O homem criado
Quando a Bíblia apresenta o homem como criatura destacam-se três pontos: o homem é composto de espírito, alma e corpo; dotado de uma dimensão social e diversidade de sexos; e com a missão de dominar o mundo.
Expliquemos cada um destes pontos. Primeiramente se compreende que o homem é historicamente composto por espírito, alma e corpo, não é apenas fruto de uma evolução meramente material genérica, mas que tem uma intervenção directa de Deus, criando-o à Sua imagem. O homem não é apenas corpóreo, meramente um ser material, mas que está dotado de entendimento que procura a verdade. Possui também consciência e responsabilidade com as quais deve procurar o bem, segundo o livre arbítrio. Nestas características está o fundamento da dignidade que deve ser respeitada em todos os seres humanos.
A segunda característica é que os seres humanos são criados com uma dimensão social e diversidade de sexo, que fundamenta a união conjugal no dom do amor e da estima dos esposos e dos filhos nascidos desse amor humano, considerado na sua totalidade. Como criados por Deus e dotados das mesmas características fundamentais, todos os membros do género humano são dignos de grande consideração.
O terceiro aspecto do homem considerado no seu estado de natureza criada encontra-se na missão dada por Deus ao homem para que «domine» todas as coisas do mundo, como vice-senhor das coisas terrestres. Neste ponto desenvolve a sua dignidade, de modos diversos, inventados as artes técnicas ou belas, as ciências, as culturas, as filosofias, etc. Neste ponto está também presente a solicitude dos direitos humanos, porque todas as actividades devem regular-se segundo a justa consideração dada igualmente a todos enquanto à distribuição das responsabilidades, esforços e frutos. Quanto mais cresce o poder dos homens, tanto mais ampla é a sua responsabilidade, quer dos indivíduos, quer das comunidades.
Esta dignidade é certamente também uma vocação, a de servir só a Deus e exercitar, segundo a vontade de Deus, a preeminência sobre o mundo. Sem dúvida, o estatuto do homem como criatura privilegiada fundamenta a sua dignidade única.
Os Direitos Humanos no Magistério Eclesial
Por sua vez, já o Concílio Ecuménico Vaticano II se tinha referido a este assunto, nomeadamente na constituição Gaudium et Spes. O Código de Direito Canónico, publicado em 1983, trata especificamente dos direitos e deveres de todos os fiéis na vida da Igreja, nos cânones 208-223.
Na pregação actual aparecem duas vias principais e complementares: a ascendente e a descendente.
A primeira, «ascendente», pertence principalmente ao direito natural das gentes, fundado em razões e argumentos, mas confirmado e elevado pela revelação divina. A partir deste ponto de vista, o homem aparece não como objecto ou instrumento que se possa usar, mas como fim intermédio, cujo bem se deve buscar por si mesmo, e em último termo, por Deus. O homem está dotado de alma espiritual, razão, liberdade, consciência, responsabilidade e de participação activa na sociedade. As relações entre os homens devem realizar-se de forma a que esta dignidade fundamental seja respeitada em todas as pessoas, e tanto quanto seja possível, se satisfaçam as necessidades de todos.
A outra via, a «descendente», mostra o fundamentos e as exigências dos direitos humanos à luz do Verbo de Deus que desce à condição humana e, no sacrifício pascal, dota todos os homens da dignidade de filhos adoptivos de Deus, para que seja, simultaneamente, actores e beneficiários de uma justiça mais elevada e de uma maior caridade. De recordar aqui o princípio da reciprocidade que recebe em Cristo um princípio cristológico(Cf Lc 6, 31.36).
Direitos Humanos e Sagrada Escritura
É um dado claro que a Sagrada Escritura não usa o vocabulário actual, mas coloca alguns dados através dos quais se pode deduzir o desenvolvimento de uma doutrina sobre a dignidade e os direitos da pessoa humana.
O fundamento da vida moral e social do povo de Israel é a aliança entre Deus e as suas criaturas. Na misericórdia em relação aos pobres, Deus mostra a sua justiça e exige a obediência dos homens às suas instituições. Desde o seu começo, a Bíblia proclama que a fidelidade de Yahweh à Aliança tem como contrapartida a fidelidade recíproca do povo. Nesta observância da lei está incluída a atenção aos direitos dos outros homens no que diz respeito à vida, à honra, à verdade, à dignidade do matrimónio, ao uso e posse de bens próprios.
Aos direitos das pessoas correspondem as obrigações e os direitos dos outros, como mostrará mais tarde o apóstolo Paulo, resumindo na caridade o sentido mais profundo da segunda parte do Decálogo do Antigo Testamento.
É no mesmo Antigo Testamento que os profetas falam da urgência da observância das condições da aliança no mais íntimo do coração (Jr 31,31-39; Ez 36), protestando com vigor contra as injustiça, quer das nações, quer dos indivíduos. Prepararam a esperança da salvação para aquele povo num Salvador futuro.
Jesus Cristo, por seu turno, pregou e anunciou na sua pessoa e com a sua obra o Reino de Deus. Jesus quis mostrar aos seus onde se encontra a verdadeira dignidade humana: num coração novo e num espírito renovado. Pede aos seus discípulos a «metanóia» e anuncia-lhes a nova justiça com a qual devem imitar o Pai(Mt 5, 48; Lc 6, 36), tendo como consequência tratarem todos os homens como irmãos.
Na sua acção concreta, Jesus Cristo privilegiou os pobres e indigentes, e recusou a dureza de coração dos soberbos e ricos que punham a confiança nos seus próprios bens. Na sua morte e ressurreição propugnou, com as apalavras e exemplos, a «pro-existência», ou seja, o dom supremo, o sacrifício da sua vida. Não considerou como algo que há-de ser avidamente arrebatado ter direitos divinos e humanos, mas recusou impô-los e assim se humilhou a si mesmo. Obediente até à morte, derramou o seu sangue numa aliança nova, para bem de todos.
Os escritos apostólicos mostram a Igreja fundada por Jesus como uma criação nova realizada pelo Espírito Santo. De facto, pela sua acção as pessoas humanas são dotadas da dignidade de filhos adoptivos de Deus.
Na relação com os outros, os frutos do Espírito são a caridade, paz, paciência, benignidade, bondade, mansidão. São recusadas as inimizades, as lutas, a ira, as contendas, seitas, inveja e homicídios(Gl 5, 19-23).
A diversidade de uso da expressão «dignidade da pessoa humana»
A dignidade da pessoa humana apresenta-se, nos nossos dias, de modo diverso. Para alguns, essa dignidade está baseada na autonomia total do homem, sem nenhuma relação ao Deus transcendente, chegando mesmo a negar a sua existência e o facto de ser o Criador.
Há outros que reconhecem valor intrínseco ao ser humano e a sua autonomia relativa, e postulam a liberdade pessoal. Contudo, põe o fundamento último na relação com a transcendência divina, mesmo que seja entendida de forma diversa.
Há ainda outros, finalmente, que põe principalmente a fonte e a significação do valor do homem, pelo menos depois do pecado, na incorporação em Jesus Cristo, Deus e Homem.
Direitos Humanos
A missão da Igreja é o anúncio do querigma da salvação obtida por todos, através de Cristo morto e ressuscitado.
Esta salvação tem a sua primeira origem no Pai, que enviou o Filho e se comunica com os homens concretos, como participação na vida divina, através do Espírito Santo.
À aceitação do querigma corresponde uma nova vida de fé. A graça implica uma conversão que tem muitas manifestações na vida concreta do crente, em qualquer campo de acção da pessoa que se converte a Cristo.
Por tudo isto, a Igreja não pode, no seu múnus de anuncia a Cristo, omitir na sua pregação a proclamação da dignidade e direitos da pessoa humana, que o cristianismo deve respeitar fielmente em todos os homens.
Este direito e esta obrigação do povo de Deus, de proclamar a dignidade da pessoa humana, reveste-se de uma especial urgência no nosso tempo, porque se vê uma carência muito grande de valores humanos e cristãos, por um lado, e por outro se toma cada vez mais consciência das injustiças realizadas contra a pessoa humana.
Felizmente, hoje, reveste-se de destaque especial a proclamação dos direitos humanos na pregação e na vida da Igreja.
Andaremos por aqui nos próximos tempos…
Um Deus que não serve para nada!
No momento de planear a catequese, convém ter presente que o homem moderno julga viver num mundo como se Deus não existisse. Negou a existência de um deus repressivo, frente ao qual o homem fica sem espaço para existir. Contudo, não olhou para o verdadeiro Deus que, não sendo um relojoeiro nem um vingador, se revela como um Deus que, sem perder a identidade, se coloca livremente ao serviço do homem.
A ciência está a desenvolver-se de um modo que a ética é interpelada, alertando para o respeito pela Humanidade, para os direitos e para a dignidade da pessoa humana. É, talvez, esta uma forma indirecta de colocar a questão de Deus na sociedade moldada pela tecnologia, onde a ciência e vista como a plenitude do ser humano, a sua salvação. Será a ciência capaz de responder às questões fundamentais do Homem integral? Fica a interrogação.
Por outro lado, possuímos modos próprios de escutar a realidade, para lhe descobrir os fundamentos e o sentido. Oscilamos e temos dúvidas, mas um observador imparcial poderá ver que estamos a caminhar para o retomo do religioso. Deus, que foi arrebatado das ciências deste século e para o qual Nietzsche anunciou a morte, está de volta nas interrogações do homem.
A admiração é o momento inicial de todo o conhecimento humano. Mas não é no espanto que o crente pode intuir a gratuidade de ser chamado à comunhão com Deus? A maravilha desta graça pode fazer surgir a interrogação sobre as razões da esperança. Nesta dinâmica, revela-se um homem como mistério, em abertura para o mundo, em busca de um sentido sempre maior.
Deus, ocultado pelo pensamento autónomo, reaparece através da mediação interpessoal, pela admiração e pelo amor. É um Deus que está para além das categorias de necessidade, utilidade e contingência. Não será este o Deus da Sagrada Escritura que, mesmo revelando-se, mantém a sua identidade de totalmente Outro, que não se confunde com nenhuma realização humana?
Com a derrocada dos tradicionais pontos de partida para Deus, o cosmológico e o antropológico, torna-se claro que o homem moderno não precisa de Deus para explicar o cosmos e muito menos para implantar uma antropologia ou ética cheios de sentido. É precisamente aqui, num clima de secularização e indiferença religiosa, de expansão da ciência e da tecnologia, que se coloca a questão de Deus de uma forma totalmente livre e gratuita. Deus, não já como explicação, aparece, então, como dom.
A afirmação pós-moderna da não necessidade de Deus é precisamente o luxo supremo de toda a vida humana. Para os crentes, Deus é o luxo que procuram numa sociedade tecnológica e científica. Neste sentido, Deus é mais que necessário, mas sem se constituir em função da nossa sociedade.
Não nos sentimos nós atraídos por um amor que se atreve ao inútil, ao supérfluo e ao desnecessário? Não será que o Deus de Jesus Cristo necessita dos homens, não para ser Deus, mas sim para ser um Deus dos homens?
Movimentos Eclesiais e Catequese – VII
Os novos movimentos são dons eclesiais pela sua origem, vida e missão. Nascem na Igreja, vivem nela e existem para a missão que a Igreja tem no mundo. Por isso, estes movimentos caracterizam-se pela fidelidade à Igreja universal, através da fidelidade à Igreja particular, e pela fidelidade ao carisma. A autosuficiência de qualquer grupo carismático, será um «suicídio eclesiológico».
Os critérios de eclesialidade para estes movimentos não são específicos deles, antes pelo contrário, pertencem aos critérios de eclesialidade de todas as realidades eclesiais.
Recolheremos os critérios que João Paulo II apontava na Chritifideles Laici:
– primado da santidade;
– confissão íntegra da fé apostólica em obediência ao Magistério;
– comunhão firme e convencida com o Papa, centro perpétuo e visível da unidade universal da Igreja, e com o Bispo, princípio e fundamento visível da unidade na Igreja particular;
– participação na evangelização e santificação da humanidade;
– compromisso social ao serviço da dignidade integral do homem.
A comunhão com a Igreja é um sinal de maturidade cristã, que não se alcança de uma vez para sempre, nem é plenamente satisfatório desde o princípio. É um processo que se deve fazer; um caminho a percorrer; uma meta a alcançar por etapas.
Os novos movimentos eclesiais percorrem este caminho, tornando-se cada vez mais conscientes da necessária inter-relação no interior do Povo de Deus. Não pode ser de outro modo. Enquanto carismas que nasceram no interior da Igreja e que existem para ela, aspiram à plena comunhão eclesial, que chega à sua maturidade quando se explicita na comunhão teológica, afectiva e efectiva com o Bispo diocesano, o que leva a implicarem-se activamente nos programas e objectivos da Igreja local, a porem-se ao serviço do bem comum e a afastarem-se de qualquer falso protagonismo.
Movimentos Eclesiais e Catequese – VI
Estes novos movimentos revestem-se de umas características que, não sendo exclusivamente suas, mas pertencentes à riqueza da Igreja em geral, neles revestem-se de uma peculiaridade especial.
Estes movimentos são:
– Laicais, não só por estar integrados na sua maioria por leigos, mas sobretudo pela sua origem, espiritualidade e missão seculares;
– Comunitários pois, no seio da Igreja comunhão, estes movimentos constituem um forte convite à experiência de comunidade, expressão da comunhão que a Igreja é. Os novos movimentos querem oferecer aos seus contemporâneos o ambiente terno da casa do Pai;
– Primazia da experiência uma vez que a essência da comunhão com Deus é a experiência do encontro com o Senhor, geradora de uma gratificante conversão, que leva a uma relação com o Senhor e com os irmãos, da qual nascem correntes de água viva que revitalizam existencialmente a quem partilhada mesma experiência, convertendo-se, por sua vez, num oásis para a sociedade e para a Igreja. O cristianismo é, para os novos movimentos, muito mais que uma doutrina ou uma moral. O agir cristão é uma consequência da fé, não a sua essência;
– Missionários. Estes movimentos levam bem inserida na sua identidade a missão, pois como carismas são dom para os demais. Como comunidade, manifestada na comunhão de fé e de vida, existem para a missão que Cristo confiou à Igreja. Todos são responsáveis pela missão, de acordo com a sua vocação e carisma;
– Universais não só por estar em muitos países, terem muitos membros, mas sobretudo porque participam da catolicidade da Igreja;
– Ecuménicos, procurando a unidade, porque praticam um ecumenismo em sentido amplo, na sua predisposição de derrubar todo o que sejam barreiras entre países, raças ou culturas. Favorecem a vertente espiritual do movimento da unidade, sobretudo na oração inter-confessional e no ecumenismo de vida, convivendo com todos e trabalhando em acções a favor do homem e da sociedade. A oração e a vida, quando unidas, geram tal força de comunhão e de amor entre os que a partilham que ajudam e possibilita um certo degelo dogmático e doutrinal.
Para além destas características, podemos ainda sublinhar o facto de serem
mais carismáticas que organizacionais, primarem a gratuidade em detrimento da
eficácia e de manterem uma relação filial com o Papa.
Movimentos Eclesiais e Catequese – V
Não é só a Igreja pós-Vaticano II, também a sociedade contemporânea da pos-modernidade está a precisar da existência de estas novas realidades eclesiais. Esta sociedade de massas, com falta de intimidade, super-organizada e burocrática, sem gratidão e sem poesia, agressiva e tecnificada, torna difícil a existência das pessoas, incapazes de adaptar-se a um mundo em desenvolvimento permanente, bloqueado na sua afectividade, no seu psiquismo e na sua vontade de conviver.
Os novos movimentos e comunidades oferecem alternativas muito significativas à sociedade pós-moderna, tecnocrata, encerrada no raciocínio científico, que a reveste de consumismo, mas também à Igreja e às grandes religiões históricas, imersas em boa parte, no racionalismo ético-metafísico.
Estes novos movimentos situam-se nesta sociedade de duas maneiras: como fermento na massa e como mediação. Estes novos movimentos, enquanto laicais e peculiarmente seculares, estão chamados impregnar a sociedade do espírito cristão e a ser testemunhas do Senhor, a partir da sua inserção na comunidade humana.
Movimentos Eclesiais e Catequese – IV
Perante este fenómeno dos novos movimentos eclesiais e das novas comunidades, e da sua fecunda proliferação pela Igreja universal, podemos afirmar, com João Paulo II, que só é admissível aquela pluralidade que constitui «um hino à unidade».
Este princípio de unidade, que se deve sempre salvaguardar, e que deriva da comunhão na mesma fé, esperança e caridade, obedientes a Cristo e aos Pastores da Igreja; ou seja, pela comunhão no ser e no fazer da Igreja. Está é, indubitavelmente, a melhor chave de classificação dos movimentos, de entre as muitas que se poderia optar.
Objectivos e metodologia
Podemos desde já dizer que todos os movimentos coincidem nos objectivos gerais, que são a vivência experiencial da fé, a vivência em comunidade e o carisma dos seus fundadores. Isto tem como consequência que todos se esforcem por viver a perfeição da caridade, por construir a Igreja no tempo presente, edificando um mundo novo.
Depois, cada movimento, tem a sua peculiaridade, a sua forma específica de realizar estes objectivos. O que distingue um movimento do outro é a forma como cada um realiza os objectivos gerais, como os consegue concretizar.
No que diz respeito ao método, temos de ver que a essência do cristianismo é o acontecimento Cristo e a Sua Igreja: Cristo é o acontecimento original e a Igreja é a sua continuação no espaço e no tempo. O que os novos movimentos pretendem com os seus métodos é possibilitar o encontro com esse Acontecimento.
Se fosse preciso catalogar a metodologia seria catalogada como metodologia do encontro com Cristo, onde tudo o mais perde importância e é relativizado, procurando cada um viver o cristianismo na sua primeiríssima novidade.
Os principais passos desta metodologia são:
– encontro com o Senhor;
– deixar-se olhar pelo Senhor, e reconhecê-lo como Deus e Senhor;
– seguir a Cristo em radicalidade;
– num esforço missionário.
Se repararmos foi esta a metodologia que Cristo utilizou com os seus discípulos.