Uma espiritualidade saudável
A vida espiritual de um cristão adulto é o que permite uma vida com sentido, que lhe permite responder às questões fundamentais: quem sou?, de onde venho?, para onde vou?, para quê viver? A espiritualidade permite a cada ser humano ver para além de si mesmo, é a capacidade de transcendência, de ter esperança, de abertura ao futuro e consciência da própria finitude.
As necessidades de ordem espiritual emergem da interioridade da pessoa, embora se articulem em cada contexto de acordo coma cultura e as tradições do lugar onde a pessoa se encontra. Num mundo plural, onde nada aparece como absoluto, o cristão deverá ser capaz de zelar pela sua saúde espiritual, para obter uma vida com qualidade.
De seguida descrevo algumas características de uma espiritualidade saudável.
Mistagógica e não moralizante
Diz-se que uma espiritualidade é mistagógica quando introduz ou inicia o indivíduo no mistério de Deus e no mistério da pessoa. Tem por objectivo as experiências da vida espiritual, dom incomparável de Deus. Toda a prática ascética tem como finalidade remover do caminho humano tudo aquilo que impede a comunhão e intimidade pela com Deus.
Por seu turno, uma espiritualidade moralizante vê como principal objectivo evitar as faltas e os pecados. Parte do ideal de perfeição moral e está em permanente perigo de criar escrúpulos de consciência. Um erro, muito comum, é equiparar fé e moral.
Libertadora e não asfixiante
Uma espiritualidade que queira ser de seguimento de Jesus Cristo tem de tender necessariamente para a introdução de cada ser humano numa vivência de Liberdade: a liberdade dos filhos de Deus.
A liberdade interior, que se consegue por uma ascese espiritual, é o único local onde se consegue o encontro profundo com Deus e a libertação dos factores exteriores condicionantes, nomeadamente as expectativas e exigências que são impostas.
Criadora de unidade e não de divisão
Uma espiritualidade saudável implica também que, na relação com os outros, haja sentimentos fraternos. O indivíduo sente-se profundamente unido a cada ser humano: nas suas limitações e fragilidades, e no desejo de salvação.
Quando a «espiritualidade» de um cristão o leva a classificar as pessoas em crentes e não crentes, entre ortodoxos e hereges, entre piedosos e depravados, entre bons e maus, está a dar uma mostra clara de que a sua espiritualidade ainda não atingiu a fase adulta.
Uma espiritualidade de unidade valoriza o sentido das relações interpessoais. A vida espiritual saudável precisa de boas relações humanas, cordiais, relaxadas, nas quais se possa dedicar aos outros o próprio tempo. Amizades autênticas e profundas fertilizam a vida espiritual.
Encarnada e não separada da realidade
Uma espiritualidade sã capacita a pessoa para, diariamente, fazer bem as suas coisas, superando as dificuldades inevitáveis do trabalho e do contexto social.
Um cristão que procura, permanentemente, na sua espiritualidade uma forma de fugir da sua vida diária ainda não atingiu a vida adulta da fé. Pois uma espiritualidade adulta capacita o cristão para dizer sim às suas ocupações diárias que Deus lhe propõe e que ele discerne à luz do Espírito.
Procura Deus e nãos os seus consolos
O cultivar a vida espiritual tem como objectivo ter experiências espirituais. Mas há o perigo de se ficar pelas vivências e sentimentos, que acabam por ser o mais importante, relegando a questão do sentido – e Deus – para um segundo lugar.
As experiências isoladas nada dizem da qualidade da vida espiritual. Esta demonstra-se no caminho do amor dado e recebido nas interligações fraternas, e consequente compromisso, onde Deus está presente e se manifesta.
Global e não parcelar
Uma espiritualidade adulta contempla a totalidade da pessoa, toas as suas dimensões: entendimento e vontade, coração e sentimentos, espírito e corpo, consciente e inconsciente – tudo é abrangido pela vida espiritual.
Humilde e não orgulhosa
A humildade é um excelente critério para discernir se uma vida espiritual é ou não adulta, pois “a humildade nada mais é do que a caminhada para a verdade”(Santa Teresa de Jesus).