Entender a crise financeira!!
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Educação a Distância – Oração
A metáfora da tartaruga ou a transgressão
A tartaruga acaba de deixar o seu esconderijo para um passeio nocturno. O sapo vê-a sair de casa àquela hora, e adverte-a: «A esta hora não é muito aconselhável sair, tartaruga». Mas a tartaruga continua, e, arriscando um passo mais longo, vê-se virada de patas para o ar, sobre a sua própria couraça. O sapo exclama: «Eu bem te avisei, tartaruga; é uma imprudência sair a esta hora; morrerás aí!» «Bem sei», respondeu a tartaruga com um olhar entre a malícia e a delícia; «Bem sei, mas é a primeira vez que estou a ver o céu estrelado!» A tartaruga ensina que não nos podemos contentar em viver mais ou menos tranquilamente com a cabeça enterrada na areia do céu ou da terra. Deduzir o céu da terra, ou o Último do penúltimo, é apenas areia. Areia é trocar o Último pelo penúltimo. O penúltimo é o mundo dos meios sem fins, «excesso de meios, míngua de fins», como bem refere o médico e filósofo da medicina Edmund Pellegrino, o mundo da «razão instrumental», locução cunhada pelo filósofo e sociólogo Max Horkheimer (1895-1973), para mostrar o que acontece quando o sujeito do conhecimento toma a decisão de que conhecer e saber é dominar e controlar tudo e todos, tornando-se a ciência um instrumento de domínio, poder e exploração. É o mundo das pessoas como objectos, que se movem no tempo como os objectos se movem no espaço. Um passo em frente. É imperioso e urgente pensar. Trans-gredir. «Pensar é trans-gredir» (Denken heisst überschreiten), palavras gravadas na pedra tumular de Ernst Bloch (1885-1977). Sair de casa como a tartaruga, extasiar-se e desviar-se do caminho como Moisés (Ex 3,3-4). É o céu que vem interromper curso e percurso. O Último interrompe o penúltimo, mundo desencantado (Max Weber), outra vez visitado, amado, encantado. Pensar é trans-gredir, pensar é ser pensado, amado. A luta e o amor. «Tu és bela, minha amada,/ terrível como um exército em ordem de batalha» (Ct 6,4). Para além dos meios. Amor sem luta é posse de um objecto. O amor verdadeiro é agónico. Não é por acaso que agápê (amor) e agôn (luta) têm a mesma etimologia. Paradoxo do amor: o amor faz-te feliz, matando-te! Quanto mais amas, lutas, e te matas a amar, mais te encontras: «Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; ao contrário, quem perder a sua vida por causa de mim, salvá-la-á» (Lc 9,24). Aí está o verdadeiro ícone do amor, Cristo, que não se salvou a si mesmo para me salvar a mim, morrendo por amor de mim, trans-gredindo assim a morte. Ícone do amor. Ícone também da trans-gressão, do advento e do êxodo: sai de Deus, sai de si, sai para Deus.
Este é um excerto de um texto poderosíssimo, publicado em Mesa de Palavras, que faz uma leitura muito lúcida dos tempos que vivemos. Vale a pena, mas só para quem tiver muito fôlego. Se não tem, nem tente ler. Este texto não é para qualquer um.
Vamos viajar?
Nenhum Homem
every man is a piece of the continent, a part of the main.
If a clod be washed away by the sea,
Europe is the less,
as well as if promontory were,
as well as if a manor of thy friend’s or of thine own were.
Any man’s death diminishes me,
because I am involved in mankind;
and therefore never send to know for whom the bell tolls;
it tolls for thee.”
John Donne
todo homem é uma parte do continente,
um pedaço do território todo.
Se um torrão de terra for levado pelo mar,
a Europa fica menor como se fosse um promontório,
como se fosse a casa de teu amigo ou a tua própria.
A morte de qualquer homem me diminui um pouco,
pois estou envolvido com toda a humanidade e,
portanto, não mandes perguntar por quem os sinos dobram;
eles dobram por ti.
Natal!
O Natal parece cada vez mais uma palavra escrita na água.
Mas os tempos de crise são, também, o tempo favorável para os contos de fadas, para o regresso ao artesanato de viver, para a atenção. E a atenção é o único caminho para o inexprimível, a única via para o mistério.
O Natal é, assim, aquela época da beleza em fuga, da graça e do mistério prestes a desaparecer e que, por isso mesmo, certos homens nunca renunciam…
Deve ser horrível ser Deus
Já pensaram na pachorra que é preciso para ser Deus? Lidar com toda a humanidade ao mesmo tempo deve ser horrível. É que Deus tem de conviver com todo o tipo de pessoas. Neste caso é mesmo todo o tipo de pessoas. Não há dúvida que Deus tem de ser Deus só para conseguir suportar ser Deus.
Ser Deus é ser incompreendido. Não existe nada no mundo tão evidente, tão visível, tão compreensível como Deus. Deus, porque é Deus, resplandece em tudo. Por isso, a existência de Deus é uma das certezas mais consensuais da humanidade. No entanto Deus está também acima de tudo, infinitamente acima de tudo. Claro que Deus sabe que as suas criaturas nunca O conseguirão compreender. O problema não está aí, mas na forma como as criaturas lidam com o que não entendem.
Muitos não Lhe ligam nenhuma. Aproveitam tudo o que Ele lhes dá, sem sequer uma palavrinha para agradecer aquilo que, afinal, é tudo o que eles têm e são. Por vezes até exigem mais, invocando direitos inalienáveis. Se Deus não existisse como podiam existir direitos? Como podia existir quem os invoque? Alguém fala dos direitos de Deus?
Aqueles que acham que compreendem Deus às vezes ainda são piores. Que piegas e pedinchões! Como acham que compreendem, fazem contratos com Deus, chantagem com Deus, tentam enganar Deus, seduzir Deus, manipular Deus. Mais, como se consideram relacionados a alto nível, acham-se com direito a uma vidinha melhor. Melhor do que quê? Se é assim, porque não pedir asas ou visão raio-x?
Não é extraordinário que Deus tenha feito o universo e depois essa obra se ponha a comentar o que Ele fez e o que ela é? Temos mil críticas à forma como o mundo funciona. Como se houvesse alternativa e não fosse um privilégio indiscritível simplesmente existirmos. Nós somos os que conseguiram convite para participar neste momento e neste cantinho da Criação. Lamentar o mundo e a sociedade, desdenhar da obra e Autor é, senão grosseria, pelo menos tolice.
A mais bela criatura de Deus é a liberdade humana, e é essa que gera mais problemas. Deus criou a liberdade da forma mais radical, recuando para deixar outros fazer. Se a liberdade humana avançar para Deus consegue realizar obras espantosas. Menos perfeitas que as Deus faria sozinho, mas muito mais valiosas por serem feitas por quem não é capaz.
O risco da liberdade é que pode ser usada como se quiser. Uma liberdade sem Deus é destruição, mas isso faz parte da liberdade. O mais incrível é muitos usarem esse mal que a liberdade humana faz sem Deus como prova da inexistência de Deus. Como existe mal no mundo, que nós fizemos, então não pode existir um Deus bom, que nos fez a nós. Eu estraguei e por isso Ele não existe! Não é espantoso o raciocínio?
Talvez o mais ridículo seja nós orgulharmos daquilo que Deus fez através de nós. Alguém que não é nada senão aquilo que Deus fez, que depois teve de ser corrigido porque já estragara o que era, e que só conseguiu fazer algo de bom porque Deus lhe segurou a mão, anda todo inchado com essa sua realização! E nós todos dizemos «que grande artista!», «que genial autor!», «que excelente artigo!», sem percebermos que o verdadeiro Artista e Autor é aquele que merece palmas cada vez que passa uma mosca.
Ser Deus é tão horrível que, se Ele viesse a este mundo, as coisas iam correr mal de certeza. É verdade que os gregos, romanos e outros imaginaram como seriam as visitas dos deuses, mas eles perceberam tudo ao contrário, descrevendo a cena como um patrão a visitar a propriedade. O que aconteceria realmente seria que, depois de um momento de euforia no reconhecimento, começariam as reinvindicações, as discussões, os ataques. Não! Se Deus nos visitasse, o mais certo era Ele acabar morto da forma mais cruel que se conseguisse encontrar.
Deve ser horrível ser Deus. Afinal quem é que quereria ser Deus, para ter tanto trabalho, fazer tudo tão bem, tão perfeito e depois acabar esquecido, desprezado, incompreendido? Tem de se ser especial para se aceitar ser Deus. De facto só o Amor quereria e poderia ser Deus.