Não me sai da cabeça

É assim: na actividade catequética temos muito claros os conteúdos, a referência é o Catecismo da Igreja Católica; sabemos muito bem que itinerário seguir e que estratégias utilizar, os dez anos de caetquese estão aí e a funcionar em pleno em quase todas as paróquias.

Mas o problema é sabermos que tipo de cristão queremos formar.Eu sei que o Directório Geral da Catequese fala lá da finalidade da catequese que é, passo a citar, «precisamente isto: favorecer uma profissão de fé viva, explícita e actuante.
Para alcançar esta finalidade, a Igreja transmite aos catecúmenos e aos catequizandos a sua fé e a sua viva experiência do Evangelho, a fim de que estes a assumam como sua e, por sua vez a professem. Por isso, a catequese autêntica é sempre iniciação ordenada e sistemática à revelação que Deus fez de Si mesmo à humanidade, em Jesus Cristo. Esta revelação permanece na memória profunda da Igreja e nas Sagradas Escrituras, e é constantemente comunicada, por uma tradição (traditio) viva e activa, de geração em geração»(DGC 66).

A Igreja espera que a finalidade da catequese seja conseguida através das suas quatros tarefas: iniciar à fé conhecida, celebrada vivida e orada, na Comunidade e com sentido missionário. Até aqui é claro.
Mais adiante, o referido Documento diz que a catequese, com a ajuda das ciências humanas, deve procurar que «os fiéis sejam conduzidos a uma vida de fé mais pura e adulta» (DGC 242).

Donde se pode concluir que a catequese tem como ideal formar cristãos adultos!

E o que é um cristão adulto?

Aqui permito-me dizer coisas erradas, esperando que me corrijam e ajudem a caminhar.

Um adulto é uma pessoa que tem a sua personalidade unificada, pelo que um cristão adulto é alguém que, num espaço de decisão pessoal, se compromete livremente pela causa do Reino. Desta liberdade derivam convicções evangélicas estáveis, com coerência cristã.
A pessoa madura é responsável pela totalidade da sua vida, assume todos os aspectos da sua vida, pelo que um cristão adulto vê a sua adesão a Deus implicar cada dimensão da sua vida e da sua personalidade.
Um adulto é alguém socializado e adaptado à realidade, que não foge da vida. Um cristão adulto será sempre alguém que vive em Igreja, comprometido com o Reino de Deus, numa permanente atitude de humildade.

Poder descansar

Os discípulos colocaram a Jesus o problema do stress e do descanso.
Os discípulos regressavam da primeira missão, muito entusiasmados com a experiência e com os resultados obtidos. Não paravam de falar sobre os êxitos conseguidos. Com efeito, o movimento era tanto que nem tinham tempo para comer, com muitas pessoas à sua volta.
Talvez esperassem ouvir algum elogio por tanto zelo apostólico. Mas Jesus, em vez disso, convida-os a um lugar deserto, para estarem a sós e descansarem um pouco.

Creio que nos faz bem observar neste acontecimento a humanidade de Jesus. A sua acção não dizia só palavras de grandeza sublime, nem se afadigava ininterruptamente por atender todos os que vinham ao seu encontro. Consigo imaginar o seu rosto ao pronunciar estas palavras.
Enquanto os apóstolos se esforçavam cheios de coragem e importância que até se esqueciam de comer, Jesus tira-os das nuvens. Venham descansar!
Sente-se um humor silencioso, uma ironia amigável, com que Jesus os traz para terra firme. Justamente nesta humanidade de Jesus torna-se visível a divindade, torna-se perceptível como Deus é.
A agitação de qualquer espécie, mesmo a agitação religiosa não condiz com a visão do homem do Novo Testamento. Sempre que pensamos que somos insubstituíveis; sempre que pensamos que o mundo e a Igreja dependem do nosso fazer, sobrestimamo-nos.
Ser capaz de parar é um acto de autêntica humildade e de honradez criativa; reconhecer os nossos limites; dar espaço para respirar e para descansar como é próprio da criatura humana.

Não desejo tecer louvores à preguiça, mas contribuir para a revisão do catálogo de virtudes, tal como se desenvolveu no mundo ocidental, onde trabalhar parece ser a única atitude digna. Olhar, contemplar, o recolhimento, o silêncio parecem inadmissíveis, ou pelo menos precisam de uma explicação. Assim se atrofiam algumas faculdades essenciais do ser humano.

O nosso frenesim à volta dos tempos livres, mostra que é assim. Muitas vezes isso significa apenas uma mudança de palco. Muitos não se sentiriam bem se não se envolvessem de novo num ambiente massificado e agitado, do qual, supostamente, desejavam fugir.
Seria bom para nós, que continuamente vivemos num mundo artificial fabricado por nós, deixar tudo isso e procurarmos o contacto com a natureza em estado puro.

Desejaria mencionar um pequeno acontecimento que João Paulo II contou durante o retiro que pregou para Paulo VI, quando ainda era Cardeal.
Falou duma conversa que teve com um cientista, um extraordinário investigador e um excelente homem, que lhe dizia: “Do ponto de vista da ciência, sou um ateu…”.

Mas o mesmo homem escrevia-lhe depois: “Cada vez que me encontro com a majestade da natureza, com as montanhas, sinto que Ele existe”.

Voltamos a afirmar que no mundo artificial fabricado por nós, Deus não aparece. Por isso, temos necessidade de sair da nossa agitação e procurar o ar da criação, para O podermos contactar e nos encontrarmos a nós mesmos.

[Card. J. Ratzinger, Esplendor da Glória de Deus, Editorial Franciscana, 2007, pág. 161.]

Igreja e Gestão

Na semana que terminou, o Episcopado português esteve reunido em Fátima a realizar mais uma das suas jornadas pastorais, desta vez em torno dos temas da gestão e liderança.
Tive oportunidade de participar nessa iniciativa: foi fabuloso ver os nossos Bispos a reflectir sobre o que é liderar, visão estratégica, dinâmicas de mudança… Foram ajudados por profissionais extraordinários, quer da ACEGE, quer da McKenzie.
Mas de nada serviria, ou melhor, estaria descontextualizado se não fosse a primeira intervenção: a conferência do Bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, intitulada «Critérios evangélicos e pastorais para a liderança e para a gestão de pessoas e administração dos bens ao serviço da Igreja “Comunhão e Missão”».
Permitam-me realçar um item da sua comunicação e que consta do esquema divulgado a todos os participantes.

O ícone, por excelência, do líder: Jesus que lava os pés dos apóstolos

Jesus introduziu no mundo um novo estilo de liderança em nítido contraste com o estilo dos líderes das nações. Ele mesmo se apresenta como modelo para aqueles a quem confia o encargo pastoral das comunidades. O ícone, por excelência, da autoridade na comunidade cristã é o “Lava-pés” dos apóstolos que sintetiza a experiência de Jesus como liderança de serviço: “Compreendestes o que eu vos fiz? Vós chamais-me ‘o Mestre’ e ‘o Senhor’, e dizeis bem. Ora, se eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós vos deveis lavar os pés uns aos outros. Na verdade, dei-vos exemplo para que, assim como eu fiz, vós façais também.”
Três imagens bíblicas exprimem este modelo do Mestre e Senhor:
– o servo, numa perspectiva de serviço à graça de Deus e à comunidade, de apoio e de partilha de responsabilidades;
– o pastor, em ordem à solicitude, à coragem e ao papel de guia;
– o administrador, em ordem à afabilidade, à responsabilidade e à fidelidade.

Pertencer ao Povo de Deus

Afirmando-se Povo de Deus, a Igreja chama a tenção para o aspecto pedagógico que encerra. Pois sendo particular, em relação com Deus universal, a Igreja, para ser fiel a si mesma, tem de se abrir ao diálogo. E nesta situação dialogal, o povo de Deus é um sacramento que se vai manifestando historicamente, particularmente hoje, quando as crenças parecem deixar de ser críveis…
Para além das certezas de antigamente, parece dever fazer-se um trabalho a descoberto, sem a protecção de uma ideologia garantida por uma instituição, mas sob a forma itinerante.

O que é pertencer?
Para que uma pessoa se sinta integrada é necessário que perceba uma certa interactividade entre ele e o grupo, é necessário que possuam um mínimo de interacção com a comunidade. De seguida, é preciso que aceite os valores e normas propostas pelo grupo. Pode-se, assim, numa certa medida, identificar com o próprio grupo e também sentir-se considerados e acolhidos como verdadeiros membros desse grupo.
Na base do sentido de pertença, supõe-se de cada membro um sentimento consciente de fazer parte desse grupo, o qual, por seu lado, o reconhece como um dos seus. O sentimento de pertença supõe portanto uma dupla integração pessoal e social, mais estruturado que a identificação espontânea de um indivíduo com uma realidade mais indiferenciada, como a raça, a classe social. Surge, então, a comunidade e o espírito comunitário reina onde a interacção que acontece tem lugar na comunidade que prima pela sua própria realidade comunitária, e onde a pessoa é tratada humanamente, como um ser para o qual eu estou aqui, do mesmo modo que ele está aqui para mim.

Igreja e Culturas
O modo de pertença à Igreja pode variar de um contexto cultural para outro, porque se estabelece uma dialéctica muito especial entre os valores culturais de uma sociedade e a identificação própria dos cristãos que vivem nesse meio.
Distingue-se três contextos bastante típicos que poderão condicionar a identidade cristã, do ponto de vista psicossocial:
– a cultura de apoio, como a de muitos países tradicionais, onde as pertenças sociais e religiosas se reforçam reciprocamente;
– a cultura de rotura, onde se vive um situação de rejeição, de perseguição e marginalização dos cristãos;
– a cultura pluralista, que obriga o cristão a definir a sua identidade, num meio onde todas as condições coabitam num clima geral de indiferença.

Pertencer gera atitudes
O pertencer a um grupo eclesial torna-se fonte de atitudes, pois o cristão, ao identificando-se com um grupo concreto, actua de acordo com os modelos propostos, que ele anteriormente aceitou.
Este sentido de pertença é tanto maior quanto mais elevada for a reciprocidade entre o indivíduo e a comunidade.
A cultura, como a marca própria de uma sociedade, é que personaliza um grupo no âmbito da diversidade, pois é pela cultura que os grupos se inter-comunicam.
Com o acelerar vertiginoso das mudanças, nenhum grupo se pode considerar como um fenómeno estático; é antes dinâmico e com facilidade se pode deixar ultrapassar. Assim, a civilização actual, já não se pensa em função da religião, mas sim por uma multiplicidade enorme de pequenas pertenças, o que gera a dispersão e a precariedade.

Igreja Plural
Neste ambiente pluralista, a Igreja deve tornar-se plurifacetada, acomodando o seu discurso aos diversos destinatários, para ser por eles compreendida. E isto por várias razões. Em primeiro lugar já não vivemos numa civilização de primeira vaga, onde as pertenças sociais e religiosas são recíprocas, criando uma estabilidade. E em segundo lugar, estamos a viver uma situação de choque, numa civilização de segunda vaga, onde se rejeitam os valores religiosos.Uma possível solução pode passar pela definição bem clara da identidade dos cristãos, apresentando a Igreja como sacramento de Cristo – por isso Universal e de Salvação –, sabendo à partida que estaremos a viver no meio da indiferença religiosa. Mas há bons caminhos por onde se pode caminhar, como é o caso do desejo de comunhão expresso em múltiplas manifestações culturais…

Bênção dos Sentidos

O Espírito Santo de Deus
conduz-me e guia-me
para que eu possa conhecer Jesus Cristo,
ouvir a Sua voz,
ver a luz de Deus
e responder à sua Palavra.

Assim, sobre mim mesmo, eu:

– Faço o sinal da cruz na FRONTE
para que Cristo me fortaleça com o sinal do seu amor
e eu aprenda a conhecê-l’O e a segui-l’O…

– Faço o sinal da cruz nos OUVIDOS
para ouvir a voz do Senhor…

– Faço o sinal da cruz nos OLHOS
para ver a luz de Deus…

-Faço o sinal da cruz na BOCA
para responder à Palavra de Deus…

-Faço o sinal da cruz no PEITO
para que Cristo habite, pela fé, no meu coração…

– Faço o sinal da cruz nos OMBROS
para levar sempre o jugo de Cristo que é suave…

– Faço o sinal da cruz,
em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo,
para ter a vida pelos séculos sem fim.
Ámen

Cardeal Martini pede reforma da Igreja

O influente religioso elogia Lutero, defende o debate sobre o celibato e a ordenação de mulheres e reclama uma abertura do Vaticano em termos de sexo.

Juan G. Bedoya
[Em Madrid]

“A Igreja deve ter o valor de se reformar.” Essa é a idéia principal do cardeal Carlo Maria Martini (nascido em Turim em 1927), um dos grandes eclesiásticos contemporâneos. Com elogios ao reformador protestante Martinho Lutero, o cardeal pede à Igreja Católica “idéias” para discutir, até a possibilidade de ordenar “viri probati” (homens casados, mas de fé comprovada) e mulheres. Também pede uma encíclica que termine com as proibições da Humanae Vitae, emitida por Paulo VI em 1968 com severas censuras em matéria de sexo.
O cardeal Martini foi reitor da Universidade Gregoriana de Roma, arcebispo da maior diocese do mundo (Milão) e papável. É jesuíta, publica livros, escreve em jornais e debate com intelectuais. Em 1999 pediu diante do Sínodo de Bispos Europeus a convocação de um novo concílio para concluir as reformas postergadas pelo Vaticano II, realizado em Roma entre 1962 e 1965. Agora volta à atualidade porque se publica na Alemanha (pela editora Herder) o livro “Colóquio Noturnos em Jerusalém”, como testamento espiritual do grande pensador. É assinado por Georg Sporschill, também jesuíta.
Sem disfarces, o que Martini pede às autoridades do Vaticano é coragem para reformar-se e mudanças concretas, por exemplo, nas políticas sobre o sexo, um assunto que sempre desata os nervos e as iras dos papas, já que são solteiros.
O celibato, afirma Martini, deve ser uma vocação, porque “talvez nem todos tenham o carisma”. Espera também a autorização do preservativo. E nem sequer o assusta um debate sobre o sacerdócio negado às mulheres, porque “encomendar cada vez mais paróquias a um pároco ou importar sacerdotes do estrangeiro não é uma solução”. Lembra ao Vaticano que no Novo Testamento havia diaconisas.
Vários jornais europeus divulgaram a publicação de “Colóquios Noturnos em Jerusalém”, salientando a exortação do cardeal a não se afastar do concílio Vaticano II e a não ter medo de “confrontar-se com os jovens”.
Exatamente sobre o sexo entre jovens, Martini pede para não desperdiçar relações e emoções, aprendendo a conservar o melhor para a união matrimonial. E rompe os tabus de Paulo VI, João Paulo II e o atual papa, Joseph Ratzinger. Diz: “Infelizmente, a encíclica Humanae Vitae teve consequências negativas. Paulo VI evitou de forma consciente o problema para os padres conciliares. Quis assumir a responsabilidade de decidir sobre os anticoncepcionais. Essa solidão na decisão não foi, em longo prazo, uma premissa positiva para tratar dos temas da sexualidade e da família.”O cardeal pede um “novo olhar” para o assunto, 40 anos depois do concílio. Quem dirige a Igreja hoje pode “indicar uma via melhor do que a proposta pela Humanae Vitae”, afirma.
Sobre a homossexualidade, o cardeal diz com sutileza: “Entre meus conhecidos há casais homossexuais, homens muito estimados e sociais. Nunca me pediram, nem teria me ocorrido, condená-los.
Martini aparece no livro com toda a sua personalidade, de uma curiosidade intelectual sem limites. A ponto de reconhecer que quando era bispo perguntava a Deus: “Por que não nos dá idéias melhores? Por que não nos faz mais fortes no amor e mais valentes para enfrentar os problemas atuais? Por que temos tão poucos padres?”Hoje, aposentado e doente – acaba de deixar Jerusalém, onde vivia dedicado a estudar os textos sagrados, para ser tratado por médicos na Itália -, limita-se a “pedir a Deus” que não o abandone.
Além do elogio a Lutero, o cardeal Martini revela suas dúvidas de fé, lembrando as que teve Teresa de Calcutá. Também fala sobre os riscos que um bispo tem de assumir, referindo-se a sua viagem a uma prisão para falar com militantes do grupo terrorista Brigadas Vermelhas. “Os escutei e roguei por eles e inclusive batizei dois gêmeos filhos de pais terroristas, nascidos durante um julgamento”, relata.
“Eu tive problemas com Deus”, confessa em determinado momento. Foi por não conseguir entender “por que fez seu filho sofrer na cruz”. Acrescenta: “Inclusive quando era bispo algumas vezes não conseguia olhar para o crucifixo porque a dúvida me atormentava”. Também não conseguia aceitar a morte. “Deus não poderia tê-la poupado aos homens, depois da de Cristo?” Depois entendeu. “Sem a morte não poderíamos nos entregar a Deus. Manteríamos abertas saídas de segurança. Mas não. É preciso entregar a própria esperança a Deus e crer nele.
“De Jerusalém a vida se vê de outra maneira, sobretudo as parafernálias de Roma. É o que conta Martini: “Houve uma época em que eu sonhei com uma Igreja na pobreza e na humildade, que não dependesse das potências deste mundo. Uma Igreja que desse espaço para as pessoas que pensam mais além. Uma Igreja que transmitisse valor, especialmente a quem se sente pequeno ou pecador. Uma Igreja jovem. Hoje já não tenho esses sonhos. Depois dos 75 anos decidi rezar pela Igreja”.

Nunca mais o “erro de Galileu”
O cardeal Martini sempre se empenhou em estabelecer um terreno comum de discussão entre leigos e católicos, confrontando também aqueles pontos nos quais não há consenso possível. Com essa intenção abriu um dos debates mais saborosos entre intelectuais contemporâneos, publicado em 1995 na Itália com o título de “In cosa crede qui non crede?” (Em que crêem os que não crêem?). Tratava-se de uma série de cartas trocadas entre o cardeal e o escritor Umberto Eco, sobre temas como quando começa a vida humana, o sacerdócio negado à mulher, a ética, ou como encontrar, o laico, a luz do bem. Um setor da hierarquia católica assistiu à controvérsia com indisfarçável incômodo, mas uma década depois o mesmo cardeal Ratzinger, hoje papa Bento XVI, enfrentou um debate semelhante com o filósofo alemão Jürgen Habermas sobre a relação entre fé e razão.
O cardeal Martini lamentou em 1995 que sua Igreja vivesse mergulhada em “desolada resignação sobre o presente”. Também admitiu diante de Eco o medo da ciência e do futuro. Então o fez “com tesouros de sutileza”, ele mesmo reconheceu. Dava como testemunho a prudência de Tomás de Aquino em semelhantes compromissos, por medo de Roma, que esteve a ponto de castigar quem hoje é um de seus guias mais ilustres.
O cardeal, já aposentado – quer dizer, mais livre do que quando exercia responsabilidades hierárquicas -, se expressa no novo livro com a sutileza que usou no debate com Umberto Eco, mas coloca sobre a mesa pontos de vista surpreendentes para seus pares, como o controle da natalidade e os preservativos. Soam também como chicotadas seus elogios a Martinho Lutero e o desafio a Roma para que empreenda com coragem algumas das reformas que o frade alemão reclamou em seu tempo.
No fundo de suas manifestações de hoje, em que o cardeal às vezes parece angustiado – com um sentimento mais trágico de sua fé -, surge o debate interminável do confronto entre a Igreja de Roma e a ciência e o pensamento moderno. Novamente é um jesuíta quem volta a colocar a discussão, para desgosto do Vaticano. A vantagem de Martini é que não está mais ao alcance de nenhuma pedrada. O também jesuíta George Tyrrell, o erudito tomista irlandês, foi castigado sem contemplações e suspenso de seus sacramentos. Inclusive teve negada sua sepultura em um cemitério católico quando morreu em 1909. Seu pecado: reivindicar, como Martini, o direito de cada época a “adaptar a expressão do cristianismo às certezas contemporâneas, para apaziguar o conflito absolutamente desnecessário entre fé e ciência, que é um mero espantalho teológico.
“O que buscam todos esses pensadores católicos é espantar qualquer risco de cometer outra vez o erro de Galileu. É outra exigência do cardeal.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Texto do El País

Como fazer com que os catequistas vão à Missa?

Quando me fizeram esta pergunta – e já ma fizeram muitas vezes –, justificaram-no com o facto de haver catequistas que não celebram os sacramentos, dos quais o exemplo mais gritante é a ausência da celebração dominical.

Mas antes de iniciar a reflexão gostava de deixar duas questões:
– Os catequistas deixaram de celebrar depois de iniciarem a sua missão ou já não celebravam antes? Se não celebravam, porque foram convocados para catequistas?
– O que é que o responsável ou responsáveis pela catequese da comunidade concreta têm feito, em termo de acompanhamentos, destes catequistas? Como se pode pedir a um catequista que seja acompanhante dos catequizandos, quando ele não se sente acompanhado?

Bem, depois disto, já podemos reflectir, dizendo que a catequese e a celebração da fé não podem viver uma sem a outra dentro da Igreja. Em boa verdade, uma catequese que se dissocie da experiência cristã vivida em comunidade, é uma catequese alienada, exterior à realidade dessa comunidade e cujos conteúdos não são mais do que simples informações religiosas. Ainda que a acção catequética seja fundamental, esta deve também ser vivida e celebrada nas acções litúrgicas, momento onde todos os cristãos celebram o Mistério Pascal.
Aliás, é aqui, na realidade do Mistério que radica a solução desta dificuldade. Não podemos continuar a dissociar as diversas dimensões da pastoral. Muitas vezes, após o século XVI e fruto das mutações culturais operadas na Europa, procurou-se afirmar a fé com expressões isentas de erro, formalmente correctas. Esta realidade, a ortodoxia da afirmação, levou a que se separassem as diversas disciplinas teológicas. Veja-se todo o ambiente pré-concílio Vaticano II: movimento bíblico, movimento catequético, movimento litúrgico…
A solução está na redescoberta daquilo que é o Mistério Cristão, aquela realidade onde o crente habita e da qual faz parte pela
A Liturgia é, na verdade, a fonte e o cume de toda a vida cristã (cf. LG 11), onde os catequizandos experimentam e vivenciam em comunidade o que ouvem na catequese e descobrem sinais visíveis da experiência de Deus: “A catequese está intrinsecamente ligada a toda acção litúrgica e sacramental. Pois é nos sacramentos, e sobretudo na Eucaristia, que Cristo Jesus age em plenitude para a transformação dos homens”. (CCE 1074).
Por sua vez, a Igreja, que transmite a fé como dom do Senhor, que está presente na Sua Igreja, especialmente nas acções litúrgicas (cf. SC 7), acredita ser importante que os cristãos participem activa, mas também conscientemente, na liturgia, onde celebram a presença salvífica de Cristo. Destarte, à catequese, como caminho de fé e inserção na vida eclesial, compete iniciar o catequizando na liturgia, favorecendo o conhecimento dos significados litúrgicos e sacramentais, de forma a que a celebração dos ritos cristãos sejam, de facto, expressão dum caminho de fé que garanta a verdade e a autenticidade. Não se trata apenas de uma instrução sobre um determinado objecto religioso, mas uma iniciação viva e orante que deve levar à interiorização do culto litúrgico: “…a vida sacramental empobrece e bem depressa e se torna um ritualismo oco, se ela não estiver fundada num conhecimento sério do que significam os sacramentos. E a catequese intelectualiza-se, se não for haurir vida numa prática sacramental” (CT 23). Em boa verdade, sendo a catequese uma aprendizagem dinâmica da fé, da vida cristã, e da celebração da eucaristia, esta não pode prescindir de momentos celebrativos e festivos fortes, porque sem expressão de fé não há comunicação nem amadurecimento da fé.
Deste modo, a catequese deve conduzir o catequizando a uma experiência viva da presença e acção de Cristo na vida da Igreja, de modo a poder levar a um seguimento firme do Senhor e um compromisso missionário. Quando as pessoas são evangelizadas a partir da sua própria vivência cristã e, a partir daí, se sentem chamados a se identificarem a Cristo, a liturgia e os sacramentos assumem nas suas vidas um novo valor e um sentido diferente.

Pérolas na Internet!

Desscobri, há dias, um blogue excepcional, onde estão testos maravilhosos de António Couto.

Deixo aqui o início de um fabuloso, sobre os caminhos de pedagogia evangélica.

Os Evangelhos sabem que a história de Jesus que transmitem é a história da manifestação de Deus entre nós. E que não é apenas a história de um homem sábio e justo que nos vem ensinar, ainda que de modo exemplar, como devemos estar diante de Deus. Isso já nós sabíamos e estamos já aptos a saber antes de ouvir ou de ler qualquer Evangelho. Não seria notícia, portanto. Notícia, e boa, é que Jesus tenha vindo mostrar-nos, não como nós devemos estar diante de Deus, mas como é que Deus está diante de nós, em relação a nós. Não como nós nos devemos comportar com Deus, mas antes disso, sempre antes disso, como é que Deus se comporta connosco. É este o espaço da inaudita notícia e da surpresa.

E para nos mostrar Deus, Jesus desce ao nosso nível. Não subjuga o homem comensinamentos altissonantes e evidências esmagadoras capazes de produzir efeitos automáticos independentemente do homem, mas antes solicita e estimula a nossa inteligência, vontade e sensibilidade, de modo a sabermos dar a nossa resposta acolhedora, fazendo as operações mentais e afectivas necessárias para nos implicarmos correctamente na notícia comunicada, na associação apenas evocada, na pergunta formulada, no olhar e dizer que nos penetra e diz e institui, no gesto que nos surpreende e provoca.

Mas lá há MUITOS e bons, agrupados em três categorias: Diário, Estudos e Missão.
Vale a pena conhecer. E se este Autor, agora Bispo Auxiliar de Braga, mudar de local onde coloca estas preciosidades. Cá estarei para informar…

Jesus Cristo, fonte de sentido!

É relativamente recente, na história do pensamento, a abordagem do problema do sentido como uma questão separada. A normalidade era considerar que a referência sobre o ser implicava, necessariamente, a referência ao sentido. Na metafísica clássica, o que se considerava ser era o que por sua vez possuía sentido, de tal modo que «o ser e sentido deste equivaliam aproximadamente à mesma coisa» (Ferrater Mora).
Mas actualmente, a questão do sentido une todos os homens; é a profunda inquietação sobre o sentido da vida, em que toda a Humanidade está unida. A interrogação sobre a condição humana revela o homem como uma interrogação para si mesmo. E um problema ao qual não pode escapar, correndo o risco de se negar. O problema agudiza-se ainda mais quando se torna evidente que nada do que se faz tem valor; a literatura, a filosofia e a teologia referem o problema supremo que é o homem, em busca de uma resposta sempre inacabada.

Perante a morte e o problema do antes e do depois, não se pode deixar de colocar a questão do sentido. E quando a sede de sentido se agudiza, pode chegar-se ao desespero, ao suicídio.
A resposta à questão do sentido é, normalmente, herdada do ambiente familiar, social ou religioso circundante. Há, pois, uma infinidade de sentidos, desde os primórdios da humanidade até hoje. Exemplo disso são a história das religiões, da filosofia e da literatura. E mesmo da arte.
Perante as diversas vagas de sentido, que chegam até a contradizer-se, surge a inevitável pergunta se não haverá um verdadeiro sentido que acabe por se impor? As várias posições podem ser agrupadas em quatro tipos.

A dos sôfregos, que se entregam avidamente à vida, tentando auferir dela tudo o que seja possível, esperando encontrar aí todas as respostas para as aspirações humanas.

A segunda atitude, pessimista, é a dos que, opostamente, defendem uma solução radical: a negação franca e brutal, o nihilismo. Mas qualquer concepção ou desejo do nada não pode ser feita senão afirmando uma outra coisa. De facto, a afirmação do nada é o grito de desespero do amor absoluto da pessoa decepcionada com a insuficiência do fenómeno, da aparência (Maurice Blondel). Não será o desejo inconfessado de que exista algo, uma aspiração mais profunda, que exista Alguém?

A posição rebelde surge quando o homem descobre que já não é livre, nem dono, antes se vê escravizado. Só quando se rebela é que é realmente homem. A morte de Deus apregoada por Nietzsche dá lugar à rebelião contra tudo o que tente substituir a divindade desaparecida. A salvação é terrena e sem Deus. Marx quer libertar o homem da exploração económica, substituindo o explorador pelos explorados. Freud tenta a libertação de todos os mecanismos inconscientes que aprisionam o homem.
Sarte e Camus vêem na vida e na morte o absurdo. Para Jean Paul Sarte, o homem é alguém lançado no mundo sem paternidade nem finalidade: «acordamos em plena viagem numa história de loucos». Por isso, são inevitáveis os sentimentos de abandono e absurdo. O sentido da vida é, agora, o sem-sentido; o homem torna-se um «ser­-para-a-morte». Albert Camus, afirmando a absurdo da vida, chega a outra conclusão: deve aceitar-se a absurdidade da vida e exercer aí a liberdade humana para lhe criar um sentido. É o retorno do estoicismo.

Por último surge a postura que reconhece o homem sedento de absoluto, que não se realiza por esta vida, sem contudo negar a possibilidade de vir a realizar-se. Perante a morte, a radicalidade do problema humano faz emergir na consciência a aspiração que habita o homem: realizar-se infinitamente. «Queria era sentir-me ligado a um destino extrabiológico, a uma vida que não acabasse com a última pancada do coração»(Miguel Torga).
A partir da morte pode reconhecer-se, também, a impotência do homem para construir sozinho a sua realização. «O homem é um animal compartilhante. Necessita de sentir as pancadas do coração sincronizadas com as doutros corações, mesmo que sejam corações oceânicos, insensíveis a mágoas de gente. Embora oco de sentido, o rufar dos tambores ajuda a caminhar. Era um parceiro de vida que eu precisava agora, oco tambor que fosse, com o qual acertasse o passo da inquietação»(Miguel Torga). É aqui se abrem duas hipóteses: ou o homem reconhece que a vida terrena — projecto e aspiração a ser mais — tem sentido e abre a possibilidade da esperança de um futuro transcendente; ou aceita que a vida não tem sentido e é o desespero total.
A descoberta do sentido para a vida, integrando o sentido da morte, revela a precariedade e a finitude de uma vida sobre a qual assenta o desejo de absoluto que se espera. É a descoberta da liberdade ansiada, aquela que se tem devido a uma liberdade transcendente. O desejo de liberdade infinita do homem dá lugar à descoberta da condição de possibilidade da liberdade humana: Deus.

A realização humana surge a partir do ser pessoa, da relação.
Mas o sentido é um dom, oferecido pelo mistério do Verbo encarnado. «Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. […] Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a vocação sublime»(GS 22). O mistério do homem revela-se através do mistério de Cristo, chamado a participar da sua filiação. Quando o homem descobre que é amado pelo Pai, em Cristo e através do Espírito, revela-se a si mesmo, descobre a grandeza de ser objecto da benignidade divina, receptor do amor do Pai revelado em Cristo. O mistério trinitário é o único capaz de realizar o homem, é o «mistério iluminador» do sentido (René Latourelle). A expressão desse mistério faz-se pela vivência da comunhão, onde o ser «não sem os outros» (Michael de Certaux) impele para a solidariedade e para o diálogo. Miguel Torga escreve que «a Bíblia, o livro dos livros, nos ensina que não há homem sem homem, e que o próprio Cristo teve, a caminho do Calvário, a fortuna dum cireneu para o aliviar do peso da cruz (a dor incurável da solidão). Para mim, pelo menos — continua Torga —, feito dum barro tão frágil e vulnerável, que necessito de ser amado durante a vida e de acalentar a esperança de continuar a sê-lo depois da morte».
Jesus Cristo, através da sua vida e pregação, é o mediador do sentido, o único intérprete dos problemas humanos. Em Cristo, o homem pode compreender, realizar e superar-se continuamente.
O homem, em Jesus Cristo, pode ver, por fim, realizada a sua identidade. O ser insaciado sacia-se. A essência e a existência humanas têm um espaço de convergência e realização: Jesus Cristo.

Cristão Adulto!

A vida adulta é entendida muitas vezes como uma fase de estabilidade, pelo que essa estabilidade é, ela mesma, uma característica de maturidade.

Vamos, pois, ao longo deste texto, percorrer os aspectos nucleares do adulto, vendo-os na sua dimensão também espiritual e religiosa.

Pessoa unificada

Um adulto é alguém que já fez uma primeira unificação da sua personalidade. Todas as dimensões da sua personalidade estão harmoniosamente interligadas. Um cristão adulto faz esta harmonização a partir da sua decisão livre de aderir a Jesus Cristo, pela fé. Esta conversão compromete livremente a cada pessoa que vai adequando a sua conduta na direcção daquilo que vai descobrindo como vontade de Deus. A vida do cristão adulto não é fruto de um determinismo circunstancial, mas sim de um permanente exercício de liberdade. Escolher, em cada caso, de acordo com a vontade de Deus implica o manuseamento de muitas variáveis. Este exercício de discernimento é fruto e gerador de uma personalidade crente equilibrada e madura.

Com convicções

A liberdade e entrega do adulto, geradores de profundas convicções, leva-o a viver com estabilidade, e não ao sabor dos acontecimentos. A coerência cristã deriva das profundas convicções evangélicas que dão forma a uma fé adulta.

Embora o Cristianismo não se reduza a uma mensagem ou a um conjunto de conhecimentos, o adulto assimilou uma estrutura de conteúdos de fé capaz de dar consistência às atitudes e aos comportamentos.

Este maturidade é fruto de um itinerário de crescimento, já realizado, no seio de uma comunidade cristã, acompanhado por um catequista, e onde a sua vida pessoal foi e é relida à luz do Acontecimento pascal de Jesus Cristo.

Responsável

O adulto é responsável e sabe-se consciente por todas as dimensões da sua vida e atitudes, pelo que o seu assumir da vida cristã implica a vivência de uma vocação. A vocação faz de cada cristão responsável por um projecto de vida, fiel à sua identidade de filho de Deus. Este compromisso deriva da sua identificação com o ser e a missão da Igreja, que se traduz no cumprimento da sua responsabilidade eclesial na circunstância e condição a que o Senhor o chamou.

Como membro de uma comunidade, o cristão vive em Igreja, comprometido com o Reino de Deus: é um ser socializado. Por isso, é capaz de estar inserido no mundo, nos diversos âmbitos – família, cultura, economia, política e outras –, como seguidor de Jesus Cristo, colaborando com todas as pessoas para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna.

E Humilde

O adulto é também aquele que vive adaptado à realidade que o circunda e às suas próprias capacidades. Esta tomada de consciência dá ao cristão adulto uma convicção firme da sua humildade, que não é falso comodismo, mas sim o assumir que só com a graça de Deus é capaz de viver a sua fé, fiel e livremente.

Sabe-se criatura diante do Criador, filho de Deus Pai. Reconhece que só em Cristo pode obter a salvação e que a sua santificação é resultado da acção do Espírito Santo.

Esta relação com Deus dá ao crente a capacidade de perceber a sua própria vida e a história da humanidade integradas na realização de um projecto que não é seu, mas de Deus. É a referência a este projecto que vai dando sentido e significado aos acontecimentos, mesmo aqueles que parecem negativos podem ser assumidos à luz desta visão mais ampla. É também à luz deste projecto amplo e global, que tem Deus como origem e meta, que o adulto encontra resposta e sentido para as grandes perguntas existenciais que reiteradamente atormentam o ser humano.