O Caderno
Família à portuguesa!
Doze pistas!
Na vida dos padres e dos leigos rezo para que se encontre:
1 – Mais Evangelho, acolhido e vivido, e menos tradicionalismo e devocionismo. O encontro com o Evangelho supõe uma constante novidade de vida que sabe estar dum modo novo e coabitando com a Tradição sabiamente entendida. Muitos pretendem que a Igreja seja um repositório de tradições. O Evangelho é ruptura e provoca uma adesão nova a coisas que animam a fé. Só o Evangelho conta.
2 – Mais discípulos procuradores da verdade e menos dogmatismos rígidos. A grande aspiração do ser humano consiste na coerência com um projecto capaz de dar sentido à vida. O cristão caracteriza-se pela humildade de se deixar conduzir pela verdade que Cristo encerra e reconhecer que os outros são, igualmente, procuradores e possuidores de verdade. Os autoritarismos ou imposições nunca se poderão conciliar com a alegria de seguir, em comum, um itinerário que se descobre com a colaboração séria de todos, humildes e inteligentes.
3 – Mais testemunhos autênticos e menos mestres conhecedores de toda a verdade. Quando se procura a verdade, descortina-se a coerência como a linguagem que convence e arrasta. Num mundo de muitos barulhos eivados de auto-afirmação, urge “o vedetismo” duma fidelidade evangélica, a única capaz de permear os mais recônditos meandros das realidades terrestres que nos circundam. As palavras podem convencer momentaneamente, o testemunho arrasta e molda consciências para um ritmo de permanente conversão.
4 – Mais acolhimento e menos condenação. O mundo será sempre um cenário de mentalidades contrastantes. A uniformidade está ultrapassada. E fácil condenar o diferente quanto se impõe uma capacidade de acolher quem pensa diferente, quem erra, quem disse coisas injuriosas, quem necessita dum espaço para retemperar energias e ganhar coragem. Os erros devem ser condenados, as pessoas acolhidas com ternura e carinho de quem nos enriquece com o diferente modo de pensar e ver as coisas e os acontecimentos. A castidade, verdadeiramente assumida significa “ver a multidão”, compadecer-se e verificar que são como ovelhas sem pastor e depois ensinar as coisas do Reino.
5 – Mais sinais de esperança, menos temores e medos. Na aventura duma civilização nova com paradigmas enigmáticos e geradores de confusão e perplexidades, só a multiplicação de sinais concretos e objectivos de esperança será capaz de destruir os medos e de ultrapassar os temores. Há razões para ver a beleza da vida e o profetismo da Igreja reside nesta capacidade de descortinar algo de novo a nascer. As violetas aparecem onde menos se espera. Urge ver um mundo novo que está a nascer.
6 – Mais humanismo integral e menos moralismos redutores. O mundo novo acontece na luta por uma dignidade de vida para todos. As misérias impõem o seu realismo e muitos acreditam na felicidade do “ter”, adquirido por todos os processos e meios. Outros vivem marginalizados do mínimo indispensável e procurando contentar-se com conselhos que não conduzem à alegria. Só o protagonismo no compromisso de fazer com que os critérios transcendentais se tornem motivo de ultrapassar a crise, fará com que ricos e pobres se aproximem, não no sentido de meras ajudas assistencialistas e tranquilizadoras de quem dá algo. O mundo deve ultrapassar esta grande dicotomia e fazer com que a vida dos ricos e dos pobres se aproxime tornando a sociedade um jogo de oportunidades válidas para todos.
7 – Maior opção pelos pobres, menos compromissos com interesses. A universalidade do amor do discípulo de Cristo olha com paciência e persistência activa para a pobreza que ultraja e procura individualizar as causas para as eliminar e criar condições de vida digna para todos. Há muitos interesses a motivar a vida dentro da Igreja, na Sociedade, nos partidos. Urge inverter o sentido e acreditar que a pobreza dos outros nunca permitirá a felicidade de alguns. Pode parecer. O tempo demonstrará que só uma verdadeira civilização do amor se justifica.
8 – Mais cristãos adultos, menos leigos executores. Neste mundo a Igreja deve aparecer como mediador da dignidade da vida que Cristo quer oferecer a todos. Daí que o futuro da Igreja passa pela capacidade duma verdadeira comunhão que os documentos especificam de afectiva, como arte de querer bem, e efectiva, como responsabilidade concorde no discernir do específico de sacerdote e dos cristãos. O Povo de Deus nunca deverá ser um mero executor de ordens. Toca-lhe uma responsabilidade específica que já cresceu muito e já se manifesta verdadeiramente em muitos lugares. Só que não é suficiente. E, não esqueçamos, a formação é a única forma de permitir uma fé adulta que explica como agir e como intervir em correponsabilidade.
9 – Mais sinodalidade como testemunho e menos sintomas de imposição clerical por parte dos sacerdotes e leigos. O Povo de Deus foi sempre Povo a caminho, procurando terras novas e abrindo-se a experiências estruturantes, inéditos e contrastantes com os povos vizinhos. Não nos podemos comparar à assembleia que impõe o critério da maioria quase sempre delineada ou imposta pelos mais influentes. Caminhar é sinónimo de escutar o que o Espírito diz à Igreja Arquidiocesana ou paroquial para permitir que tudo esteja, de verdade, no “pareceu-nos a nós e ao Espírito”. Necessitamos de procurar juntos e os diversos conselhos, são imprescindíveis. Saber escutar, saber dizer, saber aceitar, pode e deve tornar-se o paradigma duma sinodalidade que ainda se encontra longe duma efectiva concretização.
10 – Mais Arquidiocese, menos espírito individualista. O caminho da Igreja foi reconhecido pelo Concílio Vat. II como uma experiência que só se encontra na Diocese e que só aí tem a sua plenitude e verdadeiro significado. O Centro dinamizador e orientador terá de chegar aos espaços mais recônditos e aí encontrar a particularidade dum povo que, no contexto uniformizante da globalização, tem exigências peculiares e insubstituíveis. A credibilidade da Igreja no mundo moderno passa pelo testemunho da unidade. O individualismo pastoral separa da verdadeira vida que existe no todo. Nunca a obediência, interpretada como entrega da vida, exprimiu tão visivelmente a comunhão eclesial como antídoto a tantos interesses parciais e de grupo.
11 – Mais transparência em todos os aspectos e menos preocupação económica. Acolher a Palavra significa disponibilizar-se para possuir um dom que nos é oferecido e encerra as fórmulas para encontrar o necessário. A fantasia do amor consegue descortinar modos novos e permite que não vivamos preocupados com o dia de amanhã. Mas o dom deve tornar-se transparente e mostrar-se em todas as dimensões e significados. Centralizar numa pessoa é contraditório do sentido da comunidade e ocultar pode significar medo da verdade. A transparência mobiliza e responsabiliza, não ofende quem age por critérios do Reino e, no mundo actual, mostra o valor dos processos evangélicos. Ao pobre nada falta e sobra-lhe capacidade para oferecer e permite que de “uns e outros” permaneçamos “reunidos num só corpo”.
12 – Mais realismo sereno, menos pessimismo desmotivador. Deixar-se encontrar pela Palavra, para a acolher na sua profundidade, não significa alhear-se e refugiar-se num mundo sonhado e irrealista. Teremos de mergulhar em todos os contextos e ter consciência da verdadeira realidade. Não é fácil. Só que o realismo sombrio não pode colocar-nos em atitude de defesa ou de paralisia. As dificuldades suscitam os profetas capazes de convencer para uma acção concorde, destruidora do que parece um pessimismo que impede a alegria de viver. O caminho que a Igreja deve percorrer neste momento tem de ser o da fé, da coragem e, particularmente, duma alegria serena que manifesta entusiasmo e paixão. Para o cristão a morte nunca é sinónimo de fim; conduz a manhãs novas inesperadas e em que muitos demoram a acreditar. Não queremos ser esta Igreja da esperança activa motivadora da concretização efectiva dum autêntico bem comum?
Firefox 3.5!!
Não percebo!
Um dossier imperdível do P.e Rui Alberto, na revista CATEQUISTAS:
Pode ler aqui.
Padre nega comunhão a deficiente
Espanha: Com síndrome de Down
Tudo começou há três anos, quando a mãe, Lídia, levou a filha Carla e o seu irmão gémeo à Igreja de Sant Martí para começarem a frequentar a catequese. O pároco Josep Lluís Moles recusou a criança porque esta “teria de amadurecer” e poderia “prejudicar o desenvolvimento da catequização”.
Os pais aceitaram a decisão. Um ano mais tarde, levaram novamente Carla para a catequese. Desta feita o padre decidiu fazer depender a primeira comunhão da capacidade da criança: se aprendesse o Pai Nosso em sete meses dar-lhe-ia a primeira comunhão. Só que, meses depois, mudou de ideias, e, quando a mãe foi confirmar a data da cerimónia, referiu que “não era necessário” que a criança comungasse, porque ao “ser um anjo de Deus não é uma pecadora”.
Como o irmão gémeo queria fazer a primeira comunhão na mesma igreja que a irmã, a mãe procurou outro sítio em que a filha pudesse comungar. Mas, segundo ela, o sacerdote garantiu-lhe que interferiria para impedir o acto.
A família encontrou por fim uma igreja em Badalona disposta a dar a primeira comunhão aos dois irmãos gémeos. A cerimónia acontece hoje.
In Correio da Manhã
Como catequistas, como nos posicionamos?
Como católico, como percebo e vivo a Tolerância?!?
“Globalização, último desafio de harmonia”
1. O conceito de harmonia é estruturante da cultura, concebida esta como quadro inspirador de sentido para o exercício da liberdade, para a busca da realização pessoal e da felicidade, para o progresso da civilização. A busca da harmonia é ideal para a cultura clássica, é desafio e mistério na compreensão bíblica do homem e da história, é anseio de poetas e de místicos, é chave da beleza para os artistas, é conceito nuclear nas filosofias, é objectivo para todos os intervenientes na explicação e transformação do homem, do universo e da história, é expressão decisiva da Sabedoria. Curiosamente o sentido primeiro de “economia” é a busca da harmonia, realizando a unificação criativa de todos os elementos que entram no conceito de plenitude humana. Nesse sentido, antes de ser um conceito técnico-científico aplicado a uma determinada área da actividade humana, a “economia” é uma categoria teológica, que significa a busca da plena realização humana. Assim se fala de “economia da salvação”.
A busca da harmonia é árdua e complexa, coincide no existencial histórico com a realização da liberdade, é caminho a percorrer, individualmente e em comunidade, pois ninguém atinge a harmonia sozinho, sem a inter-acção da comunidade a que pertence. Todas as sabedorias religiosas e, de modo particular, a mensagem cristã, admitem que a completa harmonia não se atinge na existência temporal-histórica e que a definitiva harmonia, pessoal e comunitária, é meta-histórica, numa humanidade transformada, “novos céus e nova terra”. A tensão da eternidade é, em última análise, a tensão da harmonia definitiva.
2. O carácter complexo da busca da harmonia sente-se, desde logo, na busca da felicidade pessoal. Reconduzir à harmonia, que permite a felicidade, a complexa realidade do ser humano, ser corpóreo, irremediavelmente ligado ao universo, e ser espiritual livre, capaz de pensamento e de emoções, de realizações criativas e de contemplação estética da beleza, protagonista do seu próprio projecto de vida, mas inevitavelmente dependente de outrem para a sua realização, capaz de amor e de conflito, é obra de arte criadora, é a criação continuada que, para nós, os crentes, supõe a intervenção solícita do amor criativo de Deus.
Uma das exigências desta busca da harmonia é a inevitável dimensão social e comunitária do ser humano, o facto de ninguém chegar à harmonia se não se empenha na busca da harmonia da comunidade a que pertence. Aí ressaltam como desafios as diferenças, a harmonizar com o que todos têm em comum. A harmonia pessoal de cada um depende da harmonia da família a que pertence, da comunidade em que se insere, da sociedade em que se enquadra. A busca da harmonia da família e da comunidade, em que a Igreja tanto insiste, são apenas momentos ou etapas da busca da harmonia global da sociedade, que se deseja pacífica, fraterna, espaço de convivência, de respeito e de partilha. A construção desta sociedade harmónica constitui a essência do progresso, baliza a civilização, é a “utopia” da democracia, em que todos, iguais em dignidade e direitos, são responsáveis por todos. A organização da sociedade democrática deveria reflectir sempre um estádio avançado da busca da sua harmonia. É neste sentido que a globalização é um desafio novo à construção da harmonia, numa “economia” da humanidade como um todo.
Uma única família humana
3. O fenómeno da mobilidade humana, congénito à humanidade desde o seu início, mas que atinge, nos nossos dias, dimensões gigantescas, a facilidade dos transportes, a mediatização da vida humana, dão ao homem contemporâneo uma autêntica consciência de humanidade, de pertença a uma única “família humana”, no dizer do Papa João Paulo II. Este fenómeno acentuou a consciência das diferenças, étnicas, culturais, religiosas, de concepções e estádios de desenvolvimento, de modelos de sociedade. Mas deve proporcionar idêntica consciência do que é comum e inalienável, o “universal humano”, património de dignidade e de igualdade de direitos ao desenvolvimento harmónico. E ainda é mais ténue a consciência da responsabilidade de todos por todos e da pertença a todos da “casa comum”, que é o universo em que habitamos, nas suas riquezas e potencialidades, património comum de toda a humanidade. A afirmação do “destino universal dos bens”, corajosamente lançada por João Paulo II, relativiza os direitos das sociedades e dos Estados, porque lhes aumenta a responsabilidade na busca do “bem-comum” universal.
Esta consciência de unidade de uma só “família humana”, acentua o conhecimento da diversidade e da diferença, que devem ser valorizadas e não ignoradas, na busca da harmonia global. Torna-se claro que nenhum país ou região do globo se podem desenvolver sozinhas. O progresso em ordem à harmonia ou será global ou não será. Quando Paulo VI proclamou em Bombaim que o progresso é o novo nome da paz, afirmou essa interdependência universal. A defesa de interesses particulares por países e povos é, hoje, um dos obstáculos a ultrapassar na busca da harmonia global. Isso traz às diversas políticas das nações exigências tão novas, que alteram essencialmente a própria essência da política. De certo modo, cada governante ou decisor, age sempre em nome da humanidade.
Este dinamismo global é já notório nos principais sectores do “bem-comum” universal. A política concebida como condução do destino dos povos tem já consciência desta responsabilidade universal, embora não seja ainda suficientemente eficaz, a ponto de levar a renúncias particularistas e a opções generosas, em nome do “bem-comum” universal. Vejam-se as dificuldades nas políticas do ambiente e de defesa do planeta, inevitavelmente universais e na própria partilha das aquisições da ciência, tantas vezes condicionadas a interesses materiais. Tudo isto sublinha a importância dos organismos internacionais e da sua capacidade real de intervenção, na busca de uma desejada autoridade mundial.
Nas políticas económicas e na própria ciência económica as consequências desta globalização da “família humana”, são sérias e inevitáveis. Compete à economia gizar os modelos e os mecanismos do desenvolvimento que hoje têm de integrar, inevitavelmente, os dados reais da humanidade. As dificuldades e potencialidades sentidas no desenvolvimento de cada região do mundo, incluído esse drama gigantesco da pobreza, tornaram-se dados incontornáveis das economias dos países ricos e desenvolvidos. Os passos significativos que já se deram da harmonização do comércio em plano mundial são disso uma concretização. Mais hesitantes são ainda as políticas de emigração, pela complexidade de que se revestem e pelos novos equilíbrios que sugerem. A emigração é, hoje, um grito angustiado de alerta para a necessidade de novos cenários de corresponsabilidade global nos processos de desenvolvimento.
O regresso da cultura como factor decisivo
4. A busca desta harmonia universal torna-se impossível se não se considerar de novo a importância decisiva do factor cultural. Nada acontecerá de maneira sólida e duradoira se não se tiver em conta o contexto cultural do desenvolvimento. Isto convida-nos a reflectir sobre os modelos de desenvolvimento que tenham em conta o factor cultural e em que a dimensão económica não pode ser a única. Um desenvolvimento sustentado para os diversos povos tem de alicerçar-se na visão cultural do homem e da sociedade e, a nível global, passa necessariamente pelo diálogo inter-cultural que inclui o diálogo inter-religioso.
A cultura é o quadro onde se constrói a harmonia, pois só nela se bebe o sentido do homem e da história. Da importância dada ao factor cultural emerge a importância da dimensão ética do desenvolvimento. Também no processo do desenvolvimento das sociedades os fins não justificam os meios. Nem tudo é legítimo, mesmo que seja eficaz, se tivermos em conta a dignidade da pessoa humana e o modelo de felicidade que a realiza. A imensa pluralidade de culturas e de religiões convida-nos a definir o tal “universal humano”, base inspiradora de uma ética universal. A economia, no âmago da própria epistemologia, tem de valorizar a dimensão cultural e reconsiderar a, por vezes apregoada, neutralidade ética. Só a exigência da perspectiva ética a levará a propor modelos sempre renovados de desenvolvimento.
A globalização não é só uma ameaça. Ela apresenta-nos um desafio apaixonante de busca da harmonia, não apenas de cada povo, mas de toda a família humana. É um longo caminho a percorrer, que precisa de “profetas” que rasguem clareiras de esperança, e levem as sociedades a não ficarem prisioneiras do pragmatismo das soluções imediatas. Este horizonte alargado da esperança é essencial para um futuro novo da humanidade.
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca
[Artigo publicado na Ravista ECONOMIA, em Dezembro de 2005. Foi-me partilhado por um colega. Obrigado!]