, 510-511. 

[17] Cf. J. R. Fernández, Evangelizar en el planeta digital. Cómo hacer significativa nuestra presencia en Internet, Col. Pastoral 43, ed. PPC, Madrid 2013. 

[18] Cf. M. Castells, A Galáxia Internet, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 2007, 55.

[19] Cf. Ibidem, 57-60.

[20] Cf. Ibidem, 58-59.

[21] Os diversos desafios que a cultura digital oferece às religiões podem ser aglutinados em torno de cinco núcleos, a saber: a ritualização, a identidade, o sentido de comunidade, a autoridade e, por fim, a autenticidade (cf. H. Campbell (Ed.), Digital Religion. Understanding religious practice in new media worlds, ed. Routledgs, New York 2013; J. Mitchell, S. Marriage, Mediating Religion. Conversations in media, religion and culture, ed. T&T Clark, London/New York 2006).

[22] Cf. S. Williams, S. Fleming, P. Parslow, Pat, This Is Me, Learning materials about Digital Identity, Eduserv [http://centaur.reading.ac.uk/17356/1/Williams_2010_TiM_Careers.pdf (acedido a 30/05/2016)].

[23] Cf. A. Zem-Lopes et al, «Uma Revisão Sistemática das Tecnologias da Web Semântica em Ambientes Educacionais», in Anais dos Workshops do Congresso Brasileiro de Informática na Educação (2013) 571-580.

[24] Cf. L. M. F. Rodrigues, «Proponer el Evangélio em uma cultura digital», in J. C. Carvajal Blanco, Á. Castaño Félix (Eds), Id y haced discípulos… (Mt 28,9). Al servicio de la fe, Ediciones Universidad San Dámaso, Madrid 2012, 199-222.

[25] Cf. G. Goethals, «Myth and Ritual in Cyberspace», in J. Mitchell, S. Marriage, Mediating Religion. Conversations in media, religion and culture, ed. T&T Clark, London/New York 2006, 257-269.

[26] O. Gonzales de Cardedal, «Prologo», in J. M. Sanches Caro; V. Martín Pindado, La gran oración eucarística. Textos de ayer y de hoy, ed. La Muralla, Madrid 1968, 15.

[27] Cf. P. Gisel, Croyance incarnée. Tradition – Écriture – Canon – Dogme, ed. Labor et Fides, Gèneve 1986, 44.

[28] D. Terra, Devenir Chrétien aujourd’hui. Un discernement avec Karl Rahner, ed. L’Harmattan, Paris 2006, 19.

[29] Cf. P. Gisel, o.c., 61-64.

[30] Cf. D. terra, o.c., 98.

[31] Ibidem, 157.

[32] Cf. F. Sebastián Aguilar, La fe que nos salva. Aproximación pastoral a una Teología Fundamental, col. Lux Mundi 92, ed. Sígueme, Salamanca 2012, 253.

[33] J. M. Duque, a.c., 146.

Sem fé pessoal não há reflexão teológica

A fé teologal, suscitada e fundada em Jesus Cristo, é assumida como elemento que institui a consciência confessante da Igreja, que lhe dá a possibilidade de conhecer a verdade sobre o destino da existência, precisamente quando ela se entrega à revelação confiável do Abba-Deus em Jesus. Captar de forma inteligível a estrutura essencial deste acontecimento de fé, que se repete sem cessar, para apreender a fundamentação reflexa da qualidade não ilusória (nem arbitrária nem dogmática) do seu princípio, é o objetivo do trabalho intelectual da teologia.
(cf. Perangelo Sequeri)

A pedofilia na Igreja, Crónica de Anselmo Borges

Na semana passada, fui abordado por vários jornalistas sobre a calamidade dos padres pedófilos. Que achava? A resposta saía espontânea: “Uma vergonha.” Aliás, no sábado, apareceu, finalmente, a Carta do Papa, na qual manifestava isso mesmo: “vergonha”, “remorso”, partilha no “pavor e sensação de traição”.

O pior, no meio deste imenso escândalo, foi a muralha de silêncio, erguida por quem tinha a obrigação primeira de defender as vítimas. Afinal, apenas deslocavam os abusadores, que, noutros lugares, continuavam a tragédia.

Há na Igreja uma pecha: o importante é que se não saiba, para evitar o escândalo. Ela tem, aliás, raízes estruturais: o sistema eclesiástico, clerical e hierárquico, acabou por criar a imagem de que os hiearcas teriam maior proximidade de Deus e do sagrado, de tal modo que ficavam acima de toda a suspeita. Mas, deste modo, aconteceu o pior: esqueceu-se as vítimas – no caso, crianças e adolescentes, remetidos para o silêncio e sem defesa.

Neste sentido, o Papa dirige-se criticamente aos bispos: “Foram cometidos sérios erros no tratamento das acusações”, que minaram “seriamente a vossa credibilidade e eficiência”. Por isso, “só uma acção decidida levada em frente com honestidade e transparência poderá restabelecer o respeito em relação à Igreja”. Mas, aqui, há quem pergunte se não foram ignoradas as responsabilidades do Vaticano nestes erros e silêncios.

É sabido que infelizmente a Igreja Católica não tem o monopólio da pedofilia, que passa por muitas outras instituições: religiosas, civis e militares – há dados que mostram que a maior parte dos casos acontece nos ambientes familiares -, e é decisivo que todos assumam as suas responsabilidades, pois não é bom bater a culpa própria no peito dos outros. Mas é natural que o que se passou no seio da Igreja seja mais chocante, já que se confiava mais nela.

Até há pouco tempo, a Igreja pensou que era a guardiã da moral e queria impor os seus preceitos a todos, servindo-se inclusivamente do braço secular, ao mesmo tempo que se julgava imune à crítica. Recentemente, a opinião pública começou a pronunciar-se também sobre o que se passa na Igreja, pois todos têm o direito de debater o que pertence à humanidade comum. Há quem diga que, no caso, se trata de revanchismo. A Igreja tem dificuldade em lidar com a nova situação, mas, de qualquer modo, tendo sido tão moralista no domínio sexual, tem agora de confrontar-se com este tsunami, que exige uma verdadeira conversão e até refundação, no sentido de voltar ao fundamento, que é o Evangelho.

As vítimas precisam de apoio e de reparação, na medida do possível. Esse apoio não pode ser só financeiro. Note-se que já se gastaram em indemnizações milhares de milhões de euros, sendo certo que os fiéis não pensariam que todo esse dinheiro havia de ter, infelizmente, este destino. Assim, até por isso, a Igreja precisa de reparar os males feitos e de uma nova atenção para que esta situação desgraçada nunca mais se repita, o que implica, por exemplo, uma atenção renovada no recrutamento de novos padres.

Os abusadores precisam igualmente de apoio, também psicológico, e de compreensão. Deve, no entanto, vedar-se-lhes o exercício do ministério e, uma vez que se está ao mesmo tempo em presença de um pecado e de um crime, deverão pedir perdão, reconciliar-se com Deus e colaborar com a Justiça dos Estados.

Não se pode estabelecer uma relação inequívoca de causalidade entre celibato e pedofilia, até porque há também muitos casados, até pais, que abusam sexualmente de menores. Mas também não se poderá desvincular totalmente celibato obrigatório e pedofilia, sobretudo quando, para chegar a padre, se foi educado desde criança ou adolescente num internato, aumentando o risco de uma sexualidade imatura.

Em todo o caso, será necessário pensar na rápida revogação da lei do celibato. Aliás, a Igreja não pode impor como lei o que Jesus entregou à liberdade. Enquanto se mantiver o celibato como lei, a Igreja continuará debaixo do fogo da suspeita.

por ANSELMO BORGES
Diário de Notícias, 27 Março 2010

A propósito do «despropóstito» destes últimos ataques!

Uma agressão ao Papa



Marcello Pera,

Filósofo, agnóstico e senador.

Publicado no Corriere della Sera 17.III.10

Caro Director,

A questão dos sacerdotes pedófilos ou homossexuais, que rebentou recentemente na Alemanha, tem como alvo o Papa. E, dadas as enormidades temerárias da imprensa, cometeria um grave erro quem pensasse que o golpe não acertou no alvo – e um erro ainda mais grave quem pensasse que a questão morreria depressa, como morreram tantas questões parecidas. Não é isso que se passa. Está em curso uma guerra.

Não propriamente contra a pessoa do Papa porque, neste terreno, tal guerra é impossível: Bento XVI tornou-se inexpugnável pela sua imagem, pela sua serenidade, pela sua limpidez, firmeza e doutrina; só aquele sorriso manso basta para desbaratar um exército de adversários. Não, a guerra é entre o laicismo e o cristianismo.

Os laicistas sabem perfeitamente que, se aquela batina branca fosse tocada, sequer, por uma pontinha de lama, toda a Igreja ficaria suja, e se a Igreja ficasse suja, suja ficaria igualmente a religião cristã. Foi por isso que os laicistas acompanharam esta campanha com palavras de ordem do tipo: «Quem voltará a mandar os filhos à igreja?», ou «Quem voltará a meter os filhos numa escola católica?», ou ainda: «Quem internará os filhos num hospital ou numa clínica católica?» Há uns dias, uma laicista deixou escapar uma observação reveladora: «A relevância das revelações dos abusos sexuais de crianças por parte de sacerdotes mina a própria legitimação da Igreja Católica como garante da educação dos mais novos.»

Pouco importa que semelhante sentença seja desprovida de qualquer base de prova, porque a mesma aparece cuidadosamente latente: «A relevância das revelações»; quantos são os sacerdotes pedófilos? 1%? 10%? Todos? Pouco importa também que a sentença seja completamente ilógica; bastaria substituir «sacerdotes» por «professores», ou por «políticos», ou por «jornalistas» para se «minar a legitimação» da escola pública, do parlamento, ou da imprensa. Aquilo que importa é a insinuação, mesmo que feita à custa de um argumento grosseiro: os sacerdotes são pedófilos, portanto a Igreja não tem autoridade moral, portanto a educação católica é perigosa, portanto o cristianismo é um engano e um perigo. Esta guerra do laicismo contra o cristianismo é uma guerra campal; é preciso recuar ao nazismo e ao comunismo para se encontrar outra igual. Mudam os meios, mas o fim é o mesmo: hoje, como ontem, aquilo que se pretende é a destruição da religião. Ora, a Europa pagou esta fúria destrutiva ao preço da própria liberdade.

É incrível que sobretudo a Alemanha, que bate continuamente no peito pela memória desse preço que infligiu a toda a Europa, se esqueça dele, hoje que é democrática, recusando-se a compreender que, destruído o cristianismo, é a própria democracia que se perde. No passado, a destruição da religião comportou a destruição da razão; hoje, não conduz ao triunfo da razão laica, mas a uma segunda barbárie.

No plano ético, é a barbárie de quem mata um feto por ser prejudicial à «saúde psíquica» da mãe. De quem diz que um embrião é uma «bola de células», boa para fazer experiências. De quem mata um velho porque este já não tem família que cuide dele. De quem apressa o fim de um filho, porque este deixou de estar consciente e tem uma doença incurável. De quem pensa que progenitor «A» e progenitor «B» é o mesmo que «pai» e «mãe». De quem julga que a fé é como o cóccix, um órgão que deixou de participar na evolução, porque o homem deixou de precisar de cauda. E por aí fora. Ou então, e considerando agora o lado político da guerra do laicismo contra o cristianismo, a barbárie será a destruição da Europa. Porque, eliminado o cristianismo, restará o multiculturalismo, de acordo com o qual todos os grupos têm direito à sua cultura. O relativismo, que pensa que todas as culturas são igualmente boas. O pacifismo, que nega a existência do mal.

Mas esta guerra contra o cristianismo seria menos perigosa se os cristãos a compreendessem; pelo contrário, muitos deles não percebem o que se está a passar. São os teólogos que se sentem frustrados com a supremacia intelectual de Bento XVI. Os bispos indecisos, que consideram que o compromisso com a modernidade é a melhor maneira de actualizar a mensagem cristã.

Os cardeais em crise de fé, que começam a insinuar que o celibato dos sacerdotes não é um dogma, e que talvez fosse melhor repensar essa questão. Os intelectuais católicos que acham que a Igreja tem um problema com o feminismo e que o cristianismo tem um diferendo por resolver com a sexualidade. As conferências episcopais que se enganam na ordem do dia e, enquanto auguram uma política de fronteiras abertas a todos, não têm a coragem de denunciar as agressões de que os cristãos são alvo, bem como a humilhação que são obrigados a suportar por serem colocados, todos sem descriminação, no banco dos réus. Ou ainda os chanceleres vindos do Leste, que exibem um ministro dos negócios estrangeiros homossexual, ao mesmo tempo que atacam o Papa com argumentos éticos; e os nascidos no Ocidente, que acham que este deve ser laico, que o mesmo é dizer anti-cristão. A guerra dos laicistas vai continuar, quanto mais não seja porque um Papa como Bento XVI sorri, mas não recua um milímetro.

Mas aqueles que compreendem esta intransigência papal têm de agarrar na situação com as duas mãos, não ficando de braços cruzados à espera do próximo golpe. Quem se limita a solidarizar-se com ele, ou entrou no horto das oliveiras de noite e às escondidas, ou então não percebeu o que está ali a fazer.

Retirado de: https://jesus-logos.blogspot.com/2010/03/uma-agressao-ao-papa-por-um-filosofo.html



Experta denuncia “nuevo reino del terror” que busca destruir fuerza moral de la Iglesia

ROMA, 24 Mar. 10 / 06:35 am (ACI)

Elizabeth Lev es una historiadora estadounidense que actualmente trabaja en Roma y que rechaza la campaña mediática actual contra sacerdotes y religiosos. La compara a la de finales del siglo XVIII en Francia cuando los escándalos se magnificaban para hacer creer que esto era endémico en el clero, lo que llevaría años más tarde al asesinato de muchos presbíteros. A partir de la perspectiva de un analista inglés protestante de esa época, la experta explica que la intención de los ataques es destruir la fuerza moral de la Iglesia Católica.

En un artículo titulado “En defensa del clero católico (¿o queremos otro reino del terror?)” publicado en el sitio web Politics Daily, Lev se refiere al clima triunfalista en 1790 en Francia con la revolución y a la postura de Edmund Burke, un protestante miembro del Estado inglés, que en ese año criticaba la campaña anticlerical de los franceses que desenterraban escándalos de décadas e incluso, siglos pasados.

“Viendo el estilo general de las últimas publicaciones, uno podría pensar que el clero de Francia son una especie de monstruos, una horrible composición de superstición, ignorancia, pereza, fraude, avaricia y tiranía. ¿Pero, es cierto esto?”, se cuestionaba Burke.

Tras preguntarse sobre lo que Burke habría opinado ante los intentos mediáticos actuales de vincular, a cualquier precio, al Papa con cualquier escándalo de pedofilia, Lev señala que el protestante inglés comentaba en aquel entonces que “no escucho con mucha credibilidad a quien habla del mal de aquellos a quienes van a saquear. Sospecho, en cambio, que los vicios a los que se refieren son fingidos o exagerados cuando se busca solo provecho en el castigo que planean”.

Cuando Burke escribía esto, dice Lev, “los revolucionarios franceses estaban alistándose para la confiscación masiva de las propiedades de la Iglesia“.

Actualmente, escribe la historiadora, “los salaces informes sobre los abusos sexuales del clero (como si estuvieran limitados solo al clero católico) han sido colocados por encima de las masacres de cristianos en India e Irak. Además, la frase ‘abuso sexual del clero’ se equipara erróneamente con ‘pedofilia’ para avivar aún más la indignación. No consideran la perspicacia política de un Edmund Burke que se pregunta por qué la Iglesia Católica es escogida para ser tratada así”.

Luego de reconocer que efectivamente es gravísimo el mal producido por una pequeñísima minoría de sacerdotes católicos contra menores, Lev recuerda que son muchísimos más los que viven santamente en sus parroquias, atendiendo a sus feligreses. Estos buenos hombres han sido manchados por la misma tinta venenosa” de muchos medios.

Seguidamente señala que en Estados Unidos los abusos sexuales de clérigos no llegan al 2 por ciento y que este dato lo presentó el New York Times. Pero al “leer los diarios, parecería que el clero católico tiene un monopolio en acosos a menores”.

“Si Burke estuviese vivo hoy día, tal vez habría discernido otro motivo detrás de los ataques al clero católico, además de las propiedades de la Iglesia: principalmente destruir la credibilidad de una voz moral poderosa en el debate público” que se ha hecho evidente, por ejemplo, en la reforma de salud en Estados Unidos.

Ante la posición pro-vida de los prelados, precisa Lev, “y para silenciar la voz moral de la Iglesia, la opción preferida ha sido la de desacreditar a sus ministros”.

“A tres años de las reflexiones de Burke, sus predicciones probaron estar en lo cierto. El Reino del Terror llegó en 1793, llevando a cientos de sacerdotes a la guillotina y forzando al resto a jurar lealtad al Estado por encima de la Iglesia. Para Burke estaba claro que la campaña anticlerical de 19790 era ‘solo temporal y preparatoria para la abolición última… de la religión cristiana al llevar a sus ministros al desprecio universal’“, prosigue la historiadora.

“Uno espera que los estadounidenses tengan el suficiente sentido común para cambiar de curso mucho antes de que lleguemos a este punto“, concluye.



A Igreja é Comunhão – IX

Efémero
Com o aumento da transitoriedade, as pessoas vivem num elevado estado de mudança, por isso, a duração das suas conexões é reduzida. Isto condiciona o modo como se enfrenta a realidade; a sua aptidão ou inaptidão para enfrentar as dificuldades. Esta movimentação rápida, combinada com a crescente novidade e complexidade do ambiente que os rodeia, força a capacidade de adaptação e cria o perigo do choque do futuro (Cf. Alvin Toffler).
O Homem vive numa “espécie de carrossel, com um caleidoscópio de visões e de hipóteses, lacerados e despedaçados interiormente, aspirando por vezes ao absoluto mas acabando por contentar-se com o efémero e o provisório; lançados numa existência dominada pelas ciências exactas e pelas altas tecnologias, mas com os problemas de sempre sobre o sentido da vida e sobre como alcançar a felicidade”(P. Giustiniani). Talvez esta situação seja reflexo de maus processos de aprendizagem, originados pelo uso incorrecto da informática. Esta “impõe aos utilizadores aprender vibrando, e escutar respondendo. O computador não somente fala ao usuário através do raio lúdico da tela do vídeo, mas cria sons e imagens. O ‘homo informaticus’ é um homem de espectáculo e de prazer, um homem de análise e de inter-relações. A era da informação é semelhante á imagem do computador”( Pedrinho Guereschi), correndo-se o risco de o indivíduo não reflectir sobre o que aprendeu, tornar-se um mero receptor passivo, absorvendo tudo sem uma selecção crítica.
Este erro não deixa perceber que “o próprio movimento da história torna-se tão rápido, que os indivíduos dificilmente o podem seguir. O destino da comunidade humana torna-se um só, e não já dividido entre histórias independentes. A humanidade passa, assim, duma concepção predominantemente estática da ordem das coisas para outra, preferentemente dinâmica e evolutiva; daqui nasce uma nova e imensa problemática, a qual está a exigir novas análises e novas sínteses”(GS 5), pois a rapidez, a profundidade e a imprevisibilidade de algumas transformações recentes conferem ao tempo presente uma característica nova: a realidade parece ter tomado definitivamente a dianteira sobre a teoria.
Há também aspectos positivos neste processo, “em virtude da ciência e da técnica, a humanidade pode pela primeira vez na história encaminhar-se para se libertar da tirania da natureza, que desde sempre a incomodou. Mas, ao realizar essa libertação do homem frente aos poderes opacos da natureza, o homem acaba por entrar simultaneamente numa nova dependência em relação às suas próprias obras e organizações” (Jürgen Moltmann), com a consequente desorientação, agora por um segundo motivo.
Esta conjugação de “desorientações” faz com que actualmente “grande parte da humanidade de hoje não sabe para onde vai, o que quer dizer que está perdida, sem rumo, desorientada. Temos dois casos elucidativos disso: nos jovens, a droga, e nos adultos, as rupturas conjugais. Ambos os casos nos colocam sobre o tapete da fragilidade existente nos nossos dias”(Enrique Rojas); um existir que tem um sentido efémero.
Mas ao mesmo tempo que se desagregam os valores e as normas nos modos exteriores de acção quotidiana “vemos que também os indivíduos se dispersam e fragmentam: é a época do efémero, das necessidades provocadas artificialmente e logo satisfeitas para se provocarem novas necessidades, sem orientações estáveis, como aliás é sugerido também por muitas mensagens dos meios de comunicação”(P. Giustiniani).. As consequências da destruição dos fundamentos éticos do viver são já hoje claramente visíveis; assistimos à proliferação da “civilização da morte”(Joseph Ratzinger).

Ser Igreja

Agora o sítio da Arquidiocese de Braga, que tem merecido uma reformulação muito interessante no âmbito das potencialidades do som e da imagem, disponibiliza agora também o Programa «Ser Igreja».

Parabéns àqueles que promovem esta iniciativa e à Instituição que é capaz de, sem perder a sua identidade, acompanhar as novas possibilidades da Web 2.0.